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Opinião: Pode parecer que não, mas houve interferência nas eleições americanas deste ano

Donald Trump chega para entrevista coletiva após as eleições de meio de mandato - Mandel NGAN / AFP
Donald Trump chega para entrevista coletiva após as eleições de meio de mandato Imagem: Mandel NGAN / AFP

Joshua A. Geltzer

08/11/2018 04h00

Com as eleições de 2018 para trás, muitos de nós estão suspirando em alívio. Aqueles acompanhando atentamente pela perspectiva de ampla interferência eleitoral estão indicando que, apesar dos temores de tudo, desde alteração de votos à disseminação de desinformação, as eleições de novembro de 2018 viram relativamente pouca interferência, ou no mínimo menos do que ocorreu em 2016. É verdade que não ocorreram relatos críveis de alteração de fato de votos, do tipo que colocaria em dúvida o resultado eleitoral, o que é tranquilizador. Mas, ao todo, é infelizmente equivocado sugerir que esta temporada de campanha eleitoral e estas eleições estiveram livres de interferência. Isso se deve a pelo menos três motivos.

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Primeiro, considere as mudanças nas táticas russas para chegar ao público americano. Plataformas de redes sociais como o Facebook e o Twitter intensificaram seus esforços para tratar da interferência eleitoral e, ao fazê-lo, atrapalharam, ao menos até certo ponto, as tentativas de Moscou de repetir suas táticas de 2016, como a construção de perfis falsos com grande número de seguidores. Mas não se engane: o Kremlin se adaptou. Com um gama maior de fontes de desinformação, de sites recém-criados a um maior número de contas nas redes sociais, cada uma com um número menor de seguidores, de modo geral a Rússia parece ter interferido mais no diálogo democrático em 2018 do que em 2016, não menos. Esse é o infeliz e perturbador estado das coisas que Jonathon Morgan e Ryan Fox, importantes especialistas, documentaram por meio de pesquisa e análise extensas.

Segundo, considere o amadurecimento da abordagem russa em comparação ao que fez em 2016. A cobertura da interferência nas eleições de 2018 tendia a se concentrar em se candidatos específicos foram favorecidos pelas operações de influência online, se votos em particular foram alterados, ou se circulou desinformação sobre se, quando e como votar no dia das eleições. Mas mesmo que tenha ocorrido menos disso do que alguns esperavam, o diálogo democrático que antecedeu as eleições de 2018 foi sem dúvida infectado pela influência russa. Pense nos grandes temas que dominaram o discurso político durante esse período, incluindo o #ReleaseTheMemo (publiquem o memorando), as audiências de Kavanaugh e a imigração. Esses assuntos geraram brigas políticas significativas no período que antecedeu as eleições. Como foi bem documentado em cada um desses assuntos, as discussões online sobre todos eles foram polarizadas, agravadas e, em alguns casos, até mesmo movidas por campanhas de influência online apoiadas pelo Kremlin. Em outras palavras, basta recuarmos um pouco e a interferência eleitoral em 2018 entra em foco. E também há a interferência potencial que aparentemente evitamos por pouco neste ciclo eleitoral, como mostrado pela Rússia ter estabelecido as bases para disseminar desinformação sobre ampla fraude eleitoral em Estados indefinidos, onde os democratas tinham a possibilidade de conquistar ganhos maiores do que no final se materializaram.

Terceiro, considere as contrapartes domésticas às artes sombrias da desinformação da Rússia. A experiência americana em 2016 nos treinou para nos concentrarmos na interferência eleitoral estrangeira, em particular. Mas não são apenas estrangeiros que podem disseminar desinformação online em um esforço deliberado para distorcer nossa democracia. Os americanos também podem distorcer e enganar outros conterrâneos e estão cada vez mais fazendo isso, seguindo o exemplo de agentes estrangeiros hostis. Ao fazê-lo, eles colocam os americanos uns contra os outros em assuntos deturpados, como a chamada caravana de imigrantes e suposta influência do bilionário George Soros, como foi poderosamente documentado nesta semana no jornal "The Washington Post". Além disso, online não há uma separação clara entre as campanhas de influência estrangeiras e domésticas. Em vez disso, em nossa era digital, essas vozes cruzam as fronteiras nacionais e ecoam, amplificam e alimentam umas às outras.

Assim, dê um breve suspiro de alívio pelos resultados eleitorais de terça-feira parecerem, em um senso direto, resultados que podemos e devemos honrar. Como já enfatizei antes, mantenha um ceticismo saudável em relação a quaisquer alegações do contrário, a menos que baseadas em evidência clara e concreta, especialmente se tais alegações parecerem politicamente motivadas. Mas não pense que limpamos nosso sistema e discurso político da mancha da interferência eleitoral. Ela ainda está acontecendo e pode muito bem estar aumentando. Quanto muito, nós não a vimos por estar se entranhando de forma insidiosa e contínua em nossos debates nacionais, em vez de apenas se materializando em prol de candidatos específicos às vésperas do dia da eleição. E esse status quo, no qual nós como americanos nem mesmo notamos que nossas maiores discussões políticas estão sendo alimentadas por desinformação criada em casa e no exterior, deve ser desconcertante e deveria exigir uma resposta melhor por parte do governo, do setor de tecnologia e da sociedade civil nos próximos meses, especialmente com as eleições de 2020 de repente entrando em foco.