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Comentários de Romney e Obama revelam estereótipos assustadores cultivados pelos ricos nos EUA

Ross Douthat

20/09/2012 06h00

Seriam os agora famosos comentários de Mitt Romney, proferidos em maio passado durante um jantar para a arrecadação de fundos de campanha –quando ele pareceu tachar de inúteis 47% dos norte-americanos, que em sua visão seriam parasitas sem respeito próprio–, uma janela para o evasivo “Romney real” e prova de que sua aparente fachada de moderado sempre foi um embuste?

Quem poderia saber? Romney construiu sua carreira, nos negócios e na política, dizendo às pessoas o que elas queriam ouvir com a intenção de persuadi-las a deixa-lo gerenciar seus problemas. Ele é um homem que tentou se posicionar à esquerda de Ted Kennedy durante a disputa entre os dois, em 1994, ao senado norte-americano pelo Estado de Massachusetts – e à direita do governador do Texas, Rick Perry, em 2012. A ideia de que Romney revelaria suas verdadeiras crenças políticas a um grupo de pessoas que ele estava tentando agradar, persuadir e assustar para que lhe dessem mais dinheiro pode ser atraente para seus críticos, mas não é necessariamente convincente.

No entanto, o que esses comentários realmente nos dizem é o que Romney –o consultor sênior– acredita que seus “clientes” da base de doadores republicana querem ouvir a respeito desta eleição, e o que os inspirará a enfiar a mão no bolso e a doar sem restrições a sua causa eleitoral. Considerando-se que esses instintos estejam corretos, os comentários de Romney ajudam a iluminar a maneira como muitos norte-americanos abastados se sentem em relação a seus compatriotas menos afortunados – e esse pensamento não é uma coisa nada bonita de se ver.

Como muitas pessoas ressaltaram, os comentários de Romney são um eco direitista ao até então mais famoso vazamento de informações já ocorrido em um evento para a arrecadação de fundos de campanha: os comentários de Barack Obama proferidos em São Francisco em abril de 2008. Na ocasião, ele descreveu os eleitores da classe trabalhadora que resistiam aos seus encantos como pessoas “amargas”, que “se agarravam às armas e à religião” e viam os imigrantes como bodes expiatórios devido ao fato de a economia dos Estados Unidos tê-los decepcionado.

Romney diz que 47% dos americanos dependem do governo

Em ambos os casos, um candidato à presidência estava falando a respeito dos mais pobres para uma sala cheia de pessoas ricas. Em ambos os casos, as palavras dos candidatos refletiam exatamente os estereótipos assustadores que os ricos cultivam a respeito de um modo de vida do qual não compartilham e que não compreendem.

Para os republicanos abastados, o estereótipo tem tudo a ver com dinheiro: eles têm recursos, enquanto os outros norte-americanos não –e esses ressentidos e autorizados a votar podem ter votos suficientes para travar uma luta de classes e redistribuir os suados milhões dos doadores aos indolentes e irresponsáveis.

Para os democratas abastados, o estereótipo gira em torno das guerras culturais: eles acreditam ter construído uma sociedade iluminada, liberada de crenças arcaicas e de problemas antigos. Mas, mesmo assim, os seguidores malucos de Jesus que habitam os rincões do país estão se mobilizando para restaurar a sociedade patriarcal.

Ambos os grupos de doadores parecem ser assombrados por cenários distópicos, nos quais as massas se levantariam e destruiriam tudo o que a elite construiu. Para os republicanos, a distopia é representada (inevitavelmente) pelo livro “Atlas Shrugged”. Para os liberais, ela é representada em parte pelo livro “Turner Diaries” e em parte por “Handmaid’s Tale”.

Na realidade, a forma como Obama e Romney empregaram esses estereótipos não são equivalentes. Ambos os comentários feitos a portas fechadas se mostraram profundamente condescendentes, mas apenas Romney classificou explicitamente como inúteis as pessoas que estava descrevendo. Como observou William Saletan, da revista “Slate”, Obama encaixou sua descrição das pessoas apegadas aos sentimentos de amargura em um discurso mais longo sobre por que era importante que os democratas continuassem lutando pelos votos dos trabalhadores. As observações de Romney transpareceram mais desprezo e, portanto, devem se mostrar mais danosas em termos políticos: “Eu nunca conseguirei convencê-los de que eles devem assumir suas responsabilidades e cuidar de suas próprias vidas”, disse Romney a respeito de milhões de seus compatriotas, e encerrou sua fala.

Mas deixemos de lado por um momento a política de curto prazo. O que pensar a respeito de nossa cultura sabendo que as pessoas que financiam as campanhas eleitorais de ambos os lados do espectro político parecem considerar seus compatriotas menos abastados como um tipo de raça alienígena, que deve ser igualmente temida e desprezada?

O que nos diz o fato de os republicanos ricos não serem capazes de imaginar a possibilidade de os norte-americanos que dependem dos programas do governo durante a pior recessão das últimas gerações terem problemas econômicos legítimos?

O que nos diz o fato de os democratas ricos não conseguirem compreender por que os trabalhadores norte-americanos olham com desconfiança para uma elite que presidiu um longo e demorado colapso social e geralmente considera suas convicções religiosas fundamentais como obstáculos ao progresso?

O que nos diz o fato de nossos políticos, em ambientes nos quais eles pelo menos fingem se abrir e revelar suas reais crenças, se sentirem confortáveis adotando os estereótipos mais egoístas da elite a respeito dos cidadãos comuns que votam no outro partido?

Tudo isso não nos diz nada de bom, acredito eu. A atual história dos Estados Unidos tem a ver com polarização, com os dois principais partidos fechados em seus respectivos bunkers ideológicos e com a estratificação, além de uma elite que ultimamente tem estado mais isolada do que nunca da vida dos cidadãos comuns que vivem no país governado por ela.

Tanto a direita quanto a esquerda têm visões intelectuais provocativas sobre como esse novo mundo surgiu: os livros “Coming Apart”, de Charles Murray, e “Twilight of the Elites”, de Christopher Hayes, respectivamente, são os principais exemplos deste ano. Mas ambas as visões são mais detalhadas na descrição do que nas propostas de solução, e nenhuma delas se envolve muito em temas políticos.

Qualquer que seja o lado que conte a história, essa é uma história triste. Ainda assim, se olharmos para as evidências que mostram o que nossos líderes e futuros líderes dizem quando não deveríamos estar escutando, não há ninguém em nenhum dos dois partidos que se importe o suficiente para fazer alguma coisa para mudar a situação. (Ross Douthat é colunista do The New York Times)