'Tenho poderes dados pelo povo', diz Maduro após posse em meio a acusações
O ditador Nicolás Maduro afirmou na tarde desta sexta-feira (10) "ter poderes dados pelo povo para enfrentar todas as circunstâncias presentes e futuras". A fala ocorreu após ele tomar posse como presidente da Venezuela para o terceiro mandato consecutivo, em meio a desconfiança sobre a vitória eleitoral.
O que aconteceu
Maduro declarou ser "presidente constitucional" da Venezuela e disse não estar no cargo "como um covarde e entregue aos interesses imperiais". "Não acato ordens do imperialismo. Sou Nicolás Maduro Moros, homem do povo e dos bairros. Presidente constitucional, ratificado, juramentado, e comandante das Forças Armadas", afirmou durante o ato de reconhecimento e afirmação de lealdade de Maduro. O evento foi transmitido pelo VTV Canal 8, do país.
Evento contou com juramentos das Forças Armadas, do povo e das polícias. Ele ainda ressaltou ser um "comandante-chefe constitucional orgulhoso dos militares da Venezuela". O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, estava no evento.
Maduro chamou os apoiadores para a frente do palco e guiou um juramento. Durante a fala, o ditador relembrou que na quinta-feira (9) "milhões de homens e mulheres" saíram nas ruas do país para apoiar a sua posse. Ele não citou que no mesmo dia, opositores também se manifestaram contra a sua posse, reivindicaram a vitória de Edmundo González Urrutia e denunciaram a prisão —e posterior soltura— da líder opositora María Corina Machado.
"Juro que seguiremos vencendo o imperialismo norte-americano. Juro que seguiremos derrotando o fascismo de oligarquia e juro que defenderei o direito da pátria e do seu povo. A paz, ao futuro, prosperidade e máxima felicidade social, assim, juramos", disse Maduro, com as frases repetidas pelos apoiadores. "Felicito o povo da Venezuela por esse juramento histórico e esse ato histórico e especial", concluiu.
Governo Lula enviou sua embaixadora em Caracas, Gilvania de Oliveira, para a cerimônia. O governo mexicano também havia afirmado que iria enviar um representante.
Governo chavista não divulgou as atas de votação até hoje. Em 2023, o governo Maduro se comprometeu a realizar eleições transparentes com a assinatura do Acordo de Barbados. Após o processo eleitoral, porém, esses dados oficiais nunca foram compartilhados.
Maduro fica no poder até 10 de janeiro de 2031. O ditador está há quase 12 anos na presidência e seu governo ficou marcado por uma profunda crise econômica e social.
EUA diz que novo mandato de Maduro é "farsa" e diz que vai impôr novas sanções. Horas antes da posse, a Venezuela fechou sua fronteira com a Colômbia, denunciando uma "conspiração internacional". Maduro assume em meio a protestos da oposição e contestação de países do Ocidente, que acusam o governo de fraudar as eleições.
Dúvidas sobre processo eleitoral
Resultado duvidoso das urnas causou mobilização nacional, com mortos e presos. Falta de atas e de integridade eleitoral são apontados por especialistas como alguns dos motivos que ainda geram questionamentos sobre a posse tanto tempo após a ida às urnas.
O governo disse que não divulgaria as atas e entregou um documento ao Conselho Nacional Eleitoral dizendo que aquilo ali valeria como resultado. Eles fizeram uma maquiagem política. As atas nunca foram divulgadas.
Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, ao UOL
O Conselho Eleitoral da Venezuela não divulgou as atas originais e deu a vitória a Maduro. Quem tem o controle do aparato estatal é Maduro. Então a gente não tem documentos suficientes para comprovar nem a vitória e nem que houve fraude. Ele simplesmente enterrou o processo, botou uma pedra em cima, foi declarado presidente, fim de papo.
Flavia Loss de Araújo, professora de Relações Internacionais da FESPSP, ao UOL
Violação do acordo de Barbados faz a população venezuelana viver "processo de esgotamento" e "terror político", explica professor. Para Roberto Uebel, da ESPM, um dos motivos para a convulsão do país em julho de 2024 foi a crença geral de que as eleições seriam limpas, o que não aconteceu. "A população se sentiu traída, já que Maduro não cumpriu com este contrato social", afirmou.
Oposição usa levantamento paralelo feito por delegados diretamente nos pontos de votação para argumentar que ganhou. A professora Flávia Loss de Araújo, coordenadora de pós-graduação em Relações Internacionais da FESPSP, explica que a oposição tem cópias de cerca de 85% de todas as atas do país, que foram disponibilizadas internacionalmente. Esse documento, que daria vitória ao opositor Edmundo Gonzalez, tem sido entregue por ele a líderes internacionais em visitas.
Auditorias internacionais mostram problemas na eleição. Um dos institutos mais conceituados a apontar as incongruências, segundo a professora Flávia Loss, foi o Centro Carter, que em 30 de julho afirmou que as eleições "não cumpriram o padrão internacional de integridade eleitoral".
Falta de condições iguais aos candidatos e problemas nos votos internacionais estão entre problemas apontados pelo Centro Carter como desvios nos padrões. A instituição também ressaltou que existiam poucos locais de votação, falta de informações ao público e "abuso de recursos administrativos em favor da campanha do atual presidente".
A eleição ocorreu em um ambiente de restrição de liberdades para atores políticos, organizações civis e a imprensa. Durante todo o processo eleitoral, a CNE demonstrou um claro viés em favor do atual presidente.
Centro Carter, em nota que classifica 'falta de integridade eleitoral' na Venezuela
Questionamento feito por entidades como o Centro Carter mobiliza a diplomacia internacional. Loss explica que a indicação de institutos de que houve problema nas eleições influencia nações a não reconhecerem governo como legítimo. "Outros países que prezam pela democracia começam a fazer pressão contra esse governo. Ele não é reconhecido como legítimo. Essa é uma medida diplomática, que não tem efeito prático, mas que mostra: 'você não está de acordo com o que a gente acredita'", afirmou.
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