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Saiu por cima: como ficou a 'pior restauradora do mundo' após o Ecce Homo

Cecilia Gimenez ficou conhecida como a "pior restauradora do mundo" pelo Ecce Homo - UOL
Cecilia Gimenez ficou conhecida como a "pior restauradora do mundo" pelo Ecce Homo Imagem: UOL

Do UOL, em São Paulo

17/08/2022 04h00Atualizada em 18/08/2022 13h43

Dez anos atrás, milhares de pessoas participaram da romaria ao santuário espanhol de Nossa Senhora da Misericórdia em Borja e precisaram fazer fila na igreja. O motivo era a chance de fotografar a pintura do Ecce Homo "restaurado", que já tinha dado a volta ao mundo pela internet.

Ali, a imagem já tinha virado "a pior restauração da história". Mas os moradores de Borja passaram a manifestar seu "mais absoluto apoio" à autora da "restauração", Cecilia Giménez.

Na época, ela tinha 81 anos e era tida por todos como uma "pessoa muito boa" que fez a intervenção "com a melhor intenção do mundo". Ela ficou doente por conta do episódio, chorou por dias e disse que recebeu ameaça de processo judicial por "ato de vandalismo".

"Passei muito mal, fiquei doente, senti muito. Fiz tudo com muito carinho e muito amor, como sempre fiz. Tudo bem que não pude terminá-lo, mas não precisavam dizer o que disseram de mim. Apesar disso, estou muito contente por tê-lo feito com carinho e amor", desabafou. "O que queria era que as pessoas soubessem que sei fazer um 'Ecce Homo'. Disseram que era uma pessoa idosa e que não saberia fazer isso, mas fiz porque tenho pintado durante toda a minha vida."

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Por isso, a população local rapidamente tomou as dores da idosa, que —logo viemos a saber— teve uma vida difícil e "não merecia ser atormentada pela repercussão de seu erro involuntário", que deu margem a todo tipo de piada.

Ela perdeu um filho de 20 anos por causa de uma doença muscular rara e hoje vive com o outro que possui uma lesão cerebral.

Vizinhos e amigos ofereceram todo o apoio e carinho à Cecilia, que então ficou mais tranquila depois do rebuliço.

A Associação de Moradores do Santuário de Misericórdia de Borja emitiu um comunicado no qual deu "todo o apoio e reconhecimento" à vizinha e solicitou à Prefeitura "que mantenha a pintura do Ecce Homo no estado atual", levando em conta "o apoio majoritário dos membros e de inúmeros cidadãos que se manifestaram em várias redes sociais".

A Associação escreveu ainda que se sentiria "muito honrada" se, dentro da atividades culturais do órgão, "Cecilia Giménez expusesse sua obra pictórica".

Já o prefeito de Borja, Francisco Miguel Arilla, disse, na época, que a restauração foi feita "com todo o carinho do mundo" em "uma obra pequena e sem valor, que não está nem catalogada".

O "Ecce Homo" foi pintado em um dos muros da igreja no início do século 19 pelo artista Elías García Martínez e, diante do ocorrido, a Prefeitura de Borja precisou isolar a área e contratar um guarda especialmente para vigiar a imagem — como se fosse uma "Mona Lisa", de Da Vinci.

Uma outra vizinha deu entrevista dizendo que Cecilia conseguiu algo inédito, que nem o turismo, nem os encontros dos melhores corais do mundo em novembro, nem a restauração da Colegiata, um famoso conjunto arquitetônico histórico, conseguiu. "Ninguém jamais fez com que a cidade de Borja fosse capa nos jornais de todo o mundo", lembrou.

Sendo assim, os moradores passaram a dedicar um caloroso aplauso a Cecilia, uma pintora apaixonada que, sem dúvida, "se dá melhor com paisagens", reconheceu uma de suas amigas.

Com o tempo, Cecilia Gímenez voltou a tentar ganhar espaço como pintora, fez exposição na cidade e há registros de que ela colocou à venda uma obra de sua própria autoria, o quadro "Las Bodegas de Borja", no eBay.

A pintura retrata uma casa perto da cidade onde ela reside, Borja, na província espanhola de Zaragoza.

Cecilia Giménez também passou a ganhar algum dinheiro com os lucros gerados pela utilização comercial da restauração.

Ela assinou um contrato com a fundação que gere a igreja do Santuário da Misericórdia, o que lhe garante o direito de receber 49% do lucro obtido com venda de lembranças (taças, canecas, camisetas etc) com a imagem. O restante do dinheiro irá para a fundação.

O santuário chegou a receber mais de 40 mil turistas atraídos pela obra, e o município de Borja passou a cobrar um euro pela entrada no local.

Numa primeira leva, foram arrecadados 50 mil euros para uma instituição de caridade da cidade.

"Agora parece que todo mundo está feliz", declarou Cecilia a um jornal local, na época.

Hoje, aos 91 anos, ela vive em uma casa de repouso, com a saúde debilitada. (Com agências internacionais)