Brasileiros chegam a SP após tráfico em Mianmar: 'Livres de verdade'
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Os dois brasileiros que conseguiram fugir e ser resgatados de uma rede de tráfico humano em Mianmar chegaram no final da tarde desta quarta-feira (19) ao Brasil, após mais de três meses mantidos reféns como operadores de uma "fábrica de golpes digitais" no país asiático.
O que aconteceu
Os paulistas Luckas Viana dos Santos, 31, e Phelipe de Moura Ferreira, 26, desembarcaram no aeroporto de Guarulhos (SP). Eles eram aguardados por familiares e pela imprensa no local.
"Estou feliz. Livre de verdade", disse Phelipe a jornalistas no aeroporto. Ele contou que pretende retomar a faculdade agora que voltou ao país.
Luckas contou que eles ficavam com os braços presos à parede por cerca de 17 horas. "Foi muito difícil estar lá. Eles batiam na gente quase todo dia", afirmou. "Tinha máquina de choque também, era muito difícil. A gente sofreu bastante. Tem amigos que ainda estão lá", acrescentou.
fNo aeroporto, os brasileiros esclareceram que a tentativa de fuga foi frustrada. À imprensa, eles contaram que foram pegos e espancados por agentes da máfia após deixarem o complexo. No mesmo dia, porém, agentes do DKBA, grupo paramilitar ligado ao governo de Mianmar, os resgataram por intermédio da organização civil Exodus Road.
"Foram meses de muita angústia e depressão", disse ao UOL Cleide Viana, mãe de Luckas. "Fiquei sem comer, sem dormir (...) porque eu sabia que lá ele não estava comendo, não estava dormindo, e isso é muito difícil pra uma mãe".
Antônio Ferreira, pai de Phelipe, classificou a chegada do filho como um "alívio". "Foram quase três meses de sofrimento. [...] Graças a Deus, agora é só alegria. Eles estão de volta ao Brasil".
Reencontro após horas de espera

O reencontro com a família aconteceu após horas de espera enquanto Luckas e Phelipe prestavam depoimento na PF. Os pais chegaram a ser levados para a delegacia do aeroporto, mas só encontraram com os filhos depois do fim do depoimento.
Cleide passou mal após ouvir do filho o que ele tinha sofrido em Mianmar. "Estou muito feliz de estar aqui com a minha mãe agora. Em muitos momentos eu pensei em desistir, mas eu sabia que ia conseguir sair de lá um dia", disse Luckas.
Ela lamentou as agressões sofridas pelo filho, mas agradeceu a Deus pelo retorno. "Grata a Deus, que trouxe meu filho de volta, protegeu ele, apesar dos pesares. Não aconteceu mais coisas porque fiquei lutando por ele dia e noite", afirmou ao UOL.

Fuga e resgate
Brasileiros fugiram da "fábrica de golpes" no início do mês e foram encontrados no último dia 10 por um grupo paramilitar de Mianmar. Segundo familiares dos dois, eles conseguiram escapar do local onde eram mantidos reféns junto a um grupo de centenas de estrangeiros, também vítimas de tráfico humano no país asiático.
Eles foram capturados e detidos por agentes do DKBA (Exército Democrático Karen Budista). O grupo armado, composto por rebeldes dissidentes das Forças Armadas de Mianmar, encaminhou os estrangeiros a um centro de detenção local após negociações com a Exodus Road. A organização civil confirmou a fuga dos brasileiros e de outras 368 pessoas de 21 países no dia 8 de fevereiro.
Após fugirem e serem resgatados, paulistas chegaram na última quarta-feira (12) à Tailândia. Lá, eles aguardaram por três dias o auxílio da embaixada brasileira em Bangcoc para serem repatriados.
Representante da embaixada buscou brasileiros no sábado (15). Desde então, eles aguardavam em Bangcoc o retorno ao país. Eles deixaram a capital tailandesa na última terça-feira (18), em um voo com destino a Guarulhos.
Relembre o caso
Brasileiros ficaram cerca de três meses reféns. Luckas e Phelipe se tornaram vítimas de tráfico humano em Mianmar entre outubro e novembro, após aceitarem supostas propostas promissoras de emprego na Tailândia.
Phelipe e Luckas ficaram presos em uma fábrica em Myawaddy, onde eram forçados a trabalhar mais de 15 horas por dia. Sob ameaças e tortura, eles eram forçados a aplicar golpes digitais em pessoas de outros países, junto a centenas de outros jovens estrangeiros vítimas do esquema.
Luckas era punido e estava "sem conseguir andar direito, cheio de hematomas", contou Phelipe a familiares do outro brasileiro. Ao UOL, a prima de Luckas, Ana Paula, disse em dezembro que recebeu prints de mensagens do jovem dizendo que seu primo estava sendo torturado por ter alguns de seus pedidos de ajuda descobertos pelos "chefes", que eles dizem ser chineses.
Eles agridem a gente toda hora. (...) Nem falar comigo ele [Luckas] pode porque eles proibiram desde que eu cheguei aqui. Nos falamos escondidos. (...) Também não podemos demonstrar tristeza, se não nos punem. (...) Se eu sumir já sabe que fizeram algo comigo. Mensagens enviadas por Phelipe à irmã no início de dezembro
Meu filho está com o corpo todo machucado de pancadas e choques, de tudo o que fizeram com ele lá, e não só com ele, mas com muitas pessoas de todas as partes do mundo. Agora, o mundo tem que olhar para Mianmar e intervir nessa rede de tráfico humano. Antonio Carlos Ferreira, pai de Phelipe, em entrevista ao UOL News
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