Rússia fez do Brasil 'silenciosa fábrica de espiões', diz NYT

A Rússia usou o Brasil para preparar uma série de espiões que atuariam na elite de seus programas de inteligência, mostra reportagem do jornal The New York Times hoje. No país, eles ganhavam novas identidades e viviam uma vida acima de qualquer suspeita, até que estivessem prontos para alçar voos maiores.

O que aconteceu

Espiões "apagaram" passado russo ao chegarem no Brasil. Segundo o jornal, eles abriam empresas, faziam amigos e construíam família, como parte da criação de uma nova identidade.

Objetivo não era espionar o Brasil, mas "se tornar brasileiro". Quando estavam prontos, eles seguiam para países da Europa, EUA ou Oriente Médio, "onde, enfim, entravam em ação", escreveu o jornal.

Prática de espionagem vem desde os tempos da União Soviética. O próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, já contou ter supervisionado um espião quando servia como oficial da KGB (agência de inteligência da URSS) no fim da Guerra Fria.

São pessoas especiais. (...) Deixar a própria vida para trás, abandonar os entes queridos, a família, o país, por muitos e muitos anos, para dedicar a vida ao serviço da pátria, não é algo que qualquer um consiga fazer. Somente os escolhidos conseguem fazer isso, digo sem nenhum exagero
Putin em entrevista em 2017

Agentes da Polícia Federal brasileira investigam espiões russos desde o início da guerra na Ucrânia, em 2022. A reportagem do NYT conta que a PF vasculhou milhões de registros de identidade em busca de padrões.

Até o momento, foram identificados pelo menos nove agentes russos com identidade brasileiras falsas. A investigação já alcançou pelo menos oito países e teve o apoio de serviços de inteligência dos EUA, Israel, Holanda, Uruguai e outras localidades.

Investigação começou após aviso da CIA

Em abril de 2022, cerca de dois meses depois de a Rússia invadir a Ucrânia, a CIA (inteligência norte-americana) enviou alerta ao Brasil. Na mensagem, dizia que um agente da inteligência militar russa havia se candidatado para um estágio no Tribunal de Haia, na Holanda. No mesmo período, a Corte começou a investigar crimes de guerra da Rússia na Ucrânia.

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Agente russo tinha documentos brasileiros. Victor Muller Ferreira era, na verdade, Sergey Cherkasov. Ele foi barrado pela imigração da Holanda e estava no caminho de volta a São Paulo.

Sem base legal para prender Cherkasov, a PF passou a monitorá-lo. Até que os policiais conseguiram um mandado para prender o russo por uso de documentos falsos.

Cherkasov negou acusações de espionagem em depoimento. Conforme o jornal, ele se irritou com as perguntas, além de ter todos os documentos brasileiros autênticos, como passaporte, título de eleitor e certificado de reservista.

Análise da certidão de nascimento fez história desmoronar. A PF constatou que a mulher registrada como mãe de Victor Muller Ferreira havia morrido. A família dela, porém, confirmou que ela não teve filhos. Já o pai, nunca existiu.

Dos espiões envolvidos, apenas Cherkasov continua preso. Ele foi condenado a 15 anos de prisão por falsificação de documentos, pena depois reduzida para cinco. Em uma aparente manobra para repatriá-lo, o governo russo alegou que ele era um traficante de drogas procurado e solicitou à Justiça sua extradição, mas não foi liberado pelo Brasil.

Por que a Rússia usou o Brasil?

Passaporte brasileiro é forte. Com o documento, é possível viajar por muitos países sem visto.

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Miscigenação da população brasileira também foi fator decisivo para escolha. Pessoas com características europeias passam despercebidas entre os brasileiros.

Outro ponto importante é a vulnerabilidade dos registros civis e a corrupção. The New York Times explica que pessoas nascidas em zonas rurais não precisam de comprovação médica para obter certidão de nascimento e a presença de testemunhas basta.

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