Suíça inaugura primeiro refúgio na Europa para eletro-sensíveis

Solène Cordier

À primeira vista, não há nada de diferente nesse prédio residencial do subúrbio de Zurique (Suíça), comparado com os que o cercam. Situado na parte elevada do tranquilo bairro de Leimbach, suas paredes cor de areia são cercadas por um amplo jardim de relva. As grandes árvores da floresta de Entlisberg, no alto da montanha ao lado, estendem sua sombra pela vizinhança.

Foi por causa desse contexto privilegiado que o prédio, destinado a abrigar pessoas que sofrem de sensibilidade química múltipla (MCS) e de eletro-sensibilidade, foi construído ali. "No começo havia cinco lugares em estudo", conta Christian Schifferle, iniciador do projeto. "Através de medições foi possível saber que este local tinha pouquíssima radiação, graças à montanha aqui perto, que fornece proteção." A ausência de antenas também era uma condição prévia para a construção, bem como a qualidade do ar.

Enxaqueca, fadiga crônica, dificuldade de concentração, problemas respiratórios, depressão, intolerância alimentar... a lista de problemas dos 14 habitantes é vertiginosa. "Não suportamos as emanações de produtos químicos e a emissão de ondas eletromagnéticas provenientes das redes sem fio", resume Schifferle.

O homem de 59 anos diz ser hiperalérgico e eletro-sensível desde criança. Suas dores o obrigaram a viver longos períodos na floresta, recluso em um trailer com as paredes recobertas por papel alumínio. Na época, todos os cheiros o agrediam: perfume, produtos de limpeza, tinta, fumaça de cigarro... Aos 35 anos de idade, ele descobriu pelos jornais que outras pessoas sofriam dos mesmos sintomas, que, ao atingirem um nível crítico, obrigam os doentes a interromperem qualquer tipo de vida profissional e social. Christian, que tem como única fonte de renda sua pensão por invalidez, decidiu fazer do reconhecimento de sua patologia sua luta.

"Hoje esse prédio simboliza nossa saída da invisibilidade", ele diz emocionado, ainda que nem na Suíça nem na França a MCS e a eletro-hipersensibilidade sejam reconhecidas oficialmente como doenças.

Custo total de 4,9 milhões de euros

Concluído em dezembro de 2013, esse primeiro prédio antialergênico da Europa custou 6 milhões de francos suíços (quase R$ 15 milhões), sendo que os materiais e as tecnologias usadas elevaram em cerca de 25% seu custo, comparado com um prédio convencional de Zurique. A cooperativa presidida por Christian Schifferle recebeu apoio da prefeitura, que forneceu o terreno de 1.200 metros quadrados e uma ajuda financeira.

Quando se entra no prédio, alguns detalhes entregam sua particularidade. As paredes das áreas comuns pintadas de cal, os tetos em concreto bruto e o chão em pedra passam uma impressão de obra inacabada. Os materiais naturais foram privilegiados pelos arquitetos, que receberam a ajuda de um químico durante toda a obra.

"Foi o gesso usado nas paredes que mais nos deu trabalho. Foi preciso reduzir os aditivos para que fosse tolerável para os moradores", explica o arquiteto Andreas Zimmermann.

Para protegê-los das ondas eletromagnéticas, foram colocadas barras em fibra de vidro, sempre que possível, no lugar das armaduras metálicas normalmente usadas. Na entrada de cada apartamento, está prevista a instalação de um compartimento hermético para tirar roupas com muitos odores, e cada cômodo é equipado com um sistema de purificação do ar. No subsolo, ao lado da máquina de lavar coletiva, estão dispostos os produtos de limpeza autorizados, todos com o rótulo "sem perfume" e "sem corantes".

Na véspera de nossa chegada, Schifferle havia explicado as regras: celular, fumaça nem perfume são tolerados dentro do prédio.

"Tenho dois smartphones, mas eles ficam quase o tempo todo no modo 'avião'. Uso para tirar fotos, uma de minhas paixões", brinca Christian.

Para as conversas relacionadas à sua atividade de presidente da cooperativa e de uma fundação destinada ao reconhecimento da MCS e da eletro-sensibilidade, ele usa um telefone fixo e um computador conectado à internet por cabo.

Além disso, um revestimento especial recobre todos os cabos elétricos do edifício, que possui um mínimo de tomadas. Diferentemente de outros eletro-sensíveis, a intolerância dos moradores às ondas se dá somente às linhas de alta frequência (celular e Wi-Fi).

Vida social inexistente

Para Christian e seus 13 vizinhos, esse lugar serve de refúgio. Concebido como uma gaiola de Faraday, ele permite que todos recarreguem suas energias e possam voltar às suas atividades normais.

Marc (seu nome foi alterado) tem 32 anos. Originário de Freiburg, se instalou no local em abril. Assim como Christian, ele recebe uma pensão por invalidez cujo motivo não é a eletro-sensibilidade nem a MCS. No entanto, após vários episódios, ele chegou à conclusão de que seu estado de esgotamento se devia muito provavelmente à exposição às ondas e aos produtos químicos. "Fui diagnosticado com distúrbios de ansiedade, mas acho que essa não é a causa, mas sim uma consequência de minha fragilidade", ele explica.

Vítima desde criança de graves problemas digestivos, de fadiga crônica e alergias alimentares, Marc teve de interromper seus estudos aos 22 anos. Ele nunca conseguiu manter um trabalho por mais de alguns meses. Há um ano, descobriu que seu estado melhorava nitidamente quando não tinha contato com ondas. "Dormi várias vezes no porão de meus pais, depois fui viver por algum tempo em uma fazenda no Jura", ele conta, antes de descobrir, por meio de seu irmão, sobre a existência do projeto do prédio de Leimbach e de se candidatar a uma vaga.

Desde que se mudou para lá, ele tem a impressão de que seu estado de saúde melhorou ligeiramente. Para sua surpresa, ao chegar a Leimbach ele encontrou várias pessoas de sua idade. Entre seus novos vizinhos está uma jovem de 28 anos que se mudou para lá no começo do ano com seu companheiro, que não sofre de nenhuma patologia.

Com exceção deste último, todos os moradores do prédio tiveram que comprovar seus sintomas, apresentando um atestado médico, para conseguir um apartamento. Também se deve atender a critérios sociais para receber uma moradia, cujo aluguel mensal oscila entre 1.300 e 1.700 francos suíços (R$ 3 mil a R$ 4.200), coberto em grande parte pela Prefeitura de Zurique.

A prefeitura está aguardando os resultados do estudo de avaliação conduzido pela universidade de Berna junto aos moradores desse projeto-piloto para possivelmente repetir a experiência. Christian Schifferle já viu outros terrenos em Tessin e na França, na Côte d'Azur.

"Para pessoas como nós, seria formidável imaginar que é possível sair de férias", ele diz sorrindo.

Tradutor: UOL

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