Equador aposta em prisões para estancar crise, mas eficiência é questionada
O presidente do Equador, Daniel Noboa, anunciou uma série de medidas com o objetivo de estancar a onda de violência que atinge o país nos últimos dias. Mas a eficiência das ações tem sido questionada por pessoas que pesquisam e atuam no sistema prisional.
O que aconteceu
O governo de Noboa anunciou a construção de novos presídios nas províncias de Santa Elena, no litoral, e Pastaza, na fronteira com o Peru. "O governo não pode apenas canalizar as atenções em anunciar obras públicas, sem fazer com que elas funcionem", afirma Gonzalo Albán Molestina, consultor do Observatório de Políticas Públicas de Guayaquil.
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Presídios precisam ter administração compartilhada entre órgãos, segundo consultor. Para Molestina, as novas unidades devem estar subordinadas a diferentes instituições, como a Polícia Nacional e a Secretaria de Direitos Humanos do Equador. Na opinião dele, o governo precisa incluir na reforma penitenciária políticas de trabalho para egressos do sistema prisional.
Deportação de presos estrangeiros não será imediata. Além de esbarrar na cooperação com governos de outros países, a saída de presos de outras nacionalidades deve levar tempo. "Há uma boa intenção, mas a Colômbia —país de origem da maior parte dos detentos não-equatorianos— tem de analisar caso a caso", afirma Gonzalo Molestina. "O trâmite do processo de deportação é individual, isso significa que vai levar mais tempo do que se imagina."
Medidas querem "estancar" crise, mas têm caráter político. Segundo a professora da Universidade Ecotec do Equador, Nashira Chávez, as ações são imediatistas. "Estão adotando medidas de curto prazo para amenizar o caos, mas que não resolvem a raiz do problema", afirma. "Falar apenas em medidas punitivas em um momento em que a população está amedrontada deve ser utilizado como vantagem política."
Apesar das críticas, o consultor do Observatório de Políticas Públicas de Guayaquil, diz que os anúncios recentes do governo são positivos. "Isso vai gerar uma reação no Estado para desenhar políticas públicas.", afirma Molestina. Para ele, o estado de exceção decretado por Noboa é necessário tendo em vista a onda de violência armada. "Permite chegar a setores criminais onde antes não se chegava, mas é preciso estar vigilante para a violação de direitos", alerta.
O que as medidas do governo não incluem
Comunicação nas prisões ocorre com facilidade. Especialistas afirmam que a comunicação por meio de aparelhos celulares nas unidades prisionais ocorre com frequência. Para Molestina, a comunicação dentro e fora dos muros precisa ser interrompida.
Recrutamento de jovens por organizações criminosas. A integrante do coletivo Mulheres de Frente, Andrea Aguirre Salas, afirma que há uma exposição massiva de jovens. "Há uma responsabilização de jovens negros como responsáveis pela violência, o que encobre as elites estatais e empresariais, com o intuito de incentivar projetos de redução a idade penal", conta ela, que começou a fazer parte do grupo na prisão de mulheres na capital, Quito, e hoje atua em uma escola de formação política na Penitenciária Regional de Cotopaxi. "Muitos que aparecem como delinquentes são infratores comuns não vinculados ao crime organizado."
Corrupção incrustada em instituições públicas. Gonzalo Molestina defende a realização de mais investigações que apurem conexões entre o poder público e o narcotráfico. Ele cita como exemplo a operação Metástase —que prendeu juízes, procuradores e policiais, em dezembro passado.
Modernização e capacitação das polícias. Segundo o consultor em políticas de segurança, o governo deve investir em novos equipamentos para agentes de segurança, na capacitação das polícias e em serviços de inteligência para investigar crimes de lavagem de dinheiro e crescimento de patrimônios.
Não há um sistema integrado de inteligência que cruze informações entre as instituições e compartilhe dados com países vizinhos. Não se pode fazer só programas de perseguição, é preciso fortalecer sistemas de inteligência, promover reformas em todas as instâncias.
Nashira Chávez, professora da Universidade Ecotec
'Cemitérios vivos' governados pelo crime
Organizações criminosas controlam a população carcerária. Nos últimos anos, muitos presídios do país deixaram de dividir a população prisional por periculosidade. Segundo Nashira, essa mudança impulsionou o aumento da violência dentro das unidades. Nesse contexto, as organizações passam a controlar a população carcerária. "As prisões se tornaram centros de recrutamento e controle de atividades ilícitas", diz.
Relações entre criminosos e agentes estatais. Líderes das principais facções criminosas locais, como Adolfo Macías (Los Choneros) e Fabrício Colón Pico (Los Lobos), costumam estabelecer vínculos com agentes penitenciários para obter benefícios. "Há uma corrupção sistêmica nas instituições. Há uma política de 'nós contra eles', enquanto, na verdade, alguns atores estatais têm apoiado o crime", destaca Nashira.
"Um inferno para sobreviver". A pesquisadora em prisões e especialista em prevenção de crime organizado no Equador, Michelle Maffei afirma que das 35 cadeias ativas no país, 21 estão superlotadas. Segundo ela, existe um agente penitenciário para cada 27 detentos. Na opinião dela, Adolfo Macías passou a cooperar com a Polícia Nacional para ter benefícios na Penitenciária Regional de Guayaquil.
Faltam informações sobre organizações criminosas. Apesar de o governo ter divulgado que existem 22 facções atuando no país, não há um mapeamento sobre como os grupos se dividem nos presídios. "As principais gangues estão nos presídios do litoral", afirma Michelle. "Mas, na prisão de segurança máxima, La Roca, há menos informações ainda."
O cárcere é um ecossistema de criminalidade onde as pessoas privadas de liberdade saem mais violentas do que entraram.
Michelle Maffei, especialista em prevenção de crime organizado
'Quem gera terror é o Estado'
Os últimos dias têm sido de terror dentro das prisões. Segundo a integrante do Coletivo Mulheres de Frente, Andrea Aguirre Salas, familiares de detentos estão aterrorizados com a onda de violência e os efeitos das medidas anunciadas pelo governo.
"O governo normalizou estados de exceção", diz Andrea. Fora das prisões, em bairros costeiros e da região de Guayaquil, como Esmeralda, também vivem um clima de terror com ações policiais. "A guerra e o caos não são uma produção de populações empobrecidas, trata-se de uma política de estado com uma perspectiva racista."
Medidas anunciadas pelo governo tratam toda a população carcerária como terrorista, segundo ela. "É preciso investigar o vínculo entre líderes importantes do governo com o crime organizado."
Há um nível de sofrimento dessas mulheres quem têm filhos e companheiros nas prisões inenarrável por não poder proteger seus familiares. Elas se sentem impotentes.
Andrea Aguirre Salas, integrante do Coletivo Mulheres de Frente