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Moradores se trancam em casa em província do Equador para fugir de gangues

População de Esmeraldas vive com medo e sob o terror praticado por gangues locais Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

17/01/2024 04h00Atualizada em 17/01/2024 11h54

Moradores da província de Esmeraldas, ao norte do Equador, relatam que as sete cidades da região se tornaram uma 'prisão' para quem vive no território e tenta escapar das gangues criminosas locais. Nos últimos dias, muitos deixaram suas casas após sofrerem extorsões e terem familiares ameaçados.

Sob controle do crime

Moradores da região, localizada na costa do país, relataram ao UOL que sofrem ameaças, preferem não levar filhos às escolas e temem usar redes sociais. Segundo a funcionária pública Mirabel (nome fictício utilizado a pedido da entrevistada), a maioria da população de Esmeraldas já sofreu extorsões — uma das formas que as facções criminosas locais utilizam para lucrar e instaurar o terror. O último Censo informa que Esmeralda tem 553.900 moradores. A denominação de província no país equivale a um estado no Brasil.

Membros de gangues e facções estão infiltrados no poder público, empresas e hospitais. "Comerciantes pagam taxas para trabalhar e médicos pagam cotas para atender nos hospitais. Profissionais de algumas áreas mais complexas já deixaram o país." É o caso de profissionais de saúde.

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Gangues usam redes sociais para ameaças. Mirabel afirma que familiares, amigos e conhecidos abandonaram as redes sociais e aplicativos de conversas online. Por meio dessas plataformas, os grupos criminais acessam fotos e informações para fazer ameaças. "Pessoas próximas a mim foram ameaçadas com panfletos contendo fotos de familiares", diz ela.

Na província atuem diferentes grupos do crime organizado. As principais facções que disputam a região são Los Lobos, Tiguerones e Gangsters. "Todos fazem extorsões, os grupos menores extorquem comerciantes ambulantes e os maiores, instituições públicas ou privadas", afirma Mirabel, que também é cientista política.

Comércio, turismo e educação sofrem impactos do clima de terror. Oficialmente, o governo estabeleceu um toque de recolher entre 21h e 5h. No entanto, moradores relatam que a partir das 14h o comércio já fecha as portas. Outros dizem que as portas se fecham a partir das 12h e que às 17h já não se vê movimento no centro.

O Porto Pesqueiro Artesanal foi tomado por gangues e facções. Desde abril do ano passado, quando nove pescadores e comerciantes foram mortos no local, houve uma redução das atividades.

Aulas virtuais em instituições de ensino. Dulce (nome fictício), funcionária de uma universidade privada de Esmeraldas, afirma que muitos professores pediram para mudar de província. Segundo ela, as aulas ocorrem apenas virtualmente.

Esmeralda se transformou em um 'santuário' para esses grupos terroristas. Uma região complexa para as forças de ordem retomarem o controle em termos de segurança.
Mirabel, cientista política e moradora de Esmeraldas

Bairro 50 Casas, em Esmeraldas, é conhecido pela forte presença de gangues Imagem: Reprodução

'Prisão para quem ficou, exílio para quem saiu'

O crime tem imposto "um exílio" a alguns cidadãos. Segundo Mirabel, muitos moradores se viram obrigados a deixa a província após terem sido alvo de extorsões. "Não podemos levar nossos filhos à escola porque não sabemos se membros das gangues vão gravar imagens das crianças para praticar extorsões. Quando usamos as redes sociais, precisamos de pseudônimos."

Ameaças contra Mirabel e sua família ocorreram entre agosto e dezembro do ano passado. "Não estou em Esmeraldas porque tive que deixar o país. Vivi uma situação de pânico quando me mandaram mensagens com ameaças contra a minha família", diz ela.

Mortes dentro do governo. No dia 14 de novembro o funcionário da prefeitura de Esmeralda Raúl Quintero Avoví, 43, foi morto baleado quando saía de casa entre as cidades de Quito e Calderão. No dia 10, o segundo comandante do Corpo de Bombeiros de Viche, cidade de Esmeraldas, também foi baleado. A morte teria relação com ameaças feitas à corporação meses antes.

Trabalho virtual por falta de segurança. Neste período, a prefeitura de Esmeralda passou a adotar o trabalho remoto. "De 15 em 15 dias, mandavam mensagens com ameaças de morte, faziam atentados contra equipamentos públicos, incendiaram caminhonetes. Tudo durante as madrugadas", diz a servidora pública.

É um momento de desolação total, me senti totalmente impotente. Nada pode descrever o sentimento [de sofrer ameaças de gangues]. Caiu minha pressão, é um mal-estar físico, minha pele ficou pálida. Tive que mudar tudo. Os grupos terroristas transformaram Esmeralda num exílio.
Mirabel, cientista política e moradora de Esmeraldas

'Fechamos as portas e perdemos US$ 25 mil'

Dulce tenta reconstruir a vida após dez dias fora da província. Segundo ela, a família trabalha no setor de comércio há quatro décadas. O início da tentativa de extorsão ocorreu por um aplicativo de mensagens. "O primeiro contato foi por WhatsApp, pensamos que eram mensagens de clientes."

A organização criminosa exigiu US$ 30 mil dólares pelo funcionamento da loja e pela segurança da família. No dia 24 de dezembro, um homem entrou na loja de roupas e calçados de sua família sem se identificar e deixou um panfleto. "Com a movimentação do fim do ano, não percebemos que era uma ameaça", conta. Só depois vieram os telefonemas com as cobranças.

"Primeiro fechamos a loja, depois fomos à polícia", afirma. A polícia interceptou celulares da família e dos funcionários do estabelecimento. Instruídos pelos investigadores, a família de Dulce não atendeu as ligações, apenas na presença da polícia.

A família arcou com os gastos de uma viagem de última hora e com o prejuízo dos dias em que a loja ficou fechada. "Foram ao menos nove dias fechados com um prejuízo de US$ 25 mil e corte de funcionários. Hoje estamos vendendo a loja porque não conseguimos arcar com o gasto."

Dulce voltou a Esmeralda no dia 2 de janeiro e desde então vive dias de ansiedade. "Sofremos pequenos furtos, já vi um assassinato próximo de onde estamos trabalhando", diz.

Vivemos o medo, a incerteza sobre o resultado das ações do governo. Escutamos toda hora as patrulhas das forças policiais, o que gera ansiedade. Vemos militares a cada esquina em operações nas ruas com vias de acesso fechadas.
Dulce, licenciada em Comércio Exterior e moradora de Esmeralda

Na mira de cartéis, máfias e facções

Esmeraldas está dividida em sete cidades. Além da capital [Esmeraldas, mesmo nome da província], há regiões apontadas como de maior interesse pelos grupos criminosos, como San Lorenzo, Rio Verde e Eloy Alfaro (Valdéz). Existem também regiões periféricas como Guacharacas e 50 Casas onde os conflitos são mais intensos.

Facções controlam cemitérios. Segundo moradores, gangues criminosas tem integrantes infiltrados em cemitérios — onde enterram corpos após os assassinatos.

Forças do governo tentam combater a presença das organizações. "O governo nacional tem um desafio gigantesco. Nesse momento, há uma maior presença militar para reduzir as atividades ilícitas. É a primeira vez na república democrática do país que acontece isso, esperamos que Esmeralda seja prioridade porque não podemos sequer denunciar. Se tentamos, as consequências podem ser piores."

O UOL entrou em contato com o governo da província de Esmeraldas. Não houve retorno até a publicação da reportagem.

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