Republicanos querem transformar campanha em luta de brancos contra negros
A campanha presidencial republicana está inundando as ondas de rádio e televisão com propagandas que veiculam dois temas cujo objetivo é transformar a corrida presidencial em uma competição carregada de questões raciais, jogando os eleitores brancos da classe média contra as minorias étnicas pobres.
As propagandas que acusam o presidente Barack Obama de ter abolido as exigências de procura de emprego instituídas na reforma do welfare (estado de bem-estar social, um sistema de auxílios sociais a populações carentes) de 1996 apresentam o primeiro tema. E aquelas que alegam que Obama retirou US$ 716 bilhões do Medicare – programa que atende preponderantemente ao eleitorado branco – a fim de fornecer cobertura à população pobre, que é majoritariamente negra e hispânica, apresentam o segundo. A ideia é que as duas propagandas funcionem em conjunto, para reforçarem as suas alegações mútuas.
O locutor em uma das propagandas de televisão de Mitt Romney sobre a questão da previdência diz: “Em 1996, o presidente Bill Clinton e um congresso dividido entre os dois partidos acabaram com o sistema de welfare conforme nós o conhecemos ao exigirem que o indivíduo trabalhasse para ter direito aos benefícios. Mas, no dia 12 de julho, o presidente Obama anunciou discretamente um plano para acabar com a reforma do welfare ao extinguir a exigência de trabalho. Segundo o plano de Obama, o indivíduo não será mais exigido que o indivíduo trabalhe ou estude para se capacitar para um determinado emprego. Ele simplesmente receberá um cheque da previdência sem exigência alguma. E isso representa um retrocesso rumo ao antigo sistema de welfare. Mitt Romney restaurará a exigência de trabalho, porque ela funciona”.
Mas websites dedicados a verificar se isso é verdade têm criticado duramente a propaganda republicana.
Glenn Kessler, um analista do “Washington Post”, deu a essa propaganda a sua classificação mais baixa, “quatro Pinóquios”. E o “Polifact” do “Tampa Bay Tribune”, foi igualmente severo, descrevendo a propaganda como “uma distorção drástica” e concedendo a ela o seu “troféu da mentira”.
As críticas contundentes não impediram que a campanha de Romney prosseguisse com a sua ofensiva, já que a veracidade das propagandas é irrelevante para a chapa presidencial republicana. O objetivo dos republicanos não é apresentar uma crítica legítima, mas sim retratar Obama como um indivíduo que está disposto a distribuir dinheiro público aos “não merecedores” indivíduos pobres à custa dos contribuintes que trabalham arduamente.
Se Romney se mostrar capaz de reacender os sentimentos contrários aos auxílios do welfare, ele poderá aumentar a motivação entre o eleitorado branco, cujo entusiasmo pelo candidato republicano sofreu uma queda devido à onda de propagandas de Obama criticando a Bain Capital por ter demitido funcionários e terceirizado empregos durante a gestão de Romney como diretor executivo da companhia.
A natureza racial das propagandas de Romney sobre a questão do welfare é relativamente explícita. Mas as propagandas republicanas sobre o Medicare são um pouco mais sutis.
“Você paga o Medicare durante anos – a cada contracheque. Agora, quando você precisa dele, Obama vem e corta US$ 716 bilhões do programa”, começa a propaganda, que traz na tela a foto de um homem branco idoso. “E por que isso? Para financiar o Obamacare. Portanto, agora o dinheiro que você pagou para garantir os seus serviços de saúde será desviado para um novo programa governamental maciço que nada tem a ver com você”.
Em suma, a propaganda está dizendo aos eleitores idosos que o dinheiro que eles pagaram para garantir o seu acesso ao Medicare após completarem 65 anos de idade, irá, em vez disso, financiar serviços de saúde gratuitos para indivíduos pobres que têm menos de 65 anos.
As propagandas de Romney sobre o Medicare têm dois objetivos. O primeiro é neutralizar os ataques feitos pela campanha de Obama contra a proposta da chapa Romney-Ryan de transformar radicalmente a maneira como são fornecidos os serviços de saúde para os indivíduos com mais de 65 anos. A agência de notícias “Associated Press” descreveu sucintamente a proposta da chapa Romney-Ryan: “A partir de 2023, os recém-aposentados do grupo de indivíduos mais novos (aqueles que em 2012 têm menos de 55 anos de idade) receberão uma quantia fixa do governo para que possam optar ou por um seguro saúde particular ou por um plano federal inspirado no Medicare”.
As pesquisas nacionais e nos Estados indecisos revelam que, neste momento, os eleitores confiam mais em Obama do que em Romney para lidar com o Medicare, e preferem nitidamente que o Medicare seja deixado do jeito que está.
A propaganda de Romney sobre o Medicare foi feita para minar essa vantagem potencialmente crucial de Obama. Ela é elaborada de maneira a transformar a questão do sistema de saúde em uma batalha por uma quantidade limitada de dólares travada entre uma população de idosos predominantemente brancos que recebem Medicare e um grupo demográfico desproporcionalmente composto de minorias étnicas, que atualmente encontra-se sem seguro saúde, e que obteria tal cobertura por meio do Obamacare.
A mudança de foco por parte da campanha de Romney para a questão da previdência e do Medicare indica que os estrategistas republicanos temem que simplesmente criticar a incapacidade de Obama de enfrentar a crise econômica não seja suficiente para possibilitar uma vitória republicana no dia 6 de novembro.
A importância para a chapa Romney-Ryan de dois eleitorados que se sobrepõem – os eleitores brancos com diploma universitário e os beneficiários brancos do Medicare – é simplesmente enorme. Romney, dando continuidade à abordagem usada pelos republicanos em 2010, está apostando em um enorme comparecimento às urnas de segmentos brancos do eleitorado a fim de contrabalançar a popularidade de Obama junto aos eleitores de minorias étnicas, bem como entre os jovens e as eleitoras solteiras de todas as raças.
No dia 23 de agosto, o instituto de pesquisas de opinião Pew Research divulgou os resultados de uma nova pesquisa que revela que 89% dos eleitores que se identificam como republicanos são brancos. Ao ver-se diante de uma probabilidade pequena ou nula de conquistar votos junto ao eleitorado negro e hispânico – cujo apoio a Obama continua forte –, a campanha de Romney não tem outra escolha a não ser adotar a estratégia de estimular o aumento do índice de comparecimento às urnas dos eleitores brancos.
O resultado disso é uma campanha que corre em dois níveis. Nos comícios, o candidato republicano a vice-presidente, Paul Ryan, argumenta: “Nós faremos disso uma disputa eleitoral travada em torno de ideias. A nossa campanha dirá respeito a uma visão positiva sobre o futuro”. Entretanto, na televisão e na Internet, a campanha de Romney está claramente determinada a fazer com que a campanha diga respeito à questão racial, seguindo a tradição da famosa propaganda do republicano Willie Horton, em 1988, que descreveu o estupro de uma mulher branca por um criminoso negro condenado pela justiça, que se encontrava preso em uma penitenciária de Massachusetts, mas que recebeu liberdade condicional durante a administração estadual do candidato presidencial democrata Michael Dukakis.
“Essas propagandas sobre a questão do welfare estão machucando os democratas”, disse recentemente Steven Law, presidente do super comitê presidencial republicano American Crossroads, ao jornal “The Wall Street Journal”. Mas as pesquisas de opinião conduzidas por Law indicam que não existe certeza de que esse tema gerará resultados para os republicanos. “A economia anda tão ruim para os norte-americanos de classe média que as mesmas pessoas que criticam o aumento da dependência do welfare durante o governo Obama não endossam automaticamente uma posição do tipo 'vá à luta e arrume um trabalho' - por saberem que não existem empregos”.
Como chefe de um comitê independente sobre gastos do governo, Law não pode se engajar em uma coordenação direta com a campanha de Romney. No entanto, ele faz uma advertência. “A questão do welfare tem que ser utilizada de forma sensível. Neste momento essa pode ser uma questão mais econômica do que de valores. Ou seja, o fato de haver mais gente recebendo cheques do welfare é mais um sintoma preocupante da economia arrasada do governo Obama, e não um motivo para criticar aqueles que estão recebendo esses cheques nem a cultura do sistema de welfare como um todo”.
Mas será que a campanha de Romney seguirá o conselho de Law no sentido de fazer uso dessa questão de uma forma sensível? Dificilmente, afinal, o principal consultor de mídia do super comitê republicano pró-Romney “Restaurem o Nosso Futuro”, que lançará várias propagandas anti-Obama nas próximas duas semanas, é Larry McCarthy, o criador da propaganda original de Willie Horton em 1988.
(*) Thomas B. Edsall é professor de jornalismo da Universidade Columbia, e autor do livro “The Age of Austerity: How Scarcity Will Remake American Politics” (“A era da austeridade: como a escassez está refazendo a política americana”), que foi publicado no início deste ano
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