Deportado pela 2ª vez relata agressão: 'Agente dos EUA tentou me enforcar'

O mineiro Luiz Fernando Costa, 40, é um dos 88 brasileiros deportados no primeiro voo dos Estados Unidos para o Brasil depois da posse de Donald Trump. O montador de móveis relatou que um dos agentes da imigração dos EUA tentou enforcá-lo e que presenciou uma série de agressões e humilhações dentro da aeronave.

O que aconteceu

Luiz Fernando Costa afirmou que ele e os demais passageiros passaram mal com o calor dentro do avião. "O ar-condicionado estava quebrado, a gente estava quase sufocando de calor. Quando eles pararam no Panamá, ficamos dentro do avião por umas quatro horas suando e sem conseguir respirar".

Chegada estava prevista para a noite de sexta (24). O destino final era aeroporto de Confins, em Minas Gerais. Mas a aeronave vinda dos EUA pousou em Manaus em uma escala após problema no ar-condicionado. A viagem só terminou na noite de sábado (25).

Costa relatou que um dos agentes da imigração tentou enforcá-lo quando a aeronave já havia pousado em Manaus. Segundo o brasileiro, a agressão ocorreu quando ele tentou se aproximar de uma brasileira para juntos gritarem por ajuda. "A gente estava tentando gritar para os agentes da Polícia Federal de fora do avião, para que pudessem nos salvar", contou.

Desentendimento entre deportados e agentes da imigração. Agressões começaram após desentendimento por causa do calor. Passageiros não tiveram autorização para descer da aeronave durante a manutenção. "Botavam o pé para cair, vi eles empurrando pessoas algemadas, dando mata-leão", lembrou Luiz Fernando Costa.

O montador de móveis sentiu alívio quando viu os agentes da PF entrando no avião. Ele estava acorrentado e algemado há 18 horas. "Salvaram as nossas vidas", diz o brasileiro, emocionado, ao lembrar do que considerou um dos piores momentos da sua vida. "Quase morremos".

Polícia Federal no Amazonas apura as denúncias de agressões sofridas por brasileiros deportados dos Estados Unidos. O UOL confirmou que agentes já colheram depoimentos de brasileiros e farão outras diligências, como análise de câmeras de segurança. Não há inquérito instaurado ainda.

Investigação será encaminhada para o departamento dos EUA responsável pela imigração. O procedimento também será compartilhado com órgãos internacionais de cooperação, em busca de mais elementos para a apuração.

Ministério das Relações Exteriores diz que tratamento viola o acordo firmado entre os governos. Itamaraty informou neste domingo (26) que vai cobrar esclarecimentos de autoridades americanas.

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O uso indiscriminado de algemas e correntes viola os termos de acordo com os EUA, que prevê o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados (...) O governo brasileiro considera inaceitável que as condições acordadas com o governo norte-americano não sejam respeitadas.
Nota do Itamaraty divulgada neste domingo (26)

Deportado pela segunda vez

Aeronave da FAB que transportou deportados dos EUA pousou no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte
Aeronave da FAB que transportou deportados dos EUA pousou no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte Imagem: Déborah Lima/Folhapress

Essa não é a primeira vez que Costa é deportado. Em 2006, ele tentou entrar nos EUA sem a documentação necessária, mas foi preso e ficou detido por 30 dias. Na época, voltou ao Brasil em um voo comercial, sem algemas.

Em 2023, o mineiro, natural de Carmo do Paranaíba, voltou aos Estados Unidos. Conseguiu entrar por Chicago. "Dei um jeito de fugir da imigração", contou. Ele diz que tem passaporte italiano e assim que entrou no país, pediu asilo enquanto providenciava os documentos exigidos pela imigração norte-americana.

Mas no dia 19 de dezembro de 2024, o brasileiro foi preso enquanto comprava um lanche na Subway. "Estavam me seguindo, acho que sabiam onde eu morava. Mas eu tinha advogada e ela tinha me falado que o meu caso estava em andamento, que daria tudo certo. Mas não foi o que aconteceu", lamentou.

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Ele não conseguiu trazer nenhum pertence. "Tudo meu ficou para trás na casa onde eu morava". Costa ficou preso do dia 19 de dezembro até a data do voo dos EUA para o Brasil. "Eu ficava angustiado sem saber o que ia acontecer, tinha vontade de vir embora".

O montador de móveis tentou viver nos EUA para ter uma vida financeira melhor. Mas após morar pouco mais de um ano, diz que não conseguiu juntar nada. "Gastei tudo com advogada, vou voltar a trabalhar no Brasil, ainda não sei com o quê".

Após desembarcar em Confins, Costa pegou um ônibus para sua cidade natal. Ele é pai de uma menina. "Estou com a minha família, hoje fui ao psiquiatra, estou muito abalado, agora tentando cuidar de mim".

O UOL procurou a Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês), mas não houve retorno.

Não queremos afrontar os EUA, mas inocentes merecem dignidade, diz ministro

O presidente Lula (PT) e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump
O presidente Lula (PT) e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump Imagem: Arte/UOL
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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, pediu dignidade. Ele afirmou nesta segunda-feira (27) que o governo Lula não quer afrontar os Estados Unidos na questão dos deportados brasileiros, mas exige dignidade aos inocentes.

Lewandowski pediu respeito aos direitos fundamentais dos deportados, mas disse que o objetivo não é provocar os EUA. O ministro deu a declaração em evento sobre segurança pública do Lide, grupo de empresários comandado pelo ex-governador de São Paulo João Doria (sem partido).

Governo afirma que deportados não têm pendências com a Justiça brasileira. De acordo com o Ministério da Justiça, não há condenados no Brasil entre os deportados e nenhum deles tem mandado de prisão em aberto ou é considerado foragido no Brasil. No entanto, o governo não informou se os deportados têm pendências com a justiça americana.

Lewandowski afirmou ainda que deportados foram submetidos a "constrangimentos absolutamente inaceitáveis". Eles estavam acorrentados, dentro do voo de volta ao país, pelas mãos e pés, sem alimentação e sem poder ir ao banheiro. O ministro enfatizou que, "em território brasileiro, vigem as leis brasileiras, vige a Constituição brasileira", em referência aos direitos dos brasileiros deportados.

A chegada no Brasil dos brasileiros deportados faz parte de um acordo firmado ainda em 2017 entre o então presidente Michel Temer (MDB) e Donald Trump. O pacto prevê que aeronaves tragam de volta quem já não tem mais como recorrer à Justiça norte-americana. Os deportados são, então, pessoas detidas por entrar ilegalmente nos EUA e já não possuem possibilidade de recursos, segundo o Ministério das Relações Exteriores.

Os voos de repatriação acontecem desde 2018 para evitar que essas pessoas permaneçam em presídios dos EUA indefinidamente. Conforme o acordo, o governo brasileiro não aceita a inclusão nos voos daqueles que ainda possuem chance de revisão de sentença.

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