Pesquisa aponta que 96% dos americanos já utilizaram políticas sociais do governo
Quando Mitt Romney disse, em maio passado na Flórida (EUA), aos convidados de um evento para levantar fundos de campanha que os Estados Unidos se dividem entre as pessoas que dependem do governo e não pagam imposto de renda e basicamente todo o restante da população, ele não conseguiu expor a verdade mais profunda. Não é o caso de dizer que a maioria dos 47% a quem Romney se referiu realmente pagam encargos sociais e que muitos deles já pagaram imposto de renda no passado. A realidade que ele ocultou é que quase todos os norte-americanos já utilizaram as políticas sociais do governo dos Estados em algum momento de suas vidas. Entre os beneficiários dessas políticas estão os mais ricos e os mais pobres, democratas e republicanos. Quase todo mundo paga e usa essas políticas.
Nós temos dados exclusivos de uma pesquisa nacional realizada em 2008 pelo Cornell Survey Research Institute, que entrevistou os norte-americanos para saber se eles já haviam utilizado alguma das 21 políticas sociais disponibilizadas pelo governo federal - que vão de empréstimos estudantis ao Medicare (sistema federal de seguro-saúde para pessoas com mais de 65 anos nos EUA). Essas políticas não incluem atividades governamentais que beneficiam a todos - como o sistema de defesa nacional, o sistema interestadual de estradas, as normas que regulamentam a segurança alimentar -, mas apenas os benefícios reais que são distribuídos a algumas famílias.
A pesquisa perguntou às pessoas com que frequência elas utilizaram essas políticas durante toda sua vida - e não apenas durante um período específico -, e incluiu perguntas sobre as políticas sociais embutidas na legislação fiscal, que geralmente passam despercebidas.
O que os dados revelaram é impressionante: quase todos os norte-americanos - 96% - já contaram com o a ajuda do governo federal. Os jovens, que ainda não têm direito de utilizar muitas das políticas governamentais, respondem pela maior parte dos 4% que ainda não usaram as políticas públicas sociais.
Na média, as pessoas entrevistadas disseram ter utilizado cinco políticas sociais em algum momento da vida. Em geral, uma pessoa recebe dois benefícios sociais diretos na forma de dinheiro, produtos ou serviços pagos pelo governo, como o Social Security (sistema previdenciário dos EUA) ou o seguro-desemprego. A maioria dos participantes da pesquisa também se beneficiou de três políticas nas quais o papel do governo estava "oculto", ou seja, elas foram distribuídas por meio da legislação fiscal ou de organizações privadas, como a dedução dos juros dos empréstimos para a compra da casa própria e a isenção fiscal da contribuição patronal para o seguro-saúde dos funcionários.
O design dessas políticas camufla o fato de que elas também constituem benefícios sociais, da mesma forma que os benefícios diretos que auxiliam os norte-americanos a arcar com gastos como moradia, assistência médica, aposentadoria e as mensalidades de cursos universitários.
A utilização de políticas sociais governamentais transpõem todas as barreiras partidárias. Algumas políticas são usadas com mais frequência pelos eleitores de um partido - outras são mais utilizadas pelos seguidores de outra agremiação politica. Os republicanos apresentaram uma probabilidade maior de utilizar a Lei dos Pracinhas (aprovada em 1944 e ainda em vigor, que dá direito a benefícios educacionais e outros a pessoas que serviram nas Forças Armadas dos EUA) e o sistema de previdência de aposentadoria e pensão por morte do companheiro, enquanto que um número maior de democratas utilizou o Medicaid (sistema federal de seguro saúde para pessoas de baixa renda) e o seguro-desemprego.
No geral, 82% dos democratas e 64% dos republicanos reconheceram ter recebido pelo menos um benefício social direto. Um número maior de republicanos (92%) do que de democratas (86%) gozaram de políticas federais "ocultas". Quando levamos em consideração ambos os tipos de políticas, a aparente distinção entre aqueles que contribuem e aqueles que desfrutam dessas políticas desaparece: 97% dos republicanos e 98% dos democratas informaram terem utilizado pelo menos uma das políticas sociais do governo dos EUA.
A maioria dos membros de famílias de todos os níveis de renda utilizou pelo menos uma política social direta. As pessoas de baixa renda usaram mais as políticas diretas do que as mais abastadas: a família com renda média abaixo de US$ 10 mil por ano utilizou quatro dessas políticas, comparativamente a apenas uma politica desse tipo desfrutada pelas famílias com rendimento anual de US$ 150 mil ou mais. Mas essas proporções se inverteram no caso das políticas "ocultas": as famílias mais ricas geralmente utilizaram três benefícios desse tipo, enquanto que os mais pobres usaram apenas um.
Também foram registradas algumas diferenças entre os eleitores republicanos e os democratas em relação ao período em que os benefícios foram usados. Entre as políticas utilizadas por percentuais semelhantes de democratas e republicanos, como o Crédito Fiscal para Assistência Infantil e de Dependentes e os créditos fiscais para o pagamento de mensalidades de cursos universitários, os eleitores de ambos os partidos receberam os benefícios durante o mesmo período médio de tempo.
O mesmo vale para as políticas que beneficiam mais um grupo de eleitores do que outro. Por exemplo, apesar de a dedução dos juros dos empréstimos para a compra da casa própria ter sido solicitada por um número maior de republicanos e de o crédito fiscal relativo aos rendimentos auferidos ter sido pedido por uma quantidade maior de democratas, os eleitores de ambos os partidos utilizaram esses benefícios pelo período médio de dois a cinco anos. De modo semelhante, os republicanos que usaram a Lei dos Pracinhas o fizeram por mais ou menos o mesmo período de tempo que os democratas que solicitaram benefícios relacionados ao seguro-desemprego.
O ponto em que os norte-americanos realmente diferem é em como refletem sobre o papel do governo em suas vidas. Aqui, um dos fatores fundamentais é a ideologia: os conservadores apresentaram uma probabilidade menor dos que os liberais de responder afirmativamente quando perguntados se já haviam utilizado algum "programa social do governo", mesmo que os eleitores de ambos os partidos tenham reconhecido posteriormente que utilizaram um número idêntico de políticas específicas.
Essas diferenças ideológicas foram explicitadas durante as convenções partidárias. Quando o governador Chris Christie, de Nova Jersey, afirmou que seu pai, que "cresceu na pobreza", havia utilizado a Lei dos Pracinhas para se transformar no primeiro membro de sua família a ter diploma universitário, foi no contexto de um discurso no qual criticou a nossa "necessidade de ser cuidado por um governo grande e centralizador". Contrariamente, Michelle Obama creditou aos empréstimos estudantis os diplomas universitários dela e de seu marido e, em seguida, argumentou que "após trabalhar duro e se sair bem, e após cruzar as portas da oportunidade, a gente não pode mais fechá-las".
Durante a vida, quase todos nós ajudamos a sustentar as políticas sociais do governo por meio do pagamento de impostos e, em algum momento, quase todos nós nos beneficiamos diretamente dessas políticas. Uma vez que a ideologia influencia nossa visão sobre a forma como nós e as outras pessoas utilizamos o governo, as observações de Romney podem repercutir entre aqueles que se consideram "produtores" em vez de "parasitas" - para utilizar a distinção feita pela escritora Ayn Rand (1905-1982). Mas essa distinção não captura a forma como os norte-americanos realmente usam o governo. Em vez de gerar uma divisão entre nós, nossas experiências tanto como produtores quanto como usuários precisa nos unir em uma comunidade de sacrifício compartilhado e apoio mútuo.
* Suzanne Mettler é professora de políticas governamentais na Cornell University e John Sides é professor-adjunto de ciência política na George Washington University.
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