Caça a imigrantes apavora estudantes nos EUA: 'Clima de pânico crescente'
Marília Monitchele
Colaboração para o UOL
30/04/2025 05h30
Desde que reassumiu a Casa Branca, em janeiro deste ano, Donald Trump tem colocado a imigração no centro de sua agenda. O republicano associa frequentemente estrangeiros ao crime e promete uma ampla repressão aos imigrantes nos Estados Unidos.
Antes relativamente protegidos, os estudantes internacionais agora estão na linha de frente das medidas anti-imigratórias. No mês passado, o secretário de Estado, Marco Rubio, anunciou a revogação de mais de 300 vistos pelo Departamento de Estado —a maioria de estudantes universitários de outros países, que tiveram o visto estudantil revogado.
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A declaração veio após a prisão de Rumeysa Ozturk, uma estudante turca abordada por agentes mascarados em Boston. O caso de Ozturk não é isolado. Prisões semelhantes vêm ocorrendo, sobretudo em universidades onde protestos pró-Palestina foram mais intensos. Além das detenções, o governo pressiona instituições de ensino superior, ameaçando cortar recursos federais daquelas que não aderirem à sua política.
Os impactos das medidas de Trump, no entanto, vão além das universidades e atingem também a educação básica. Crianças e adolescentes imigrantes, ou filhos de imigrantes, que antes enxergavam a escola como um refúgio, agora vivem sob tensão.
Logo na primeira semana de mandato, Trump assinou uma série de decretos presidenciais, incluindo a revogação de diretrizes que, por anos, restringiram a atuação do Immigration and Customs Enforcement (ICE), a agência americana responsável por deportar imigrantes e investigar violações criminais, em locais considerados sensíveis, como igrejas e escolas.
A revogação mostra impactos nas instituições de ensino. Em Fort Worth, no Texas, é investigado um caso de um professor que, supostamente, convidou o ICE a invadir sua sala de aula para prender alunos latinos, alegando que muitos sequer falavam inglês.
Em Baltimore, Maryland, outro docente usou as redes sociais para oferecer ao ICE uma lista de 50 estudantes imigrantes que participaram de manifestações pró-imigração, relatou a CBS News.
Em Oklahoma, o Conselho Estadual de Educação aprovou uma norma exigindo que pais ou responsáveis apresentem prova de cidadania ou status legal de imigração para matricular seus filhos em escolas públicas, segundo a agência AP News. Na prática, embora não proíba diretamente estudantes sem documentação de frequentarem a escola, a medida cria um ambiente de desconfiança e intimidação.
'Fugi de governo autocrático para encontrar outro aqui'
Atualmente, estima-se que 733 mil crianças estejam nos Estados Unidos sem visto regular, segundo o Migration Policy Institute. Muitas outras são cidadãs americanas, mas têm pais sem status legal.
O UOL ouviu adolescentes imigrantes sobre como a política migratória de Trump tem afetado suas vidas --até mesmo na escola. Alguns pediram anonimato.
É o caso de um jovem nicaraguense de 16 anos que vive no Texas. Ele diz querer aproveitar todas as oportunidades que encontrar nos EUA, mas teme nunca se adaptar ao país.
"O que mais me confunde é como um lugar tão diverso pode sustentar crenças tão hostis e querer nos expulsar", afirma. "Entendo que Trump quer preservar seu país, mas acredito que ele está fazendo isso da maneira errada."
Já o venezuelano Henders*, também de 16 anos, teme represálias por exercer sua liberdade de expressão.
Estamos em um clima de pânico crescente, com estudantes portadores de visto sendo ameaçados de deportação após a publicação de artigos de opinião.
Henders
Henders publica textos em jornais locais. "Nunca imaginei que teria de fugir da Venezuela por causa de um governo autocrático apenas para encontrar outro aqui."
Além do bullying e da exclusão, muitos imigrantes temem pelo futuro de suas famílias. O pânico aumentou com o cancelamento do CHNV Humanitarian Parole, programa de visto humanitário para cubanos, haitianos, nicaraguenses e venezuelanos criado por Joe Biden e revogado logo no início da gestão Trump. A medida praticamente elimina a possibilidade de asilo político e humanitário para esses grupos no país.
Kevin*, um cubano de 18 anos que vive em Houston, relata o clima de incerteza. "Os vistos de trabalho estão sendo negados, pedidos de residência rejeitados, serviços de saúde cortados. Sabíamos que as coisas iam piorar, mas não imaginávamos o tamanho do impacto. Fomos engolidos por um turbilhão de ordens executivas, mudanças e, acima de tudo, um pânico generalizado."
Rebecca Garza, 18, filha de imigrantes mexicanos, ainda lembra os efeitos do primeiro mandato de Trump.
"Sempre fui uma aluna exemplar, mas ouvi uma menina atrás de mim dizer que eu vendia cocaína depois da escola", afirma, recordando que, após a eleição do republicano, em 2017, se fortaleceu o discurso de que os mexicanos traziam apenas drogas e violência ao atravessarem a fronteira.
Rebecca agora vê o medo voltar. "Já não respondo mais perguntas sobre Álgebra 1, mas sobre o processo de imigração que minha família aprendeu ao longo de anos navegando pelos tribunais", diz.
Líder estudantil em sua escola, a aluna tenta combater a desinformação e preparar seus colegas para possíveis abordagens do ICE.
Se não estou estudando, estou criando materiais sobre o que pode ser feito em situações em que um agente de imigração se aproxima, tentando combater a desinformação na mídia e acalmar os medos. Colo cartazes sobre os direitos que ainda temos e sou repreendida por isso.
Rebecca Garza
Escolas tentam reagir, mas incerteza permanece
Diante desse cenário, alguns distritos escolares buscam proteger alunos imigrantes. Na Califórnia, os distritos de San Diego e Fresno —o segundo e o terceiro maiores do estado— estão compartilhando informações sobre direitos imigratórios com as famílias. Em cidades-santuário, como Nova York, autoridades escolares distribuem materiais com orientações para lidar com agentes do ICE.
Sento em minhas aulas e tento pensar em formas de ajudar, mas acabo engolindo as lágrimas ao perceber que sou impotente. Rebecca Garza
*Os nomes foram omitidos para preservar a identidade dos adolescentes