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Escotilha aberta em tempestade: quem pode ser preso por mortes em iate?

Colaboração para o UOL*

26/08/2024 12h04

O capitão do iate de luxo que afundou na costa da Sicília na segunda-feira passada (19) está sob investigação. Ele pode ser responsabilizado pela morte do magnata britânico de tecnologia Mike Lynch e outras seis pessoas, informou uma fonte judicial do caso à agência Reuters nesta segunda (26).

O que aconteceu

Capitão é investigado por homicídio culposo. O neozelandês James Cutfield, de 51 anos, é investigado por homicídio culposo — quando não há a intenção de matar— por negligência, afirmou a fonte, confirmando relatos anteriores da imprensa italiana. A decisão foi tomada após o capitão ser interrogado duas vezes pelas autoridades. Ao jornal italiano La Reppublica, Cutfield afirmou que não viu a chegada da tempestade.

Ser colocado sob investigação não significa que Cutfield será acusado pelas mortes formalmente. No entanto, todos os investigados precisam ser notificados pelas autoridades antes que autópsias nos corpos das vítimas sejam realizadas, ainda segundo a Reuters. Ainda não há informações se outros membros da tripulação ou envolvidos no caso serão investigados junto com o capitão.

Bayesian Imagem: Reprodução/Breed Media/SuperYacht Times

Promotor disse que apuração ainda não tem ninguém como "alvo específico". Em entrevista coletiva neste sábado (24), o promotor Ambrogio Cartosio afirmou que a investigação está em seus trabalhos iniciais e as autoridades italianas apuram nesse momento uma "hipótese de crime".

Iate transportava 22 pessoas. O Bayesian, um superiate de bandeira britânica com 56 metros de comprimento, transportava 22 pessoas quando virou e afundou minutos depois de ser atingido por uma tempestade antes do amanhecer, quando estava ancorado no norte da Sicília. Quinze pessoas sobreviveram, incluindo a esposa de Lynch, cuja empresa era proprietária do Bayesian.

É possível ter havido negligência?

Mesmo com tempestade, negligência pode ter tido papel na tragedia. Embora o iate tenha sido atingido por um evento meteorológico repentino, é possível que tenha havido negligência na condução da embarcação, o que levaria os responsáveis a serem acusados por homicídios culposos múltiplos, anunciou Cartosio no sábado (24). A legislação marítima italiana confere ao capitão total responsabilidade pelo navio, pela tripulação e pelos passageiros a bordo.

Escotilha aberta teria acelerado ajudado naufrágio. De acordo com o britânico The Guardian, especialistas que estudam o naufrágio ficaram perplexos como o iate afundou em apenas 60 segundos. Investigadores suspeitariam que a tripulação tivesse subestimado a gravidade da tempestade que se aproximava e, por isso, deixaram a escotilha aberta. O descuido e a força das ondas levaram a embarcação a virar e se encher de água rapidamente, afundando no mar.

Mergulhadores durante a operação de busca aos desaparecidos do naufrágio do megaiate Bayesian perto da costa da Sicília, na quarta (21) Imagem: Guglielmo Mangiapane/Reuters

Ideia de que o iate desapareceu em apenas alguns segundos "é um absurdo". Foi o que Giovanni Costantino, diretor executivo da empresa Perini Navi, que fabricou o iate, disse ao jornal italiano Corriere della Sera. Ele acredita que o naufrágio tenha durado seis minutos — entre o momento em que a água entrou na embarcação até o momento em que afundou— e que os passageiros deveriam ter sido conduzidos ao procedimento de emergência imediatamente.

Vítimas poderiam ter ficado presas devido a "portas altas demais". "Bastou uma inclinação de 40º e as portas da cabine se tornaram altas demais para os que estavam dentro", deixando as vítimas presas, imagina Costantino.

O Bayesian por dentro Imagem: Reprodução/SuperYacht Times

Conflitos de relatos sobre estado do iate. Segundo a BBC, o iate construído em 2008 foi reformado pela última vez em 2020. Karten Borner, capitão de outro iate ancorado próximo ao local da tempestade, disse ao Corriere que viu o mastro do Bayesian "dobrar e então quebrar". Já Marco Tilotta, da unidade de mergulhadores do Corpo de Bombeiros de Palermo, relatou à AFP que o iate estava deitado de lado e inteiro — a investigação deve determinar o que houve com a embarcação.

O acidente

Iate começou a afundar pela parte traseira. Integrante da equipe que fez o resgate dos corpos na embarcação, o chefe do Corpo de Bombeiros de Palermo, Bentivoglio Fiandra, disse que o iate de luxo começou a afundar pela popa e depois tombou para o lado direito.

No 4º dia de buscas, equipes de resgate retiraram corpo do bilionário Mike Lynch de iate que afundou na Itália Imagem: Louiza Vradi/Reuters

Passageiros ficaram presos do lado esquerdo do iate em busca de ar. Segundo Fiandra, cinco corpos foram encontrados na primeira cabine do lado esquerdo da embarcação, incluindo o do bilionário britânico Mike Lynch. O último corpo encontrado foi o de Hannah Lynch, filha do magnata. Ela estava na terceira cabine lateral do iate, segundo o Corpo de Bombeiros.

Promotoria investiga de passageiros estavam dormindo no momento do naufrágio. De acordo com os investigadores, esse pode ter sido o motivo para que a tripulação da embarcação tenha conseguido se salvar, mas parte dos passageiros não — o iate começou a afundar durante a manhã do dia 19.

Quem eram as vítimas?

O chef foi a primeira morte confirmada, ainda no dia 19. Recaldo Thomas era canadense e foi localizado no mesmo dia do naufrágio. Seus pais nasceram em Antígua e Barbuda, no Caribe, onde Thomas vivia até então. "Posso falar por todos que o conheciam: ele era um ser humano muito amado, gentil e com um espírito calmo", disse um amigo do chef em entrevista à BBC.

Bilionário era conhecido como o Bill Gates do Reino Unido. Mike Lynch, que morreu no naufrágio, era um empresário do ramo da tecnologia e tinha uma fortuna avaliada em 500 milhões de libras (aproximadamente R$ 3,6 bilhões, pela cotação atual), de acordo com a última "Lista dos Ricos" do jornal britânico Sunday Times.

Mike Lynch Imagem: Henry Nicholls/Reuters

Foi acusado de fraude, mas acabou inocentado em julgamento. As acusações eram relacionadas à venda de sua empresa de software, a Autonomy, para a Hewlett-Packard por US$ 11 bilhões — cerca de R$ 60 bilhões, em valores atuais—, em 2011. Lynch sempre negou qualquer irregularidade e culpou a HP por ter errado na integração das duas empresas. Em junho deste ano, um júri o inocentou.

Viagem de iate era uma comemoração pela absolvição. Segundo uma fonte próxima a Lynch, o bilionário organizou o passeio para celebrar a decisão da Justiça americana com amigos, funcionários e advogados. Hannah Lynch, sua filha, também estava na embarcação.

Jonathan e Judy Bloomer Imagem: Divulgação/Hiscox Group e Eve Appeal

Jonathan Bloomer era CEO do Morgan Stanley International há quase oito anos. Ele comandou várias organizações de serviços financeiros ao longo de sua carreira, tendo assumido o cargo em novembro de 2016, segundo informações de sua página no LinkedIn. Também era presidente da seguradora Hiscox, que tem ações listadas na Bolsa de Valores de Londres.

Foi testemunha de Lynch no julgamento sobre fraude nos EUA. Ao defender Mike Lynch, Bloomer disse ao júri que o bilionário "não estava particularmente interessado na parte financeira" do negócio com a Hewlett-Packard e preferia se concentrar em estratégia e produtos. Também explicou que parte da contabilidade sinalizada como suspeita nos EUA era aceitável de acordo com as regras do Reino Unido.

Esposa foi diretora da incorporadora Change Real Estate. Judy Bloomer, que também estava no iate, foi descrita como uma "defensora brilhante da saúde feminina" por uma instituição de caridade com a qual trabalhou, de acordo com a BBC.

Christopher e Neda Morvillo Imagem: Divulgação/Clifford Chance e Reprodução/Facebook

Chris Morvillo era advogado criminal renomado e sócio da Clifford Chance. De 1999 a 2005, ele atuou como procurador assistente para o distrito sul de Nova York, nos EUA, onde trabalhou em casos de fraudes na área de saúde, lavagem de dinheiro e terrorismo. Também ajudou na investigação criminal decorrente dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 no World Trade Center e no Pentágono.

Representou Mike Lynch no julgamento. Há dois meses, em publicação no LinkedIn, Morvillo comemorou a absolvição de seu cliente, citando nominalmente todos os profissionais que fizeram parte do processo. O advogado ainda agradeceu à esposa, Neda Morvillo, e às filhas Sabrina e Sophia. "Nada disso teria sido possível sem o amor e apoio de vocês", escreveu.

Sua esposa Neda, que também estava no iate, era designer de joias. Segundo o site oficial de sua marca, Neda Nassiri, ela tinha "mais de 20 anos de experiência na criação de joias finas em Nova York" e trabalhava principalmente com ouro 22 quilates e prata pura (925). Todas as joias expostas na página "foram criadas à mão por Neda".

*Com informações das agências AFP e Reuters

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