Piratas do Mar Vermelho: por que milícia antiamericana está atacando navios
Do UOL, em São Paulo*
19/12/2023 04h00Atualizada em 19/12/2023 13h09
Nos últimos dias, pelo menos quatro importantes empresas de transporte naval suspenderam suas rotas pelo Mar Vermelho, temendo ataques da milícia houthi, que governa parte do Iêmen. Recentemente, várias embarcações, de diferentes bandeiras, foram atacadas na região, sobretudo por drones.
Importante rota para o comércio mundial, é pelo Mar Vermelho que navegam cargueiros a caminho Golfo de Aden e do Canal de Suez, que liga os mercados da Ásia e da Europa sem a necessidade de contornar a África.
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Por que as milícias houthis estão atacando navios?
A milícia houthi, sediada no Iêmen, intensificou os ataques a cargueiros no Mar Vermelho. É um gesto de apoio ao grupo radical islâmico Hamas no atual conflito contra Israel.
República Islâmica do Irã e Israel são inimigos ferrenhos. Eles representam uma ameaça existencial mútua, competem pela hegemonia regional e mantêm uma guerra encoberta com ataques cibernéticos, assassinatos e sabotagens.
O Irã lidera o chamado Eixo da Resistência. O grupo é uma espécie de aliança informal composta pela Síria, pelo grupo xiita libanês Hezbollah, por facções palestinas, por milícias iraquianas e pelos rebeldes houthis do Iêmen, entre outros.
A guerra civil no Iêmen começou em 2014. A capital Sana foi tomada pelos rebeldes houthis, apoiados pelo Irã.
Arábia Saudita x houthis. Desde 2015, uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, aliada do governo internacionalmente reconhecido do Iêmen, combate os houthis, temendo um conflito em seu território. Como parte dessa tensão, navios eram atacados esporadicamente na região, onde também atuam piratas da Somália.
Preocupação mundial. Com o início do atual conflito entre Israel e o Hamas, os ataques a cargueiros aumentaram de forma exponencial.
Os rebeldes houthis declararam "solidariedade" ao Hamas e atacaram com drones e mísseis. Eles são lançados a partir do sul da Península Arábica, a cidade de Eilat, no sul de Israel. Também passaram a bombardear navios no Mar Vermelho, que banha parte da costa do Iêmen.
Os ataques enquadram-se na retórica antissemita e antiamericana dos houthis. O grupo tem esperança de obter um reconhecimento mais amplo como parte do Eixo de Resistência liderado pelo Irã.
A milícia apresenta-se como vítima de uma conspiração entre Israel, os EUA e a Arábia Saudita. Isso os deixa popular junto a parte da população iemenita.
Quais navios são alvos?
A milícia houthi têm como alvo todos os navios que acreditam estar a caminho ou vindo de Israel. Os únicos cargueiros com passagem livre no Mar Vermelho são os com carga de ajuda humanitária à Faixa de Gaza.
Todos os outros são "alvos legítimos das nossas forças armadas", afirmou o grupo num comunicado.
Os rebeldes houthis têm um arsenal significativo de armas, além de drones e mísseis antinavio - até um helicóptero já foi usado para sequestrar um navio israelense.
Na sexta-feira, dois navios cargueiros do Iêmen foram atacados e incendiados. Entre eles está o "Al Jasrah", operado pela companhia marítima alemã Hapag Lloyd.
Qual a importância do Mar Vermelho?
Ao norte do Mar Vermelho fica o Canal de Suez e, ao sul, o Estreito de Bab al-Mandab, que leva ao Golfo de Aden.
É uma rota marítima movimentada, onde os navios transitam rumo ao Canal de Suez para transportar mercadorias entre a Ásia e a Europa.
Cerca de 10% do comércio mundial flui através do Canal de Suez. Uma grande parte do abastecimento energético da Europa provém do Mar Vermelho, além de alimentos como óleo de palma e grãos, bem como todos os tipos de produtos entregues em navios porta-contêineres.
Em 2021, um navio encalhado no Canal de Suez causou transtornos em todo o mundo durante vários dias, ao bloquear a passagem de outros cargueiros.
Como os ataques afetam o comércio?
Devido à escalda nos ataques, pelo menos quatro companhias marítimas - Mediterranean Shipping Company (MSC), CMA CGM, Hapag-Lloyd e Maersk - anunciaram nos últimos dois dias que suspenderiam temporariamente suas viagens pelo Mar Vermelho.
Alguns navios ligados a Israel mudaram suas rotas para um trajeto mais longo, contornando a África e passando pelo Cabo da Boa Esperança. Segundo especialistas, isso prolonga a viagem em até 31 dias, dependendo da velocidade - o que significa maiores custos e atrasos nas entregas.
A consequência imediata mais clara dos ataques, porém, foi um aumento nos custos de seguros: de acordo com a Lloyd's List Intelligence, os preços desses serviços dobraram para navios que viajam no Mar Vermelho - para companhias marítimas israelenses, o aumento chega a 250%.
Os transportadores também estão cobrando de seus clientes uma "sobretaxa de risco de guerra". No entanto, não se espera, por enquanto, que isso se reflita nos preços ao consumidor.
Apesar do arsenal da milícia houthi, especialistas consideram que ela não tem navios de guerra suficientes para bloquear completamente o Mar Vermelho e impor uma barreira. Navios de combate dos Estados Unidos, França e outros países também patrulham a área e mantêm a hidrovia aberta.
Nas últimas semanas, vários mísseis e drones foram abatidos por navios de guerra americanos, franceses e britânicos que patrulhavam a área.
Como a política internacional está reagindo aos ataques?
A União Europeia (UE) afirmou que os numerosos ataques ameaçam o transporte marítimo internacional e a segurança marítima e constituem uma grave violação do direito internacional.
A Ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, exigiu que "os ataques houthis a navios mercantes civis no Mar Vermelho parem imediatamente". Segundo ela, esses ataques mostram "que a ameaça à segurança de Israel não vem apenas do Hamas em Gaza, mas também dos houthis".
O Pentágono informou que o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, quer visitar o Bahrein para "formar coalizões multilaterais", em um esforço para "responder à agressão marítima que ameaça o transporte e a economia global".
O Irã alertou que a proposta dos Estados Unidos poderá não ser bem recebida.
"Se executarem uma medida tão irracional, enfrentarão problemas extraordinários", disse o ministro da Defesa iraniano, Mohammad Reza Ashtiani.
O secretário de Defesa britânico, Grant Shapps, também alertou que os ataques a navios mercantes na região representam uma ameaça direta ao comércio internacional e à segurança marítima.
*Com informações da DW, Lusa e EFE