'Gostou de boa cerveja e comida mineira': a história da foto do papa em BH

Horas depois de ser eleito como o papa Leão 14, o cardeal norte-americano Robert Francis Prevost, de 69 anos, já havia caído nas graças dos brasileiros.

O motivo do afeto veio das redes sociais, onde viralizou uma foto de seu passado em território nacional. Na imagem, Prevost surge com um sorriso contido, trajando uma camisa azul e segurando uma surpreendente taça com cerveja.

O registro, feito em Belo Horizonte, encantou ao revelar um lado informal e simpático do pontífice, além de evidenciar sua relação com o Brasil —e com uma de nossas bebidas mais queridas.

O momento descontraído aconteceu em 2004, durante as comemorações dos 70 anos do Colégio Santo Agostinho, tradicional instituição confessional da capital mineira. Naquele ano, Prevost era o Superior-Geral da Ordem de Santo Agostinho e vivia em Roma.

Foi convidado a participar da celebração pelo professor Francisco Morales, então diretor do colégio e velho conhecido do religioso.

"Eu o conheci em 1985, num congresso da Oala [Organização dos Agostinianos da América Latina]. Já havíamos nos encontrado em algumas ocasiões. Quando organizamos a festa dos 70 anos do colégio, convidei e ele veio", relembra Morales, em entrevista ao UOL.

A programação foi solene: cerimônias, homenagens, placas comemorativas e, claro, um coquetel para cerca de 400 pessoas. Foi nesse ambiente que a agora famosa foto foi tirada.

Ao lado de Prevost estão outros membros da ordem agostiniana, da esquerda para a direita: o próprio Morales, o provincial espanhol padre Carlos José Sánchez Díaz, o assistente geral para a América Latina, padre Emmanuel Borgn e frei Márcio Vidal de Negreiros. Todos aparentemente despreocupados, brindando a história da instituição.

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A presença da cerveja na mão do futuro papa provocou muitos sorrisos ao fim do conclave. Mas, segundo Morales, o gesto não foi nenhum escândalo.

"Ele sempre gostou de uma boa cerveja e um vinhozinho. Mas era moderado no beber. Dois ou três copos e bastava", diz, rindo.

O que poucos sabem, porém, é que o ex-cardeal se deliciou com entusiasmo com os quitutes mineiros: "Ele comeu de tudo. Tutu, frango com quiabo, frango a passarinho, couve. Nunca rejeitou uma boa comida mineira."

'Nunca vi alterar a voz'

O vínculo com o Brasil, no entanto, não parou por aí. O agora papa voltou ao país em 2012, em um novo convite de Morales, e tinha nova visita programada como cardeal, antes da eleição ao pontificado. A expectativa era que participasse este ano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), prevista para maio, mas cancelada após a morte do papa Francisco.

"Ele tem uma conexão forte com a América Latina. Viveu vinte anos no Peru e conhece profundamente a realidade das comunidades mais pobres", destaca Morales.

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Essa experiência latino-americana, aliada ao perfil conciliador e sereno, pode ter sido, na opinião do professor, decisiva para a escolha como sucessor de Francisco.

Ele foi eleito na quarta votação, o que indica que agradou tanto aos setores mais conservadores quanto aos progressistas. É um construtor de pontes, como o nome 'pontífice' sugere. Escuta mais do que fala, é centrado, meditativo e muito simples. Nunca vi o Roberto alterar a voz.
Francisco Morales

Leão 14 fala português desde muito antes de posar com a cerveja na capital mineira. "Ele sempre tentou se adaptar aos países onde estava. Aqui no Brasil, falou conosco em português, na verdade uma espécie de 'portunhol', mas dado o tempo que se passou, acho que ele deve ter melhorado consideravelmente sua pronúncia", brinca Morales.

"É um traço marcante dele: ele se enraíza onde está. Tenta se inserir, criar vínculos. É muito gentil, contemplativo e singelo".

'Fora do jogo de forças'

A personalidade pode ter contribuído para a trajetória acelerada nos últimos anos. Em 2015, foi nomeado bispo no Peru. Logo depois, chamado a Roma por Francisco, assumiu o dicastério responsável por supervisionar bispos em todo o mundo. Foi elevado a cardeal em 2023, e agora, menos de dois anos depois, ocupa o trono de Pedro.

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Morales diz que não se surpreendeu com a eleição, embora o nome de Prevost não estivesse entre os mais cotados pela imprensa especializada.

Três dias antes da votação, eu disse que ele seria um bom nome. E era capaz de apostar que seria nosso papa. Era alguém diferente, equilibrado, de fora do jogo de forças mais evidentes do Vaticano. E acho que os cardeais perceberam isso.
Francisco Morales

A escolha do nome papal também foi interpretada como um aceno à tradição social da Igreja. Leão 13, que inspirou o novo papa, foi autor da encíclica que lançou as bases da doutrina social da Igreja e tratou da dignidade do trabalho.

"Me parece que o Papa Leão 14 vai olhar com atenção para os trabalhadores, os empobrecidos e as desigualdades. A escolha do nome pode ser um sinal claro", aposta Morales. "Traz a identidade dele e evita comparações desnecessárias com Francisco".

Apesar disso, Morales acredita que o novo papa dará continuidade à agenda de seu antecessor, com foco especial no diálogo, na paz e na construção de uma Igreja aberta.

"Estamos diante de um homem de espiritualidade profunda, preocupado com a justiça social e a escuta. E que, por mais formal que seja o cargo, segue sendo fiel a sua essência. Acredito que se preocupará com os mais pobres, com os excluídos e com a natureza."

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Para os brasileiros, a imagem do papa com a taça na mão ficará como símbolo de um pontífice que, antes de ser figura de Estado, era também humano. E, por isso mesmo, próximo. Afinal, aparentemente nem mesmo as santidades papais resistem a um frango com quiabo e uma cerveja gelada.

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