Após queda de chefes da máfia italiana, jovens lutam por controle do tráfico

Pablo Ordaz

Em Nápoles (Itália)

  • Cesare Abbate/Efe - 11.set.2015

    Multidão acompanha funeral de Gennaro Cesarano em Nápoles (Itália), no último dia 11. Genny, 17, foi enterrado em meio a um forte esquema de segurança, depois de morrer em um tiroteio com a polícia

    Multidão acompanha funeral de Gennaro Cesarano em Nápoles (Itália), no último dia 11. Genny, 17, foi enterrado em meio a um forte esquema de segurança, depois de morrer em um tiroteio com a polícia

O cartaz que alguns adolescentes acabam de colocar sobre a fachada da igreja de San Vincenzo diz "Genny vive", mas não é verdade. Gennaro Cesarano, 17 anos recém-completos, foi morto há duas semanas em um domingo aqui, junto da oliveira anã, no meio da madrugada, ainda não se sabe se por uma bala perdida ou por um projétil disparado com muita pontaria. A polícia italiana calcula que cerca de 2.000 jovens napolitanos, distribuídos entre quatro grupos de tipo mafioso, protagonizam atualmente uma luta encarniçada pelo controle do tráfico de drogas e de extorsão, depois da queda nos últimos anos dos grandes chefes da Camorra --a máfia napolitana.

Genny estava passando um momento com seus amigos quando um grupo de rapazes da mesma idade, a bordo de motocicletas e empunhando armas semiautomáticas, fizeram o que já está se transformando em um costume nos bairros violentos de Nápoles: irromperam na praça, dispararam até esvaziar seus carregadores e se foram por onde haviam vindo, sem que a polícia --que não costuma aparecer no bairro-- nem os moradores de La Sanità conseguissem ver um rosto, uma placa, alguma coisa. Se há algo que funciona perfeitamente nos bairros dominados pela Camorra é o silêncio. Um silêncio que vale ouro onde a vida não vale nada.

Tonino Cesarano me recebe de pé, vestido de preto, em um quarto andar sem elevador de uma rua famosa porque em 1898 ali nasceu Antonio De Curtis, Totò, um dos gênios mais queridos do cinema italiano. "Eu estava em Roma por uma questão de trabalho", lembra o pai de Genny, "e ainda não tinha amanhecido quando tocou o telefone e me disseram que tinham matado meu filho. Essa é a única verdade. Tudo o mais que se diz por aí são bobagens." O que se diz é que talvez não fosse uma bala perdida --a consequência dramática do perigoso jogo que virou moda em Nápoles--, mas que talvez os bandidos procurassem Genny, que, apesar de sua juventude, já havia tido algum choque com a lei. "A versão do ajuste de contas", diz o pai à beira das lágrimas, "é a mais cômoda. Assim nem a polícia nem a imprensa nem ninguém tem de entrar fundo no problema."

O fundo do problema é que em La Sanità, como em tantos outros bairros de Nápoles, o estado quase não existe. "Dos 70 mil moradores", explica o padre Alex Zanotelli, um missionário que viveu muitos de seus 77 anos na África e que há uma década luta para envolver as instituições no resgate da cidade, "70% estão desempregados, não há nenhuma creche, o único colégio que existe é o segundo da Itália com mais fracasso escolar, a saúde é um desastre e a polícia nem sequer aparece. Há pouco consegui convencer o chefe da polícia local a mandar uma patrulha a pé para que pelo menos as pessoas cumprissem algumas normas. Disse-me que sim, mas com uma condição. Que também mandassem dois agentes dos carabinieri para escoltar os seus municipais. Como se pode imaginar, não vieram nem os municipais nem os carabinieri. A degradação do bairro e a falta de futuro fazem que os jovens vivam na rua sem outra coisa para fazer além do tráfico. Para muitos deles, a única saída, a única cultura e a única lei são as da Camorra."

A situação que o padre Alex descreve não é nova nem exclusiva do bairro de La Sanità, mas ninguém lembra uma guerra sem quartel de tais proporções, de bandos de jovens armados que de repente, à luz do dia ou no meio da noite, param na frente de uma casa, de uma loja, de um grupo de pessoas reunidas, e esvaziam seus carregadores em sinal de advertência, ou talvez só como demonstração de poder. Apesar de a polícia ter se recusado a oferecer uma versão oficial até que se esclareça o caso de Genny, um investigador veterano traça um perfil do fenômeno.

"Eu creio", explica, pedindo que seu nome não seja publicado, "que não se trata de camorristas, mas de 'gomorristas'. Mais que filhos da Camorra, são filhos da ficção, do filme 'Gomorra', da série baseada no livro de Roberto Saviano. Imitam a forma de falar, de se vestir, de se comportar dos mafiosos da tela. Embora seja verdade que surgem de um vazio de poder --os históricos chefes da máfia napolitana estão na prisão e ainda não há sucessores claros que distribuam o poder-- estas paranzas [os grupos usam o nome do pequeno prato napolitano de peixe frito] têm um comportamento muito diferente. O objetivo da Camorra verdadeira é fazer negócios sem fazer barulho. Só disparam quando é necessário. Estes de agora são infantis, idiotas, fazem barulho e não fazem negócios. Cresceram em um ambiente criminoso cuja única saída é essa, ser um criminoso."

Junto da oliveira anã na praça de La Sanità, ainda permanecem os gorros, as camisas do Nápoles, os terços e os balões vermelhos em forma de coração dedicados à memória de Genny. Alguns de seus amigos resumem como é a vida no bairro: "Um nojo". Depois riem, arrancam com suas motos e escapam a toda pressa. De três em três. Sem capacetes e pela calçada.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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