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Atacado por Bolsonaro, Raoni é um dos favoritos para ganhar o Nobel da Paz

Raoni Metuktire chega ao tapete vermelho de Cannes - Loic Venance/AFP - 24.mai.2019
Raoni Metuktire chega ao tapete vermelho de Cannes Imagem: Loic Venance/AFP - 24.mai.2019

Jamil Chade

Colaboração para o UOL, em Genebra (Suíça)

10/10/2019 04h00

Em maio deste ano, o cacique Raoni Metuktire insistia: não era o momento de entrar em choque com o governo de Jair Bolsonaro (PSL). Em turnê pela Europa, ele passou por Genebra e revelou ao UOL como queria um encontro com o presidente. Seu objetivo era o de debater a demarcação de suas terras e a proteção à floresta no país.

"Ele [Bolsonaro] ficou falando muita coisa e eu não gostei. Mas quero me sentar com ele para ver se encontramos uma solução", afirmou à época. "Quero me encontrar com Bolsonaro para que ele assine algum decreto para garantir a demarcação. É só isso que eu quero", disse.

O encontro jamais ocorreu. Os incêndios passaram a dominar a agenda internacional e, no lugar do diálogo, o mundo descobriu em setembro o que Bolsonaro pensava do cacique.

Em seu discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro hostilizou Raoni, denunciou uma suposta manipulação de sua imagem e decretou que seu "monopólio" tinha terminado.

Bolsonaro também avisou: não vai mais demarcar terras enquanto for presidente.

Mas, agora, Raoni pode voltar a ser uma pedra no sapato do governo. Amanhã, os organizadores do Prêmio Nobel da Paz anunciam o vencedor. Neste ano, nomes como o da ativista sueca Greta Thunberg ou do primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, estão entre os mais citados. No total, foram 223 candidaturas de personalidades e 78 de organizações.

Bolsonaro critica Raoni e diz que cacique está "idoso"

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Mas não são poucas as publicações estrangeiras que colocam Raoni entre os cinco favoritos. Uma delas, a Time Magazine, lembro que o cacique "passou sua vida protegendo sua casa, a floresta Amazônica". Na apresentação dele, não faltam referências a Bolsonaro nem aos incêndios.

Na Skybet, Raoni é o quarto colocado nas bolsas de apostas e, na imprensa em diferentes línguas, seu nome aparece entre os "favoritos".

Em campanha desde o início do ano, a esperança daqueles que acompanham Raoni é de que os organizadores do prêmio optem por escolher alguém de fora da lista de nomes que receberam. Como a lista é fechada em janeiro, o cacique não foi incluído oficialmente.

Há poucas semanas, a Fundação Darcy Ribeiro apresentou a candidatura de Raoni para o prêmio de 2020. Mas, em Oslo, a percepção é de que a iniciativa feita antes mesmo da designação do vencedor de 2019 acabe levando o comitê de avaliação a se debruçar sobre o nome do cacique já para este ano.

Já é uma tradição os organizadores do Nobel optarem por uma surpresa e desprezar as "listas de favoritos" que circulam pela imprensa. Neste ano, uma das opções poderia ser a busca por um recado contra as fake news (notícias falsas), dando o prêmio para entidades como Repórteres Sem Fronteira ou outros grupos de imprensa. A mensagem seria de que a paz dependeria do combate à desinformação.

Jacinda Ardern é outra que aparece em diferentes listas. Chefe do governo da Nova Zelândia, ela teve de lidar com um ataque terrorista por parte da direita radical contra os muçulmanos que deixou 51 mortos.

Mas Ardern não prometeu vingança, não fez um sinal de armas com a mão e não usou os enterros como palanque.

Ela até mesmo se recusou a dizer em público o nome do terrorista, num ato calculado para jamais dar a ele o que o assassino queria: visibilidade.

Seu gesto foi aplaudido pela comunidade internacional. Uma semana depois do atentado, ela se uniu a milhares de pessoas que prestaram homenagem aos mortos diante de uma das mesquitas atingidas.

Para uma população muçulmana, que representa 1% dos habitantes de seu país —e que nem sequer contam nas eleições—, ela garantiu: "neste momento, somos apenas um país".

Greta Thunberg - Lucas Jackson/Reuters - Lucas Jackson/Reuters
A sueca Greta Thunberg também figura na lista de favoritos
Imagem: Lucas Jackson/Reuters

Governo brasileiro se prepara para escolha de Raoni

Mesmo com uma forte concorrência, o UOL apurou que o governo brasileiro já está mobilizado para uma eventual vitória de Raoni. Na prática, seria um duro recado contra as políticas de Bolsonaro e um atestado de que sua estratégia de usar a "soberania" como argumento para se defender não teve resultado.

Para diplomatas, o prêmio a Raoni neste momento seria considerada como uma dura derrota do governo no cenário internacional, e colocaria Bolsonaro em uma saia-justa.

Se o presidente felicitar Raoni, estará aceitando que seu combate tem legitimidade, inclusive para garantir a demarcação de terras. Se o rejeitar, entrará na lista de regimes pouco democráticos que denunciaram o Prêmio Nobel como sendo uma manipulação política.

Questões indígenas e ambientais têm sido dois dos maiores problemas da imagem do governo Bolsonaro no exterior. Ao longo dos últimos meses, diversos líderes indígenas e ativistas de direitos humanos têm optado por usar o palco internacional para denunciar as políticas do atual governo.

Entre os organizadores do prêmio Nobel, o sentimento foi de que o Brasil jamais ganhou por conta da oposição que é feita pelos próprios brasileiros a alguns dos principais nomes que eram sugeridos ao longo de décadas.

Desta vez, a oposição ao candidato vem do próprio governo, que sofre uma profunda rejeição no exterior. E, justamente por isso, observadores e diplomatas acreditam que as chances aumentam de se ter um primeiro brasileiro no seleto grupo de premiados pelo Nobel da Paz.

Finalista em outro prêmio

O Nobel não é o único prêmio que Raoni concorre. Aumentando a pressão sobre o governo brasileiro, o Parlamento Europeu o colocou como um dos cinco finalistas para receber o prêmio Sakharov, a principal homenagem de direitos humanos da UE (União Europeia). A vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL) e a ambientalista brasileira Claudelice Silva dos Santos também estão na lista.

A distinção já havia sido dada para personalidades como Nelson Mandela, Aung San Suu Kyi, Mães da Praça de Maio e Malala, além da oposição venezuelana e dissidentes cubanos anticastristas.

No caso do cacique, ele é indicado por suas "quatro décadas de cruzadas para salvar a sua pátria, a floresta amazônica".

"Ele é um símbolo vivo da "luta pela vida" das tribos, uma luta para proteger sua cultura única, que está diretamente ligada à própria natureza", disseram os deputados.