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Estamos vivendo a doença do desespero, diz autor que questionou isolamento

Thomas Friedman, jornalista e editorialista do jornal The New York Times - Sean Zanni/Patrick McMullan via Getty Images
Thomas Friedman, jornalista e editorialista do jornal The New York Times Imagem: Sean Zanni/Patrick McMullan via Getty Images

Do UOL, em São Paulo

07/04/2020 20h47

Thomas Friedman causou polêmica há mais de duas semanas, quando publicou no The New York Times, jornal do qual é editorialista, um texto em que questiona o isolamento social no combate ao coronavírus e manifesta preocupação com o impacto econômico da crise. Hoje, ele explicou seus pontos de vista, deixou claro que a ameaça cresceu nos Estados Unidos desde então e que o mundo será diferente após a pandemia, mas reiterou: a covid-19 pode ser a "doença do desespero" ao afetar empregos e sonhos.

"O que estamos vivendo é o maior teste de estresse que já tivemos. O de 2008 foi para os bancos, mas agora é um teste para toda a sociedade. Se eu descubro que perdi meu negócio, meu trabalho, minhas economias, meu futuro, estamos falando da doença do desespero. As mortes por desespero serão maiores do que as mortes por coronavírus se não tivermos um bom plano de redução de danos. Temos de fazer as duas coisas juntas", disse ele.

As declarações foram feitas em participação no "Exame Talks", da revista Exame. Thomas comparou o pânico que o coronavírus pode causar ao que se viu nos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001 e que o planeta deve ter novas marcas de "AC" (antes do coronavírus) e "DC" (depois do coronavírus), mas alertou que, em algum momento, será preciso colocar a sociedade de volta ao trabalho enquanto o vírus ainda estiver circulando, antes mesmo de uma vacina ou cura.

"O mundo que nós conhecemos será dividido em AC e DC. Antes do coronavírus e depois do coronavírus. Nós não sabemos ainda como o mundo pós-coronavírus será. (...) Todos estão em casa agora, mas, em algum momento nas próximas semanas, as portas vão se abrir, e as pessoas vão entender o vasto dano feito a empregos, locais de trabalho, empresas, economias, aposentadorias e sonhos. Quando entenderem isso, haverá enormes tensões e estresses sociais", avisou Thomas.

"Depois do 11 de setembro, as pessoas começaram a dizer: 'eu quero saber se a pessoa sentada ao meu lado no avião está carregando uma bomba'. Agora, vão querer saber se a pessoa ao lado delas no avião está carregando o coronavírus. Ou seja, isto vai requerer um alto nível de aplicação médica intrusiva. Você pode ter de conectar um termômetro para enviar sua temperatura digitalmente. Talvez tenha de usar adesivos para comprovar que se curou do coronavírus. Nós teremos um debate social enorme: qual é o nível certo de intrusão na vida das pessoas?", questionou.

Vencedor de três prêmios Pulitzer, o jornalista disse que a crise econômica de 2008 e 2009 agora se parece com uma "mini crise", comparada ao impacto que o coronavírus pode ter nos modelos atuais de mercado e sociedade. "A crise de 2008 que, agora, em retrospecto, parece uma mini crise econômica, fez surgir movimentos de direita e esquerda. Então imagine que tipo de movimentos populistas vão surgir desta crise? Por isso, argumento que precisamos de um governo de unidade nacional", opinou.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
Imagem: Alex Wong/Getty Images

Leia outras declarações de Thomas Friedman:

Inimigo maior do que nazistas

"Nunca tivemos um inimigo assim. Nós enfrentamos os nazistas na Segunda Guerra Mundial, e os vencemos com força bruta. Lutamos a Guerra Fria com a Rússia e os falimos. Mas as duas forças mais poderosas do planeta são a mãe natureza e o mercado. A mãe natureza não é como o mercado, e é onde eu acho que o presidente Donald Trump errou no começo: ele pensava que se o mercado crescesse, ele estaria vencendo a mãe natureza. A mãe natureza é muito diferente do mercado: ela não abre às 9h30, não fecha às 16h e não folga aos fins de semana."

"A mãe natureza estava silenciosa, invisível e impiedosamente espalhando este vírus entre nós. Não podemos dizer: 'Mãe natureza, nós estamos em uma recessão, você pode nos ajudar por uns meses?'. Não mexa com a mãe natureza. Este é o desafio que enfrentamos, nós nunca tivemos um inimigo como este. Ela é exponencial e impiedosa."

Mudanças climáticas

"Nós precisamos ter em mente que as mudanças climáticas são só o próximo desafio que a mãe natureza vai jogar em nós. Nós precisamos não só aumentar a nossa resiliência a pandemias, mas também com as mudanças climáticas. Elas são como pandemias, mas com uma diferença grande: elas não têm um pico, não sobem e depois descem. Quando perdermos algumas coisas, elas não voltarão. Os oceanos vão subir, e não haverá imunidade. Só haverá dano à Terra".

Avanço do coronavírus nos EUA

"Parece que estamos chegando ao pico em Nova York, embora o governador tenha dito ontem que isso estava acontecendo e, hoje, tivemos um dia ainda pior. Em Washington DC, onde eu vivo, nós ainda não chegamos ao pico. Há previsões de que isso não vai acontecer em menos de 10 dias, então é uma preocupação real. Nós não temos noção do que está acontecendo na Flórida, que demorou muito para fechar suas praias e impor distanciamento social, e é um estado com muitos idosos."

"O que precisamos ter em mente é que estamos suprimindo o problema, mas não temos vacina, nem imunidade. Quando colocarmos o pé para fora e voltarmos ao trabalho — como vimos na China, que teve medidas bem rígidas — veremos o vírus voltar. A boa notícia é que o distanciamento social funciona, mas vamos precisar de muitos dados para arriscar que as pessoas voltem ao trabalho. E mesmo quando fizermos isso, o vírus ainda estará lá fora."

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Imagem: John Moore/Getty Images

Trump terá de decidir quem vive e quem morre

"Falando sobre os EUA, no próximo mês, o presidente Trump terá de fazer a maior decisão de 'quem deve viver e quem deve morrer' desde que Harry Truman bombardeou Hiroshima. Em algum momento, ele terá de decidir enviar as pessoas de volta ao trabalho, espero que baseado nos melhores dados e análise de risco. E como resultado desta decisão, as pessoas podem morrer. O presidente Bolsonaro parece já ter tomado esta decisão no Brasil, ou parece estar pendendo para esta direção, não sei o suficiente sobre a complexidade do Brasil. Quanto mais você suprimir o espalhamento da doença agora, mais fácil será para controlá-la depois, mas você ainda precisará de muitos testes e algumas decisões de risco máximo".

EUA têm falhado na guerra contra o coronavírus

"O que é interessante ao redor do mundo é que há governos autoritários que estão respondendo bem a isso, e outros governos autoritários que não estão respondendo bem. O Irã fez um trabalho muito ruim. Há democracias que foram bem, como a Alemanha, e democracias que foram mal, como os EUA. Nós não parecemos bem e expusemos a fragilidade do nosso sistema de saúde pública. Nós vamos nos organizar, eventualmente vamos fazer isso, mas não tem sido bonito e não há nada para nos orgulhar."

"Os EUA, historicamente, cumpriram papeis no mundo nestas grandes crises: fomos os líderes em reconhecer as crises, seja um inimigo como Hitler ou um vírus como ebola, fomos a fonte da melhor ciência, e fomos a fonte de conforto e ajuda aos aflitos. Infelizmente, nesta crise, nós não cumprimos nenhum destes papeis".

Governador de NY cresce em meio à crise

"Líderes nas próximas eleições, prefeitos, governadores e presidentes serão julgados por uma métrica: como lidaram com esta crise? Então o que aconteceu em janeiro ou fevereiro não importa mais tanto. Há uma nova métrica: como você organizou sua cidade, seu estado ou seu país para enfrentar este desafio? O quanto você os inspirou e confortou? Sob essa métrica, o governador de NY, Andrew Cuomo, saiu do nada e cresceu provavelmente como o maior líder do partido democrata hoje".

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Andrew Cuomo, governador do estado de Nova York
Imagem: Stephanie Keith/Getty Images/AFP