Argentina segue Trump, sai da OMS e critica quarentena na pandemia de covid

A Argentina anunciou nesta quarta-feira (5) que vai se retirar da OMS (Organização Mundial da Saúde).

O que aconteceu

Decisão ocorre semanas após decreto do presidente Donald Trump, no mês passado, de retirar os EUA da agência global de saúde. A informação foi anunciada pelo porta-voz da presidência, Manuel Adorni, durante coletiva de imprensa. A decisão "baseia-se nas profundas diferenças em relação à gestão da saúde, especialmente na pandemia" de covid-19, disse o porta-voz. "Nós, argentinos, não permitiremos que uma organização internacional interfira em nossa soberania, muito menos na nossa saúde", enfatizou Adorni.

Governo publicou comunicado após coletiva de imprensa. No documento, assinado pelo presidente Javier Milei, o governo argentino declarou que a OMS falhou durante a pandemia de covid-19. "A OMS foi criada em 1948 para coordenar a resposta às emergências sanitárias globais, mas falhou no seu maior teste. Promoveu quarentenas eternas sem respaldo científico quando teve de combater a pandemia do covid-19", diz texto.

Segundo a gestão Milei, as quarentenas causaram "uma das maiores catástrofes econômicas da história mundial". Ainda de acordo com o comunicado emitido pelo governo, a agência de saúde "deixou crianças fora da escola, centenas de milhares de trabalhadores sem renda, levou empresas à falência e ainda nos custou 130 mil vidas'.

Sem provas, Milei afirmou que as decisões da OMS são resultados de influência política, não baseadas na ciência. "A comunidade internacional precisa urgentemente repensar o propósito das organizações supranacionais, financiadas por todos, que não cumprem os objetivos para os quais foram criadas, se dedicam a fazer política internacional e buscam se impor aos países-membros".

Quarentenas foram essenciais para o combate à covid-19. Estudos científicos apontam que medidas de distanciamento social foram eficazes para reduzir o número de infectados e mortos ou diminuir a sobrecarga dos hospitais. Isolamento na Europa pode ter evitado mais de três milhões de mortes, indicaram pesquisadores da Imperial College London em estudo publicado em 2020 na revista Nature.

Contribuição da Argentina para a OMS é de menos de US$ 9 milhões (R$ 52 milhões, na cotação atual). De acordo com os últimos números publicados pela organização, o país doou US$ 8.256.810 (R$ 47.824.269, na cotação atual) para o orçamento do biênio 2022-2023. Para efeito de comparação, no mesmo período, os EUA contribuíram com US$ 1,28 bilhão (cerca de R$ 7,4 bilhões, na cotação atual) para o orçamento da OMS

A reportagem procurou a Organização Mundial de Saúde para um posicionamento. A agência informou que está apurando as informações.

Ministro ressaltou que deixar a OMS não significa sair da OPS (Organização Panamericana de Saúde). "É importante destacar que sair da OMS não significa sair da OPS, que é preexistente e depende da OEA (Organização dos Estados Americanos). Estamos diante de uma mudança de época, e é preciso estar à altura das mudanças", afirmou o ministro.

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O que a Argentina perde com a saída da OMS?

Decisão pode implicar na perda de acesso a fundos estratégicos e rotativos essenciais para campanhas de vacinação e produção de medicamentos. Avaliação é de Nicolás Dvoskin, economista e cientista político do Conselho de Investigação Científica da Argentina, que também destaca que a retirada é "de uma imbecilidade absoluta".

Argentina não possui os recursos e influência dos Estados Unidos para enfrentar a OMS. Alejandro Frenkel, pesquisador de Relações Internacionais ouvido pelo UOL ressalta que o país é periférico e carece de capacidade para substituir os benefícios oferecidos pela organização. "A mudança é mais um passo em direção ao 'negacionismo sanitário' e à tentativa do presidente argentino de 'colar' sua imagem à de Donald Trump, isto é, 'imitar os Estados Unidos e alimentar seu núcleo duro (de apoiadores)', indo muito além do que o próprio governo americano poderia esperar", analisa.

A Casa Rosada justificou a saída afirmando que o país não recebe aportes diretos da OMS. No entanto, estar na organização proporciona acesso a informações e conhecimentos sanitários cruciais, especialmente considerando os desafios de saúde pública enfrentados pela Argentina.

No ano passado, o país enfrentou um surto de dengue sem repelente e vacina no sistema público. À época essa escassez destacou a importância do apoio internacional em questões sanitárias.

Javier Milei, presidente há um ano, reduziu investimentos na saúde e questionou evidências científicas. A postura do presidente inclui ceticismo em relação às mudanças climáticas e à necessidade de vacinas.

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68 ganhadores do Prêmio Nobel alertaram sobre o risco ao sistema científico argentino. Em carta enviada a Milei, eles advertiram que as políticas adotadas poderiam levar o sistema científico do país a um "precipício", conforme noticiado pelo UOL.

Essa não é a primeira vez que Milei questiona medidas científicas

Javier Milei já questionou a eficácia da vacina contra a dengue e disse não ver "necessidade" do imunizante. Declaração foi feita em 2024, em meio a um surto histórico da doença na Argentina.

Em seu livro, publicado em setembro de 2020, durante a pandemia, Milei também criticou o isolamento. Ele descreveu a quarentena como um "crime contra a humanidade" que violava a liberdade das pessoas.

Saída dos EUA da OMS

No dia 20 de janeiro, primeiro dia do mandato de Donald Trump, o republicano anunciou a saída dos Estados Unidos da OMS. No discurso, ele justificou a decisão acusando a OMS de má gestão e citou que estava insatisfeito com o fato de os EUA pagarem mais do que a China, que tem uma população muito maior.

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Os EUA são o maior financiador da OMS. O país contribui com cerca de 18% de financiamento geral da instituição. Washington fornece um valor vital para a organização, que sustenta uma variedade de operações.

Segundo a OMS, a contribuição dos EUA é indexada ao PIB do país. O produto interno bruto dos EUA é o maior do mundo, sendo que em 2023 foi estimado em mais de US$ 27,36 trilhões. As Nações Unidas informaram que o país deve deixar de integrar a OMS em 22 de janeiro de 2026.

Trump justificou a saída da OMS alegando má gestão e influência política da China. Ele citou que os EUA contribuem com um valor muito superior ao da China. "Vocês acham isso justo?", questionou o republicano. Na declaração, o presidente não mencionou as regras da OMS para estipular quanto cada país deve doar.

Os EUA são um dos fundadores da organização criada em 1948. O regimento diz que os Estados Unidos terão 12 meses para concluir o processo de desvinculação. "A OMS nos enganou", acusou o presidente ao assinar o decreto, que também faz um apelo à identificação de "parceiros americanos e internacionais confiáveis e transparentes para assumir as atividades necessárias anteriormente realizadas pela OMS".

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