Para analistas, lei internacional contradiz razão de Israel para atacar Irã

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A tese de autodefesa utilizada por Israel para justificar os ataques ao Irã não se sustenta sob a ótica da lei internacional, segundo análises de especialistas no assunto. Os analistas afirmam que o argumento usado por Tel Aviv de que Teerã pode atacá-lo se conseguir produzir armas nucleares, não é plausível para autorizar a deflagração de uma guerra que já resultou na morte de civis de ambos os lados.
O que aconteceu
ONU diz que "alguns ataques" de Israel podem ter violado o direito humanitário internacional ao resultar na morte de civis. Uma missão enviada pelas Nações Unidas para apurar o conflito no Oriente Médio destacou que entre os mortos em Teerã "estavam dezenas de moradores de um condomínio", além de três trabalhadores da Cruz Vermelha iraniana.
Nações Unidas ressaltaram que Israel não alertou os civis iranianos sobre seus ataques, e não permitiu que eles se protegessem dos bombardeios. "Isso levanta sérias preocupações em relação aos princípios de proporcionalidade, distinção e precaução sob [a ótica] do direito humanitário internacional".
Israel nega ter cometido qualquer ilicitude e afirma ter agido em legítima defesa. Tel Aviv acusa o Irã de produzir arma nuclear, o que afirma representar um perigo a sua existência, e justifica que os ataques iniciados em 13 de junho foram uma "operação antecipatória" a um eventual ataque iraniano ao seu território.
Especialista fala em "autodefesa proibida"
Direito Internacional estabelece regras específicas para legitimar o início de uma guerra sob a justificativa da autodefesa, segundo especialistas no tema. Para Matthias Goldmann, especialista em direito internacional da Universidade EBS Wiesbaden, da Alemanha, o atual conflito no Oriente Médio pode ser compreendido como uma "autodefesa proibida" por parte de Israel.
As precondições para autodefesa são um tanto restritas, exigem um ataque iminente impossível de obstar de outra maneira. No entanto, aplicando esse critério, chega-se à conclusão de que não havia um ataque iminente por parte do Irã à Israel.
Matthias Goldmann
Goldmann pondera que o simples fato de um país possuir arma nuclear não justifica os ataques e compara o conflito ao período da Guerra Fria. "Veja só a Guerra Fria: ambos os lados tinham armamentos nucleares e confiavam no princípio da destruição mútua assegurada, em que um não dispara a sua arma, porque sabe que o contra-ataque será fatal. Por isso o mero fato de possuir armas nucleares, em si, não pode ser considerado um ataque iminente".
Israel não comprovou, até o momento, que haveria uma ameaça nuclear iminente por parte do Irã. Apesar dos anos de retórica ameaçadora entre Teerã e Tel Aviv, considera-se altamente improvável que os iranianos fossem disparar uma arma atômica em junho. Além disso, o serviço secreto americano sugere que o Irã ainda estava a três anos de desenvolver uma bomba atômica. Por sua vez, apesar de possuir um arsenal atômico de proporções desconhecidas, Israel nunca assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, e não admite inspeções internacionais.

Ameaça nuclear permite interpretação mais liberal do conceito de legítima defesa, diz professor de direito público. Em artigo publicado na plataforma Articles of War, da academia militar americana West Point, Michael Schmitt diz que uma das precondições para um ataque em autodefesa é o país ter esgotado todas as alternativas, e havia negociações em curso entre o Irã e os EUA no momento da ofensiva israelense.
EUA propuseram fim do programa nuclear iraniano. Nos últimos meses, o presidente Donald Trump pediu a Teerã que interrompa completamente o enriquecimento de urânio em troca da criação de um grupo regional para produzir energia nuclear, que incluiria Irã, Arábia Saudita e outros países do Oriente Médio, além dos EUA. Em meio às negociações, porém, Tel Aviv atacou Teerã e iniciou a guerra.
Marko Milanovic, professor de direito internacional da Universidade de Reading, Reino Unido, aponta outro motivo por que, para a maioria dos especialistas, tratou-se de um ataque ilícito. Ele diz que a lei de autodefesa foi criada com fins restritivos: "A questão é minimizar a necessidade de recorrer à força, não criar brechas legais para qualquer Estado que goste de bombardear os outros poderem explorar".
Considerar que a ofensiva israelense é parte de conflito maior muda o argumento legal, dizem professores israelenses de direito. Em artigo publicado no site Just Security, Amichai Cohen e Yuval Shany concordam que um ataque em legítima defesa seria ilegal mas dizem que o ataque de 13 de junho "teria acontecido num contexto definido de outra forma".
Regras de combate indispensáveis
"Nem tudo é válido na guerra depois que o combate começa". O alerta é de Tom Dannenbaum, professor de direito internacional da Fletcher School of Law and Diplomacy da Universidade Tufts, de Boston. "Há um quadro legal cuidadosamente calibrado que se aplica a ambos os lados", salienta.
As partes não podem visar indivíduos ou objetos civis. "Os objetos só se tornam alvos militares quando, por sua natureza, localização ou uso, contribuem efetivamente para ações militares." No tocante à investida israelense contra cientistas nucleares iranianos em seus lares, por exemplo, juristas argumentam que trabalhar num programa armamentista não transforma alguém automaticamente num combatente.

Os bombardeios iranianos também mataram civis em Tel Aviv. "Mesmo ao visar alvos militares, as partes devem tomar todas as precauções concebíveis para minimizar os danos civis", reforça Dannenbaum. "E não devem atacar, se o dano civil previsível for excessivo em relação à vantagem militar prevista."
É difícil prever se casos assim algum dia chegarão a juízo. Goldmann, Dannenbaum e Milanovic concordam que há um potencial para casos análogos serem apresentados perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, ou talvez o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo. "Porém a maioria dessas questões de uso de força não chega a tribunal", explica Milanovic: "Elas são resolvidas de outras formas, são políticas demais, ou grandes demais", e por fim costumam ser resolvidas no âmbito da diplomacia internacional.
Para muitos juristas, um dos aspectos mais preocupantes é o aparente apoio estatal implícito de parte da comunidade internacional à definição israelense - muito provavelmente ilegal - de legítima defesa. Por exemplo, mesmo sem se referirem especificamente à ofensiva de 13 de junho contra o Irã, as declarações do governo alemão contêm alguma versão da frase "Israel tem o direito de se defender". "É claro que Israel tem o direito de se defender, mas esse direito é limitado pelo direito internacional", rebate Milanovic.

Há um motivo para as regras sobre autodefesa serem estritas, como explicam ele e Goldmann: tentar ampliá-las - por exemplo, argumentando que se tem direito de atacar uma outra nação porque ela o atacou vários anos atrás, ou porque poderá atacar daqui a alguns anos - é receita certa para miná-las, juntamente com todo o sistema de direito internacional.
No passado, por exemplo, a comunidade internacional se manifestou na controvérsia sobre a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, com base em alegações de que o país árabe possuiria "armas de destruição em massa". E "na verdade, o argumento legal da Rússia [para invadir a Ucrânia] é muito semelhante a esse argumento israelense", aponta Milanovic. "Se você ler o discurso de [presidente russo, Vladimir] Putin na véspera da invasão de 2022, ele basicamente dizia que, em algum momento no futuro, a Ucrânia e a Otan vão nos atacar, e é por isso que estamos agindo assim. Mas isso não é realmente legítima defesa. Aqui se trata de que, digamos: você não gosta de alguém, pensa que é uma ameaça, e por isso acha que tem o direito de declarar guerra contra ele. Isso não é o que diz o direito internacional".
*Com informações das agências DW e Reuters
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