Não se pode confiar em promessas, diz ex-FMI sobre guerra Ucrânia-Rússia
A quebra de uma promessa histórica pode ser uma das lições para o Brasil na guerra entre Ucrânia e Rússia, na avaliação do economista Paulo Nogueira Batista Jr., ex-vice-presidente do banco dos BRICS, grupo econômico que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Ele também foi diretor pelo Brasil e outros países no FMI (Fundo Monetário Internacional), onde esteve acostumado a lidar com questões políticas para a tramitação de temas econômicos.
Após a dissolução da União Soviética, foi feito um acordo entre Ucrânia e Rússia em que havia a promessa de respeito à integridade territorial, soberania e independência ucraniana ao mesmo tempo que o arsenal nuclear no país seria enviado para os russos. Esse é um dos pontos do Memorando de Budapeste, de 1994, também assinado por Estados Unidos e Reino Unido.
Vinte anos depois, com a aproximação da Ucrânia com o Ocidente e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que tem viés militar, a Rússia, preocupada com o cenário, decide anexar, em 2014, a Crimeia, região ucraniana com separatistas russos. A situação de instabilidade na região prosseguiu e hoje é marcado pela invasão russa, que ataca instalações militares na Ucrânia, em uma guerra que já causou dezenas de mortes.
Qual é a lição?
"De que valeu essa garantia tripartite quando a situação se agravou? Qual é a lição disso? É de que nenhum país pode delegar a outros sua defesa nacional", diz Batista Jr., lembrando do fato de a Ucrânia ter devolvido o arsenal nuclear para a Rússia após o memorando.
"E essa lição é relevante para o Brasil, que é um país relativamente desarmado, com defesas deficientes, sem armamento nuclear. O Brasil é o único dos grandes países do mundo que não tem a defesa nuclear. Estados Unidos têm, a Rússia tem, a China tem, a Índia tem", diz o economista, titular da cátedra Celso Furtado na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ele ressalta que o Brasil hoje não tem guerra com outros países. "Nem queremos ter. Mas e o futuro? O Brasil poderá estar no futuro ameaçado? Quando um país pensa na situação, ele não pode pensar no curto e no médio prazo. Tem que ter uma estratégia de longo prazo."
Busca pela pacificação
Autor do livro "O Brasil não cabe no quintal de ninguém", da editora Leya, Batista Jr. conversou com o UOL em 23 de fevereiro, antes da invasão da Rússia à Ucrânia na quinta-feira (24). Na sexta-feira (25), após a mudança de cenário, o contato foi retomado. Para ele, fica difícil defender a posição da Rússia após os ataques.
Ele é filho do diplomata Paulo Nogueira Batista (1929-1994), que ocupou a presidência do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).
"Os países que defendem uma solução pacífica não podem ficar a favor da Rússia", diz, já que ela se colocou na posição de agressora. "O Brasil não pode endossar agressões." O economista diz acreditar que o Brasil, "dentro de suas limitações, deve ajudar a pacificar a situação."
"O Brasil não pode entrar no conflito. Esse é meu ponto", diz Batista Jr.. "E tem que olhar muito bem qual é o interesse nacional da Rússia, o interesse da Ucrânia, dos Estados Unidos, dos europeus, o que está em jogo."
Otan: o problema
Para ele, talvez nada disso teria acontecido se não fosse o movimento de expansão da Otan —que, até o momento, não prestou ajuda à Ucrânia.
"O que a Ucrânia ganhou com isso a não ser se colocar na linha de fogo? Qual era o problema de ficar neutra, fora da Otan? Nem todos os países europeus estão na Otan", diz, citando casos como os de Áustria, Suécia e Finlândia.
Para ele, a crise na Ucrânia ficou difícil de ser resolvida. Uma saída seria evitar a entrada do país na Otan, que é liderada pelos Estados Unidos. "Seria uma derrota política enorme para os Estados Unidos e a Europa dizerem que concordam que a Ucrânia não entre na Otan. É uma dinâmica difícil de resolver."
O economista ainda pontua que tudo está em volta de uma organização que foi criada por causa da Guerra Fria, que acabou com o fim da União Soviética, em 1991, o que fez com que ela perdesse razão de existir por décadas depois. Mas, desde 2014, com a tensão aumentando, isso mudou. "Agora é tarde [para a dissolução da Otan]. Agora é outra situação. Hoje, ela faz sentido, infelizmente."
O Brasil tem uma relação com a Rússia por causa dos BRICS, mas Batista Jr. diz que isso não implica apoio aos russos na questão da Ucrânia.
"Os BRICS nunca tiveram o propósito de ser uma aliança política. É um mecanismo de cooperação para determinados propósitos, sobretudo na área econômica e financeira", diz. "A Rússia compreende perfeitamente isso."
O problema, agora, é a falta de uma solução no horizonte por desconfiança por parte da Rússia e do bloco liderado pelos Estados Unidos. "O ideal seria que houvesse um entendimento tácito de que a Ucrânia não mais pleitearia a integração à Otan nem a Otan aceitaria", diz. "Mas, com o nível de desconfiança que se formou entre a Rússia e o Ocidente, Rússia e Estados Unidos, confiar num entendimento tácito? Nenhum dos lados vai confiar. É uma situação muito complicada."
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