Doações, viagens e reunião com Bolsonaro: estratégia de Guaidó funcionará?

Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino da Venezuela, desafiou uma ordem judicial chavista que o impedia de deixar o país, fracassou em sua tentativa de entrar em território venezuelano com ajuda humanitária e agora faz uma espécie de giro pelos países da região que o apoiam. O deputado opositor mantém a promessa de voltar à Venezuela consciente de que pode ser preso assim que entrar no país.
Mas, apesar de estar sendo recebido pelos presidentes vizinhos com pompas de chefe de estado, Guaidó enfrenta um impasse: como manter a mobilização dentro e fora da Venezuela, evitar o desgaste de sua estratégia e entrar no país sem ser preso, para que a oposição não seja desarticulada mais uma vez. Para analistas de relações internacionais ouvidos pelo UOL, o balanço é que Guaidó vem perdendo força, viaja para manter sua atenção global e cometeu um grave erro ao defender uma intervenção militar para derrubar Maduro.
Em que lugar do planeta está Guaidó?
Depois de viajar para a Colômbia, onde tentou assegurar a entrada das doações de comida e medicamentos feitas pelos EUA, Guaidó participou em Bogotá de uma reunião do Grupo de Lima --organização de países americanos que não reconhecem o mandato de Maduro e o apoiam. Em seguida, partiu para o Brasil, onde se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) na quinta-feira; na sexta, esteve no Paraguai, onde foi recebido pelo presidente Mário Abdo, e na Argentina, sendo recebido por Mauricio Macri, mandatário argentino. Neste sábado, ele parte para o Equador --viaja com o suporte dos países que reconhecem o seu mandato presidencial.
Guaidó promete que tentará entrar na Venezuela após a visita aos países vizinhos. E, enquanto ele não retorna, fica a dúvida: qual será o próximo destino do presidente autoproclamado antes de retornar ao seu país e arriscar ser preso? Entre os que manifestam forte apoio ao seu mandato aparecem ainda Chile e Peru, que até agora não foram anunciados na "tour" do deputado opositor --a Bolívia é parte da ala bolivariana de apoio de Maduro, e o Uruguai reconhece o mandato do chavista.
Para o venezuelano Rafael Villa, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), as viagens de Guaidó parecem uma "agenda improvisada que ele agora tenta cumprir".
"Me parece uma ação pouco objetiva. Ele visita organizações e governos dos quais ele já tem amplo apoio. Do ponto de vista diplomático, não acrescenta nada. Seria interessante adotar uma agenda com os governos que apoiam Maduro, como China e Rússia, o Uruguai e o México, para fazê-los ouvir seus argumentos de que o chavismo não é viável como condutor político ou do efeito que isso tem sobre a população venezuelana", afirma o analista.
Já Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas), Guaidó usa as viagens pelos países vizinhos para tentar "manter o nível de atenção global elevado e ser notícia". "A única coisa que ele tem hoje é o reconhecimento de outros países. Ele não controla o país e está em um impasse", afirma.
Para Stuenkel, os países vizinhos não podem fazer mais e, se tudo se mantiver assim, Guaidó não vai conseguir avançar. "O problema é que pode demorar muito para o Maduro cair --meses, até mesmo mais de um ano. É por isso que Guaidó precisa voltar para a Venezuela: para manter a mobilização e a expectativa da população para que algo mude", avalia o professor.
Prisão já foi mais vantajosa
O professor da USP acredita que a imagem do Guaidó sendo preso, se isso realmente acontecer, teria sido mais vantajosa para ele antes do que seria hoje.
Maduro não mordeu a isca. Teria sido ótimo para a oposição se o Maduro o prendesse antes. Causaria uma comoção internacional e um movimento social muito forte a favor de Guaidó. Nesse momento, a prisão dele criaria uma certa comoção, mas o Guaidó de uma semana atrás não tem a mesma força de hoje. Ele cometeu alguns erros --ou algumas coisas não saíram como planejado por ele
Rafael Villa, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP
Para ele, o fato de Guaidó ter acreditado que poderia entrar com a ajuda humanitária no país criou um desgaste, já que causou uma expectativa muito grande. "O governo venezuelano de Maduro aproveitou essa oportunidade para deixá-lo do lado colombiano. Agora, Guaidó está nesta situação, que é um dilema tanto para Maduro quanto para ele próprio: qual seria o efeito de prendê-lo se ele voltar?. Ou com a possibilidade de ser preso e deixar a oposição sem sua principal liderança, isso poderia levar o grupo de volta a estaca zero?", avalia o professor venezuelano.
Stuenkel, da FGV, acha que a prisão de Guaidó seria um movimento muito arriscado para o opositor, mas vê o deputado sem outras boas opções.
"Se ele está preso, perde a capacidade de convocar manifestações. E as posições brasileira e americana não mudarão, não há mais o que fazer. Então a prisão do Guaidó pode significar o fim do período em que ele se coloca como líder da oposição", diz o professor.
Ele ressalta: Guaidó é o presidente que não volta mais para o seu país? "Ele tem que voltar, mas é uma decisão difícil. Acho que existe um risco real de que ele de fato seja preso, e a comunidade internacional não fará nada além de condenar a prisão", diz. "Maduro sustenta a prisão e ganha essa, consegue se manter no poder por enquanto".
Sugerir intervenção militar foi erro
Para os dois especialistas, ao afirmar que aceitaria uma intervenção militar, Guaidó desagradou não só a população venezuelana, mas principalmente os países vizinhos, que são uma grande base de apoio --a ajuda humanitária pedida por ele ainda aguarda permissão para entrar nas fronteiras fechadas de Brasil e Colômbia.
O grande fracasso para o Guaidó veio na segunda-feira, quando ele participou do Grupo de Lima, que rechaçou a ideia de uma intervenção militar que ele tinha sugerido. Nenhum país latino-americano apoiou isso
Oliver Stuenkel, da Escola de Relações Internacionais da FGV
Villa sugere ainda que o giro de Guaidó pela região tenha um caráter mais diplomático para "recompor o seu apoio". "O Maduro é um personagem político muito desgastado internamente, e o Guaidó tinha conseguido algo importante: ter não só o apoio dos que sempre estiveram com a oposição, mas também de chavistas que romperam com o governo", afirma.
Proposta de anistia não funciona
Guaidó vem insistindo para que os militares que apoiam Maduro deixem o chavista, e promete anistia inclusive para o mandatário herdeiro de Hugo Chávez. Mas, ainda que alguns soldados de patentes mais baixas estejam desertando para a Colômbia e o Brasil, a promessa não despertou sinais positivos na cúpula militar que sustenta Maduro.
Segundo o professor da FGV, a proposta de anistia é importante, já que os generais chavistas não querem ser presos. "O grande problema é que Guaidó não tem como garantir esta anistia. Isso é algo que divide a oposição. Tanto os militares quanto o próprio Maduro considerariam a anistia algo atraente se ela fosse real. Mas o Guaidó pode perder a eleição, e quem ganhar pode processar os militares. Não há confiança de que a promessa de anistia será cumprida", diz Stuenkel.
Para Villa, da USP, a questão da anistia não convence os militares, já que a anistia pressupõe o perdão. "O que é a anistia? É uma espécie de acordo que se oferece a quem cometeu um crime e pode ser perdoado. Não é isso que os militares esperam. Eles querem mesmo é um diálogo que, em um eventual governo de Guaidó ou de qualquer outro dirigente da oposição, conceda aos militares ao menos parte dos espaços que eles já adquiriram nestes últimos anos", diz o professor venezuelano.
"Os militares na Venezuela hoje em dia não são uma força apolítica. São atores que participam da política em ministérios, embaixadas, nas cidades, na Assembleia Constituinte, são diretores de empresas estatais como a petrolífera PDVSA. Participam do poder econômico venezuelano. Uma proposta correta seria Guaidó dizer que aceita negociar e ver qual será o espaço político e econômico dos militares no pós-madurismo. Esta é essa a questão fundamental. A anistia soa como se os militares tivessem que fazer um 'mea culpa'. Por isso que a cúpula militar não é muito entusiasmada com Guaidó", diz Villa.
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