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'Para quem não lê notícia': tiktokers mostram rotina na Ucrânia em guerra

Áudios e vídeos que estão em alta são usados para dar mais visibilidade ao impacto da guerra da Ucrânia no dia a dia de quem está lá - Arte/UOL sobre Reprodução
Áudios e vídeos que estão em alta são usados para dar mais visibilidade ao impacto da guerra da Ucrânia no dia a dia de quem está lá Imagem: Arte/UOL sobre Reprodução

Do UOL, em São Paulo

21/04/2023 04h00

Se as publicações no início da guerra da Ucrânia focavam em mostrar imagens ao vivo da destruição nas redes sociais, hoje viralizam conteúdos de tiktokers que usam áudios e vídeos populares para mostrarem sua rotina em meio aos destroços.

É uma forma de atingir quem trocou a mídia tradicional por outras plataformas. "Várias pessoas mais novas que não assistem aos noticiários usam esse aplicativo [TikTok]", diz a influenciadora ucraniana Anna Malygon. Ela e Valeria Sashenok, ambas de 20 anos, têm os perfis mais populares com esta abordagem.

Os posts

Os vídeos mostram as consequências da guerra no cotidiano: imagens de construções bombardeadas, a vida em um abrigo antibombas, o que se faz ao ouvir o som sirenes na cidade, etc.

10 segundos são mais do que suficientes. Para Valeria, a limitação da duração de vídeos no TikTok não é problema. "Com 10 segundos eu consigo compartilhar o que está acontecendo e é fácil", diz. A rede atualmente suporta vídeos de até 10 minutos.

A decisão se baseia em seus próprios hábitos de consumo na rede. "Enquanto espectadora, não gosto de vídeos longos, só se for muito interessante, mas geralmente eu vejo 15 segundos e isso basta", conta Valeria.

Áudios virais e tendências. Músicas e dublagens usadas em perfis de diferentes nichos estão no repertório, além de sequências de imagens com legendas irônicas. Uma delas é a trend que usa Che La Luna como trilha sonora:

O começo

O primeiro post de Valeria Sashenok sobre o conflito é de 24 de fevereiro de 2022, o dia da invasão. "Quando ontem eu gastei todo o dinheiro em uma câmera nova e hoje Putin decidiu começar uma guerra na Ucrânia" (em tradução-livre do russo), diz o vídeo.

Eu não tinha um plano tipo: 'ok, amanhã eu vou postar sobre isso'. Não. Aconteceu de uma forma natural e, quando aconteceu, eu vi que as pessoas estavam muito interessadas nisso. Aí eu vi a oportunidade de mostrar como as pessoas sofrem na Ucrânia."
Valeria Sashenok ao UOL, em tradução-livre do inglês

Anna passou a postar após ida ao país. A ideia veio de um choque ao visitar os pais na Ucrânia em janeiro de 2023. Ela já postava conteúdos de moda e lifestyle em seu perfil antes da guerra.

O tiktoker falando de guerra e o de lifestyle usam a mesma estratégia. O segundo já talvez tenha hackeado as técnicas de chegar na 'For You' (setor de vídeos recomendados no TikTok) e ensinam outros nichos".
Issaaf Karhawi, pesquisadora do COM+ da ECA-USP, ao UOL

Quem são as tiktokers?

Valeria Sashenok acumula 1,3 milhões de seguidores e 52,7 milhões de curtidas. Em um único vídeo, a influenciadora alcançou 43,8 milhões de visualizações.

Anna Malygon tem 973,4 mil seguidores e um total de 49,2 milhões de curtidas. Seu vídeo mais famoso atingiu, sozinho, 56,8 milhões de visualizações.

O que elas querem

Conscientização. "Quero divulgar e conscientizar qual é a realidade da guerra, do ponto de vista de uma pessoa real e não dos noticiários e canais de TV", diz Anna. "Eu tento mostrar isso [a realidade da Ucrânia] na minha página, essa é a minha ação pelo meu país", diz Valeria.

Ação internacional. Valeria perdeu o irmão de 18 anos na guerra. O que ela quer são doações. E armas. Ela conta que recebe mensagens de pessoas que se emocionam com seus vídeos e que fazem doações para sua conta ou que vão até a Ucrânia para fazer trabalho voluntário. "Conheço pessoas que viajaram da Espanha, da Austrália para a Ucrânia só com a intenção de ajudar o meu país", afirma.

O que eu queria eram armas do governo ou de outros governos, de todo lugar, dos Estados Unidos, de outros países europeus. Para nós isso seria o bastante, só ter armas".
Valeria Sashenok ao UOL, em tradução-livre do inglês

Por que o TikTok?

TikTok é visto como meio de mostrar a realidade sem filtro. "Ele [TikTok] só tenta estar na moda e mostrar de uma forma mais real a situação no país ou na cidade, enquanto o Instagram não", explica Valeria Sashenok. Para Anna, o TikTok é a plataforma "mais poderosa da atualidade".

Valeria destaca a importância de rebater informações falsas divulgadas pelo governo russo: "Infelizmente, mesmo no século 21, a maioria das pessoas na federação russa simplesmente, não sei, f*** com essa vida e não querem perceber o grande problema do meu país."

A guerra nas redes

O bombardeio de informações de pessoas com opiniões diferentes nas redes sociais gera uma disputa de narrativas, que, às vezes, pode ser tão importante quanto a própria disputa militar, diz Fabrício Pontin, professor de Direito e Relações Internacionais na Universidade LaSalle, em Canoas (RS).

Ganha essa guerra quem conseguir ganhar a empatia e o apoio daqueles que não estão envolvidos diretamente no conflito, afirma Pontin.

Como está a guerra agora

A guerra da Ucrânia completou um ano em 2023. O último levantamento era de 210 mil mortos —do total, 30 mil civis. O conflito ainda não parece não ter data para acabar.

"Não é uma pequena guerra em um país distante. Agora eu estou na Inglaterra e apesar de distante, fisicamente distante da Ucrânia, é só no mapa, infelizmente", conclui Valeria Sashenok, que garante: "Você não precisa ir para a Ucrânia para entender o que está acontecendo".