Lobos reconquistam Chernobyl antes dos homens
Javier Salas
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Sergei Gashchak/Reprodução
Imagens de vida selvagem capturadas pelo cientista Sergei Gashchak na zona de exclusão situada entre a Ucrânia e a Belarus, que foi fechada para habitantes após o desastre
Muito antes de os soviéticos construírem, na divisa da Ucrânia com a Belarus, a central nuclear de Chernobyl, na década de 1970, lobos, alces e javalis percorriam os bosques e campinas do que é hoje a zona de exclusão, onde não vivem pessoas desde 1986, quando ocorreu o pior acidente nuclear da história. Três décadas depois, os animais ocuparam o vazio deixado pelas 116 mil pessoas removidas para sempre de um território de 4.200 quilômetros quadrados. Hoje, graças ao desaparecimento do ser humano da região, nela vivem mais mamíferos grandes do que antes da tragédia atômica.
Um grupo internacional de biólogos esteve trabalhando na área, sobrevoando-a e realizando contagem de animais para saber como a radiação afetou as populações, essencialmente na Reserva Radioecológica de Polesia, criada pela Belarus na região mais afetada pelo material radioativo. Partiam de três hipóteses: que haveria menos animais nas áreas mais contaminadas; que haveria menos mamíferos de grande porte em Polesia do que em outras reservas não contaminadas; e que se notaria um declínio na densidade de mamíferos ao longo do tempo depois do acidente. As três hipóteses estavam erradas. Os animais se desenvolvem por toda a reserva, independentemente dos valores de contaminação, e cada vez em maior número, também em comparação com outras regiões.
"Nosso trabalho mostra que, apesar dos possíveis efeitos da radiação sobre animais individuais, não é possível detectar um efeito sobre as populações de mamíferos", explica Jim Smith, líder do estudo. E acrescenta: "Este é um exemplo notável do efeito da presença humana e seu uso do entorno: seu desaparecimento da zona de Chernobyl permitiu que os animais prosperassem". Segundo os dados publicados na edição de outubro da revista "Current Biology", a quantidade e a densidade de grandes mamíferos é semelhante em Polesia e em outras reservas não contaminadas da região. Em alguns casos, a ausência de humanos provocou um aumento acelerado: há sete vezes mais lobos do que em reservas próximas e mais alces que o normal, com javalis, corças e cervos em níveis semelhantes.
A chamada "zona morta" tem mais fauna que nunca, e os cientistas veem uma resposta clara: "É simplesmente porque não há presença humana", responde Smith, da Universidade de Portsmouth. "Apesar de ter havido um pouco de caça regulamentada de lobos, para controlar sua população, a pressão humana em outras reservas naturais é maior, e por isso temos maior presença de lobos em Chernobyl", resume. Só no entorno do que é hoje a reserva de Polesia, viviam cerca de 22 mil pessoas, e os pesquisadores estão convencidos de que hoje o número de animais ali é maior do que antes do acidente. Outros cientistas afirmaram que até o urso pardo, que tinha desaparecido da área há um século, retornou. Quanto às aves, foi detectado um efeito negativo nas populações.
Depois de analisar dados históricos, os pesquisadores concluíram que não ocorreu um declínio nos anos posteriores à tragédia, somente nos primeiros seis meses depois do incêndio do reator, quando os níveis elevados de radiação afetaram a saúde e a reprodução. "Mas não em longo prazo", salienta o estudo, que se concentra nas tendências das populações e não nas afecções particulares que cada animal poderia sofrer. Os cientistas lembram em seu trabalho que em meados da década de 1990 já foi publicado outro estudo sobre pequenos mamíferos com conclusão idêntica: sua presença havia se mantido, apesar da radiação.
Ainda hoje, quase 30 anos depois, animais em lugares tão distantes da central nuclear como Alemanha ou Noruega continuam dando altos níveis de exposição à radiação em seus organismos, o que provocou políticas voltadas a evitar o consumo de caça ou a vigiar estreitamente sua condição. Os responsáveis por esse trabalho estão agora estudando os possíveis efeitos reprodutivos ou genéticos da radiação nos peixes de lagos contaminados por Chernobyl, incluindo o tanque de refrigeração da usina. "Apesar de não acreditarmos que a radiação não afeta as populações de animais, estamos interessados em efeitos mais sutis sobre os indivíduos", esclarece Smith.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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