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Brasileiro relata clima de violência na Colômbia: "Terror e muita angústia"

Policial dispara bombas de gás lacrimogênio para conter manifestantes em protesto na Colômbia - Luis Robayo/AFP
Policial dispara bombas de gás lacrimogênio para conter manifestantes em protesto na Colômbia Imagem: Luis Robayo/AFP

Djalma Campos

colaboração para o UOL, em São Paulo

05/05/2021 04h00

Os protestos contra a frustada reforma tributária proposta pelo presidente Ivan Duque foram o estopim para uma nova crise na Colômbia. Após uma semana do início dos conflitos entre exército e manifestantes, as ruas de cidades como Barranquilla, Bogotá e Cali seguem em efervescência. Morador desta última, um brasileiro diz que os relatos são de "morte e opressão".

As forças armadas estão nas ruas e estão atirando contra o povo. Todas as noites, desde a última quinta-feira, são de terror e muita angústia. A gente não sabe o que vai acontecer."
S.C.P., professor de português, 29 anos

Morador do bairro de Miraflores e professor em uma pastoral afro, o brasileiro, que preferiu não revelar o nome com medo de represálias, afirma que a cidade está "fechada". Ele já teme que vá faltar alimentos.

Posso sair de casa porque moro num bairro de classe média. Mas está tudo bloqueado. Até o aeroporto está fechado. Frutas e verduras, que chegam toda semana, já estão faltando. Os organizadores da greve disseram que vão deixar passar alimentos. Mas sair à noite... Nem pensar!

3 mai. 2021 - Em Bogotá, na Colômbia, militares patrulham uma rua ocupada por protestantes contra a reforma tributária e o governo de Iván Duque - Daniel Garzon Herazo/NurPhoto via Getty Images - Daniel Garzon Herazo/NurPhoto via Getty Images
3 mai. 2021 - Em Bogotá, na Colômbia, militares patrulham uma rua ocupada por protestantes contra a reforma tributária e o governo de Iván Duque
Imagem: Daniel Garzon Herazo/NurPhoto via Getty Images

Em novembro de 2019, as reformas econômicas de Duque já motivaram protestos, que recuaram assim que a pandemia do novo coronavírus atingiu o país. Desta vez, o que gerou indignação da população foi a proposta de uma reforma tributária em um momento sensível.

Ela criaria impostos de 19% sobre produtos essenciais da cesta básica e serviços, além de sugerir um imposto funerário. Também expandiria a base de quem deveria declarar imposto de renda para incluir pessoas com salários equivalentes a R$ 1.500 e R$ 1.600. Isso acabaria pesando mais sobre as classes média e baixa do país do que sobre os mais ricos.

Tudo isso em um momento em que a Colômbia passa por uma gravíssima crise social, com mais de 75 mil mortos [pela covid-19]. E, nas principais cidades do país, 95% dos leitos de UTI [Unidades de Terapia Intensiva] estão ocupados. A reforma era inoportuna e cruel
Jaime Alves, 42, professor da Universidade da Califórnia de Santa Barbara (EUA) e especialista em assuntos ligados à Colômbia

Segundo números da Defensoria do Povo, com atuação semelhante à Defensoria Pública da União (DPU), os protestos deixaram 19 mortos, 254 civis e 457 policiais feridos.

3 mai. 2021 - Em Bogotá, na Colômbia, manifestantes caminham em protesto contra a reforma tributária e o governo de Iván Duque - Sebastian Barros/NurPhoto via Getty Images - Sebastian Barros/NurPhoto via Getty Images
3 mai. 2021 - Em Bogotá, na Colômbia, manifestantes caminham em protesto contra a reforma tributária e o governo de Iván Duque
Imagem: Sebastian Barros/NurPhoto via Getty Images

A ativista Debaye Morman Barrera, 27, vive há cerca de seis meses no Rio por não ter conseguido voltar à Colômbia após o fechamento das fronteiras por causa da pandemia. Ela, que trabalha em uma casa cultural que dá suporte a crianças, jovens e mulheres em Cali, diz que a violência tem atingido regiões onde vivem os mais pobres. "São pessoas que, em geral, saíram de casa em busca de alternativas para uma vida melhor", diz.

Segundo ela, é fundamental que o governo interrompa imediatamente os assassinatos. A reforma foi retirada do Congresso neste domingo, com a promessa de Duque de amenizar os pontos mais polêmicos. Nesse meio-tempo, o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, renunciou ao cargo. Idealizador do plano, ele disse que sua presença no governo "dificultaria a construção rápida e eficiente dos consensos necessários".

Duque pretendia arrecadar 23,4 trilhões de pesos colombianos (R$ 33,2 bilhões) com a reforma. Com isso, prometia melhorar as finanças do Estado e continuar programas sociais.

Em 2020, a Colômbia viu o PIB (Produto Interno Bruto) cair 6,8% e o desemprego subir para 16,8%. Quase metade dos 50 milhões de habitantes do país está no setor informal, e a pobreza atinge 42,5% da população.

Em Bogotá, na Colômbia, manifestantes fazem protesto contra a reforma tributária e contra o governo do presidente Ivan Duque - REUTERS/Luisa Gonzalez - REUTERS/Luisa Gonzalez
Em Bogotá, na Colômbia, manifestantes fazem protesto contra a reforma tributária e contra o governo do presidente Ivan Duque
Imagem: REUTERS/Luisa Gonzalez

Para o professor brasileiro, o país está adotando remédios mais duros demais para a situação econômica sem observar seu impacto sobre as pessoas. "A Colômbia tem uma das melhores performances econômicas da América Latina. Por exemplo: a dívida pública do país é infinitamente menor do que a nossa. A nossa é 95% do PIB (Produto Interno Bruto); a deles é 65%".

O principal motivo para nossa saída às ruas foi a reforma fiscal, mas queremos que Duque renuncie ao cargo de presidente."
Debaye Morman Barrera, 27, ativista

O sentimento ativista mostra como as manifestações iniciadas na semana passada têm como pano de fundo pautas que apontam o descontentamento de vários setores carentes da população, explica o professor Jaime Alves, que já lecionou na Universidade Icesi, em Cali, entre 2018 e 2019.

Além de quererem reformas estruturais, não apenas tributárias, a população se vê às voltas com questões que se arrastam sem solução há algumas décadas.

Este é o estopim de uma crise que tem demandas muito estruturais. O país tem o mais longo conflito armado do hemisfério ocidental. São 50 anos de guerra na Colômbia. São Desaparecidos e mais de 80 mil assassinados. O acordo de paz com as FARCs, em 2016, não se traduziu em políticas sociais. Manter uma guerra tão longa demanda muitos gastos. O país ficou endividado por estss gastos, e o povo pagou o preço da guerra sem ter nenhum retorno."
Jaime Alves, professor da Universidade da Califórnia de Santa Barbara (EUA)

O professor explica que, além de todas essas demandas, as manifestações marcadas para esta quinta-feira (5) deverão pedir a renúncia do presidente Ivan Duque. Para o mesmo dia, a chanceler Claudia Blum convocou uma reunião com o ministério da Defesa para discutir "a evolução da situação".

O UOL contatou a Embaixada da Colômbia no Brasil, mas, até a publicação desta reportagem, não obteve resposta. Em postagem em sua conta oficial no Twitter, o órgão afirmou que, "diante dos pronunciamentos da comunidade internacional sobre a situação de nosso país, a Chancelaria reafirma veementemente que a Colômbia é um Estado de Direito com sólidas instituições democráticas e garante os direitos dos cidadãos, como o da vida e de mobilização pacífica"