Conservador, cardeal da Guiné pode se tornar o 1º papa negro da história

O cardeal Robert Sarah pode se tornar o primeiro papa negro da história caso seja eleito no próximo conclave. Ele, no entanto, não é a opção da ala mais progressista da Igreja Católica: seu nome, pelo contrário, é favorito de movimentos políticos ultraconservadores, especialmente nos EUA, que o consideram "anti-woke".

Conflitos com Francisco

Sarah discordava —e fazia oposição "diplomática" a Francisco— em diversos temas. Em janeiro de 2024, ele se opôs publicamente à declaração da Santa Sé que permitia aos padres abençoar casais do mesmo sexo em situações pontuais, como extensão de um pedido de auxílio a Deus, ainda que não reconhecesse as uniões como casamentos.

Não nos opomos ao papa Francisco, mas nós firmemente e radicalmente nos opomos à heresia que seriamente corrói a Igreja, o Corpo de Cristo, porque é contrária à fé católica e à tradição. Robert Sarah, ao blog Settimo Cielo, segundo a Catholic News Agency

O texto era, na verdade, uma manobra pública de questões que já haviam sido dirigidas ao papa na carta "Dubia". O texto de julho de 2023 levantava cinco pontos de dúvida ou discordância enumerados por cinco cardeais conservadores liderados pelo americano Raymond Burke. Eles questionavam se casais do mesmo sexo podem ser abençoados, se a Igreja deve voz a todos os católicos em suas decisões e se mulheres poderiam ser padres, entre outros temas espinhosos. Francisco respondeu, ponto a ponto, cada uma das questões em setembro daquele ano.

Em 2019, ele criticou o que considera o uso "da Palavra de Deus para promover a migração". Em artigo da revista Valeurs Actuelles, ele detonou padres e bispos que "dizem coisas vagas e imprecisas para escapar a toda crítica e se casam com a evolução estúpida do mundo".

Todos os migrantes que chegam na Europa não têm um centavo, sem trabalho, sem dignidade. É isso o que a Igreja quer? A Igreja não pode cooperar com esta nova forma de escravidão que se tornou a migração em massa. Se o Ocidente continuar neste caminho fatal, há um grande risco de que, devido a uma falta de nascimentos, ele desaparecerá invadido por estrangeiros, como Roma foi invadida por bárbaros. Meu país é predominantemente muçulmano. Acho que sei de qual realidade estou falando. Cardeal Robert Sarah

Francisco fez repetidos apelos ao acolhimento humano de migrantes. No entanto, Sarah fez alertas ao que considera o "fanatismo" islâmico e classificou organizações terroristas que dizem professar a fé muçulmana —entre elas a Al-Qaeda, o Boko Haram e o Estado Islâmico— como "estas apocalípticas", segundo a Catholic News Agency.

O que o nazifascismo e o comunismo eram no século 20, as ideologias ocidentais homossexuais e o fanatismo islâmico são hoje. Robert Sarah, em 2014, segundo o jornal The New York Times

Ele ainda diz que a Igreja não tem um "problema com homossexualidade" no seu clero. "Há um problema de pecados e infidelidade", afirmou ao site Catholic Herald em 2019. "Não vamos perpetuar o vocabulário da 'ideologia LGBT'. Homossexualidade não define a identidade das pessoas. Descreve certos atos perversos, pecaminosos e depravados. Para estes atos, como para outros pecados, os remédios são conhecidos. Devemos nos voltar a Cristo." Ele também já condenou outros pontos do que considera "secularismo ocidental", como aborto, pornografia e eutanásia.

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Em 2020, surgiram suspeitas de que ele tivesse manipulado Bento 16. O cardeal lançou com o papa emérito um livro em que defendiam a necessidade de celibato permanente para padres de rito latino, bem na época em que a Santa Sé discutia a possibilidade de permitir a ordenação de casados na Amazônia para lidar com a falta de padres na região.

O nome e a autoridade moral do papa anterior teriam sido possivelmente usados para desafiar a autoridade de Francisco, sem que Bento tivesse de fato escrito as críticas. O episódio levou à dispensa do secretário particular de Bento envolvido no imbróglio, segundo a rede americana NBC. Edições posteriores saíram com o nome de Bento como colaborador (e não coautor), mas, meses depois, Francisco aposentou Sarah quando ele alcançou os 75 anos.

Quem é Robert Sarah?

Tem 79 anos e nasceu em 15 de junho de 1945 em Ourous, na Guiné. Ou seja, o cardeal está próximo a completar 80 anos, quando se tornaria não-eleitor. Atualmente, ele pode votar na eleição. Ele é prefeito-emérito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, além de ser arcebispo emérito de Conakry.

Depois de terminar o ensino fundamental, ele foi obrigado a deixar o país para entrar no seminário. Ele continuou os seus estudos em Bingerville, na Costa do Marfim. Sarah só pôde retornar à Guiné para finalizar a sua educação em 1958, após a independência da Guiné.

Ele foi ordenado padre aos 24 anos, em 20 de julho de 1969, em Conakry. Em seguida, recebeu a licenciatura em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e outra licenciatura em Escrituras no Studium Biblicum Franciscanum, em Jerusalém.

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O religioso rapidamente cresceu dentro da Igreja. Na década seguinte, ele se tornou reitor de um seminário em Kindia e pároco em Bokè, Katace, Koundara e Ourous, segundo a Santa Sé.

Em 1979, ele se tornou o mais jovem bispo do mundo. Aos 34 anos, em 13 de agosto de 1979, foi escolhido o arcebispo de Conakry pelo papa João Paulo 2º. Sua consagração, em dezembro daquele ano, rendeu a ele o apelido de "bispo bebê".

Desde 2001, ele ocupava também funções no Vaticano. Em 2001, se tornou o secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos. Já em outubro de 2010, ele se tornou presidente do Pontifício Conselho Cor Unum, considerado o "conselho de caridade do papa", que tem poder de atuar em emergências levando auxílio da Igreja aos mais necessitados.

Um mês depois, Bento 16 o declarou cardeal. Por isso, ele participou do conclave que elegeu Francisco em 2013. Em novembro de 2014, ele foi apontado pelo próprio papa Francisco como prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, função que exerceu até se "aposentar" em 2021.

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