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O que explica a potência da explosão em Beirute

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

05/08/2020 20h28Atualizada em 06/08/2020 07h57

Um foco de incêndio na região portuária de Beirute, no Líbano, pode ter gerado a combustão de um grande estoque de nitrato de amônio e culminado na grande explosão que deixou mais de 130 mortos e 5 mil feridos. Professores de química entrevistados pelo UOL apontam a necessidade de um foco de calor para que o nitrato de amônio — substância muito utilizada em fertilizantes — tenha explodido daquela forma. A concentração da substância e as condições de armazenamento podem ter contribuído para a potência da explosão.

Ontem, o presidente libanês Michel Aoun afirmou que cerca de 2.750 toneladas da substância estavam armazenadas na região sem o devido cuidado após terem sido confiscadas, há mais de seis anos. A explosão destruiu parte da região portuária e uma coluna de fumaça avermelhada — cor que identifica justamente a presença do nitrato de amônio — pôde ser vista de toda a cidade.

Imagens que circularam pelas redes sociais mostravam um foco de incêndio na região portuária, mas ainda não se sabe o que causou a explosão e se foi um ato intencional ou acidente.

Antes, já foram registradas explosões acidentais envolvendo a substância. Na França, em 2001, um incidente em uma fábrica de Toulose matou 31 pessoas. Em um caso mais recente, em 2013, uma fábrica de fertilizantes na cidade de West, no Texas, explodiu e deixou ao menos uma dezena de mortos.

"Pelas fotos que eu vi, em Beirute muito provavelmente era muito mais do que 2.750 toneladas por conta do tamanho da explosão. É um produto banal, um fertilizante muito utilizado, e para esta explosão ocorrer precisa de um conjunto de fatores", diz o professor de química da USP (Universidade de São Paulo), Luís Moreira Gonçalves.

Ele cita como condicionantes o nível de pureza da substância e a concentração do nitrato de amônio. "Provavelmente ali não estava espaçado com segurança", analisa o professor.

Além da coloração da fumaça liberada, que transita entre o vermelho e o castanho, pesquisadores levantaram a hipótese de que a explosão foi causada pelo nitrato de amônio por conta da velocidade da onda de gás, diz Gonçalves.

O Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), que monitora atividades sísmicas, detectou a intensidade das explosões na capital libanesa — o impacto foi equivalente a um terremoto de magnitude 3.3.

Rastro de destruição

Bombeiros libaneses estavam tentando combater o foco de incêndio na região portuária antes da grande explosão. O governador Marwan Aboud disse, em entrevista ao canal Sky News, que essa equipe havia "desaparecido" após a explosão. Até o momento, não há mais informações sobre os bombeiros.

A onda de fumaça provocou um rastro de destruição. Autoridades libanesas disseram que mais da metade de Beirute foi atingida e 300 mil pessoas estão desabrigadas. Ainda não há uma avaliação oficial dos danos causados na cidade, mas o governo estima que os valores possam ficar entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões (de R$ 15 bilhões a R$ 23 bilhões).

Ontem, em conversa com o UOL, uma brasileira que vive em Beirute tossia muito enquanto relatava a situação da cidade e a apreensão dos moradores. Segundo o professor Fernando de Carvalho da Silva, do Instituto de Química da UFF (Universidade Federal Fluminense), a fumaça exalada a partir da explosão do nitrato de amônio é "muito tóxica".

"Causa irritação na mucosa, nos olhos, é um gás vermelho muito tóxico. Não só isso, esses derivados desses gases são quase 300 vezes mais potentes para o efeito estufa do que o CO² [dióxido de carbono, um dos gases estufa]", diz Silva, que integra a diretoria da SBQ (Sociedade Brasileira de Química).

Ele concorda com declarações do presidente libanês e outras autoridades, que disseram que houve negligência no armazenamento do produto. "Você não apreende uma quantidade dessa e guarda, você transporta para onde tem que levar, e em pequenas quantidades. Isso é um tiro no pé", diz.

"Essa substância precisa de um ambiente arejado, fresco. Se ela entra em contato com a umidade, ela aquece um pouco se está guardada em grande quantidade."

O professor diz que o produto tem controle muito rígido no Brasil, e que, para adquiri-lo para fins de pesquisa ou estudo, é necessário um trâmite burocrático trabalhoso.

"Eu preciso de uma justificativa técnica, preciso ir até uma autoridade militar para ter o OK. Os vendedores também são fiscalizados. Quando compramos isso, ficamos sujeitos a monitoramento do Ministério da Defesa", diz Silva.

Prisão

Hoje, o presidente Michel Aoun afirmou que responsáveis pelo armazenamento de 2.750 toneladas de nitrato de amônio na zona portuária de Beirute, no Líbano, estão sendo mantidos em prisão domiciliar. As prisões acontecem sob a Lei de Defesa Nacional e dentro do estado de emergência de 15 dias decretado pelas autoridades após o incidente de ontem.

A ministra da Informação, Manal Abdel Samad, afirmou, em entrevista coletiva após uma reunião extraordinária, que as "autoridades competentes" tomarão todas as medidas legais para aplicar a prisão domiciliar e monitorar os responsáveis.

Segundo a Presidência do Líbano, os proprietários responsáveis pelo armazenamento da substância entre junho de 2014 e ontem estão enquadrados na legislação.