'Impuros': passear com cães no Irã agora é crime em pelo menos 20 cidades

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Autoridades do Irã expandiram a proibição de passear com cachorros em vias públicas em pelo menos 20 cidades na última semana.
O que aconteceu
Procuradores citaram preocupações com a saúde pública e ameaças à segurança como justificativas para a expansão do veto. Na capital, Teerã, passear com cães já é proibido desde 2019, no entanto, a aplicação e fiscalização da lei teriam sido "negligentes" desde então, apontou uma reportagem do jornal The New York Times.
Autoridades também incluíram a proibição de dirigir com cachorros. Qualquer tipo de passeio com cachorro foi considerado não só uma ameaça à saúde pública, mas também "à paz e ao conforto" por Abbas Najafi, procurador da cidade de Hamedan, segundo o jornal estatal Iran. "Passear com cães é um claro crime", reforçou na segunda-feira o procurador Mohammad Doroudi, de Mashhad, à agência estatal Irna.
"Medidas legais" serão tomadas contra quem viole as novas regras. Foi o que anunciaram as autoridades da cidade de Ilam, onde a proibição entrou em vigor no domingo. Outros municípios como Isfahan e Kerman também já aderiram ao veto nos últimos dias, segundo a AFP.
Muitos tutores continuam passeando com seus cães em Teerã e em outras cidades iranianas. Não há lei federal que proíba a posse e/ou tutela do animal, mas as restrições locais impostas por procuradores podem ser aplicadas pela polícia para conter a circulação dos animais, apontou a rede britânica BBC.

Prisões e perdas dos animais
Tutores já foram presos ou tiveram seus cães confiscados. Desde 2019, quando surgiu a primeira proibição na capital, tutores já foram presos ou tiveram seus cães confiscados algumas vezes por realizarem os passeios públicos. Por isso, há quem tenha começado a andar com os animais em áreas isoladas à noite ou começado a levá-los para passear de carro, tentando escapar da fiscalização.
Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica do Irã já proibiu publicidade de produtos para pets em 2010. Em 2014, foi proposto um projeto de lei no parlamento que permitiria multar e até açoitar quem passeia com cachorro. A legislação não foi aprovada, contudo.
Críticos das proibições argumentam que a polícia deveria focar na segurança pública com a escalada do crime no Irã. Para eles, estas seriam as verdadeiras prioridades, em vez de ter como alvos os donos de pets e as restrições de liberdades individuais. Ao Times, veterinários demonstraram ceticismo em relação à aplicação de lei.
Por que pets são malvistos no Irã?
Governo iraniano considera o hábito de ter cães domésticos como um sinal da influência da cultura ocidental. Ainda de acordo com o Times, a oposição aos animais em casa teria origem em crenças religiosas —os cães seriam considerados impuros no Islã e um simples carinho no animal, acreditam políticos locais, tornaria uma pessoa impura também.

Aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, já divulgou uma fátua —pronunciamento legal sobre regra religiosa— que embasa a proibição. "A saliva de um cão ou pelo pode tornar tudo o que toca —como uma pessoa, roupa ou superfície— impuro. Uma oração é inválida na presença de pelos de cachorro", justifica o texto reproduzido pelo jornal americano.
É aceito ter animais para pastoreio, caça ou guarda, mas não como pet. Em 2021, 75 legisladores iranianos condenaram a tutela doméstica de cães como um "problema social destrutivo" que pode "gradualmente mudar o estilo de vida iraniano e islâmico".
Ter um cachorro de estimação no Irã hoje é equivalente a desafiar as regras do "hijab" (o véu islâmico). Também seria o mesmo que ir a festas secretas ou ingerir bebida alcoólica: uma forma de rebelião silenciosa contra o regime teocrático. Não à toa, apesar dos esforços de autoridades, o número de jovens com animais domésticos cresce no Irã, apontou ainda a rede britânica.
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