Arizona, que pode eleger um senador latino, é um dos Estados decisivos nas eleições dos EUA
Ao mencionar o dispositivo legal batizado de "papéis, por favor", da controversa lei de imigração *SB 1070 do Arizona, atualmente em vigor, o ex-presidente Bill Clinton incitou uma multidão na Universidade do Estado do Arizona na semana passada, enviando uma mensagem especial aos “sonhadores” – ou seja, as fileiras altamente organizadas de jovens imigrantes ilegais que buscam residência permanente nos Estados Unidos por meio do status de estudante ou do ingresso nas Forças Armadas (ou de ambos).
Apresentando-se em nome e ao lado de Richard Carmona, cuja campanha para se tornar o primeiro senador latino do Arizona atualmente lidera as pesquisas, Clinton provocou algumas das maiores salvas de aplausos ao declarar seu apoio à Lei do Sonho (Dream Act) e por simplesmente defini-la como a “coisa certa a se fazer”.
Colocada no centro das atenções pelo mais recente ato de rebeldia da governadora Jan Brewer – que negou benefícios estaduais a jovens imigrantes ilegais afetados pelo adiamento de medidas anti-imigração determinado pelo presidente Barack Obama –, a total aceitação pelo Partido Republicano da política de imigração do Arizona em sua convenção de verão traçou uma linha clara dentro do estado. A “arizonificação” da América continua a delinear o debate nacional sobre imigração. Essa tendência cristalizou a noção, na mídia e em outros lugares, de que a política de imigração do estado está irremediavelmente vinculada à abordagem de “enfraquecer (a imigração) por meio da aplicação da lei”.
Não que xerifes justiceiros de fronteira, milicianos com armas em punho e ativistas do Tea Party não existam no Arizona. Mas, como lembraram ao estado os estimados 5.500 participantes da apresentação de Carmona e Clinton, esses elementos marginais podem ter finalmente encontrado seus parceiros perfeitos. O caso em questão: uma animada campanha de cidadãos criou o mais eficiente esforço para tirar votos de Joe Arpaio, o notório xerife do condado de Maricopa, cujo “reinado” já soma 20 anos.
Romney diz que 47% dos americanos dependem do governo
O ressurgimento desse “outro Arizona” sinaliza o renascimento do legado desse estado – legado que contabiliza 100 anos de idade – de lutar contra o racismo e o extremismo anti-imigração. Na verdade, eu acredito que a atual e crescente aliança entre latinos, “baby boomers” às portas da aposentadoria e centristas ferrenhos terá um impacto nacional bem mais duradouro, tanto sobre a agenda liberal quanto sobre a conservadora, do que o Tea Party, que é muito bom em gerar manchetes, mas tem se mostrado hesitante. Essa aliança pode até ter um impacto sobre a eleição de 2012: para além do avanço surpreendente de Carmona, os mais recentes dados das pesquisas que incluem os eleitores de língua espanhola apresentam um empate no confronto presidencial, apesar de Mitt Romney manter uma liderança geral saudável no Arizona.
Considere os fiéis progressistas que escreveram uma das constituições mais esclarecidas do país durante o nascimento do Arizona, em 1912. Em um discurso profético que proferiu após negociar um acordo trabalhista – observado por todas as lideranças nacionais – entre mineiros sindicalizados que estavam em greve e empresas de cobre, o governador George W. Hunt definiu o desafio a ser enfrentado pelos Estados Unidos: “Será um dia feliz para a nossa nação quando as empresas forem excluídas da atividade política e grandes quantidades de capital não puderem ser empregadas na tentativa de controlar o governo”.
Apesar de toda a sua sabedoria, no entanto, Hunt e suas forças progressistas sucumbiram às pressões anti-imigração dos sindicatos mais conservadores e acabaram excluindo os próprios defensores que haviam erguido os esteios trabalhistas antes de sua atuação à frente do governo: em 1903, trabalhadores de origem indígena, mexicanos-americanos e imigrantes lideraram as primeiras greves do estado, em Morenci.
A traição completou seu ciclo em 1917. Movidos por semelhante histeria anti-imigração, durante a Primeira Guerra Mundial arruaceiros armados que trabalhavam para uma empresa de cobre e eram liderados por um xerife de fronteira se reuniram e deportaram mineiros imigrantes que estavam em greve em Bisbee, a capital do cobre. Essas medidas extremas atraíram a condenação nacional, mas também estabeleceram – durante o século seguinte – o precedente de utilizar medidas punitivas contra os imigrantes sempre que a economia entrava em crise ou que guerras terminavam ou quando as eleições entravam em ebulição.
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Mas os habitantes do Arizona também reagiram. Em 1972, a mídia nacional mais uma vez voltou seu foco para o estado, quando o governador Jack Williams aprovou uma lei que proibia boicotes secundários e greves durante a época da colheita – e reprimiu os direitos de negociação coletiva e os procedimentos filiação sindical. Ao lançar seu movimento “Si se puede” em resposta a essas medidas – o inspirador slogan que a primeira campanha de Obama à presidência adotaria como “Yes, We Can” –, Cesar Chavez, nativo do Arizona e co-fundador do United Farm Workers (Trabalhadores Agrícolas Unidos), embarcou em um “jejum pelo amor” em Phoenix. A campanha liderada por Chavez conseguiu fazer com que 150 mil novos eleitores se inscrevessem para votar, dando início a uma nova era de participação eleitoral: num período de dois anos, graças ao trabalho de Chavez, Raul Castro se tornou o primeiro (e, até hoje, o único) governador latino do Arizona.
No ano passado, um movimento “Si se puede” similar chocou interesses políticos arraigados e os observadores locais e nacionais da mídia. Liderado pelo sindicalista Randy Parraz, um novo movimento bipartidário, farto das políticas extremistas do estado, concentrou sua dinâmica organizacional na política eleitoral e realizou o histórico recall eleitoral do senador estadual Russell Pearce, o cérebro por trás da lei SB 1070. Esse recall foi o pontapé inicial da eleição de 2012 por duas razões.
Primeiro, Parraz e seu grupo “Citizens for a Better Arizona” (Cidadãos por um Arizona Melhor) conseguiram reunir no Arizona facções que, em geral, têm posições muito discrepantes – incluindo jovens latinos, “baby boomers”, centristas e o desmoralizado Partido Democrata local. O Arizona é, indiscutivelmente, um dos distritos legislativos mais conservadores do país. Pearce foi o primeiro presidente do Senado estadual a passar por um recall eleitoral na história dos EUA, de acordo com analistas de registros eleitorais.
Em segundo lugar, o recall destacou o surgimento de uma nova geração de latinos e seu papel na mudança demográfica histórica que está em curso no Arizona e em todo o país. Nas duas últimas décadas, o total de não latinos da população do estado recuou de 72% para 50%. Um novo diálogo político está prestes a ocorrer no Arizona – e seus organizadores não estão apenas esperando para ver.
Trabalhando com vários outros grupos de direitos civis, Parraz e seus Citizens for a Better Arizona agora lideram a campanha “Joe’s Got to Go” (Joe tem que partir) contra Arpaio, cuja antes aparente vantagem insuperável sobre seu oponente, Paulo Penzone, encolheu para alguns poucos pontos percentuais. Com o xerife sendo investigado pelo Departamento de Justiça por discriminação racial, o desafio de “não prender ninguém” de Arpaio e seu papel de “rosto” da SB 1070 animou os até então tímidos liberais.
Se Arpaio for derrotado, a ascensão do “outro Arizona” e sua rejeição bipartidária do extremismo poderiam inverter a arizonificação da América. Na posição de um dos 15 estados decisivos para a eleição dos EUA – onde a margem do candidato vitorioso geralmente gira em torno de 1 a 3 pontos percentuais –, o aumento esperado de 6% a 8% do eleitorado latino coloca o Arizona à beira de eleger Carmona para um assento democrata altamente valorizado no Senado.
Mesmo que o Arizona não vote em Obama este ano, a derrota de Arpaio ou a vitória de Carmona marcariam um grande passo para desmantelar o controle republicano da política estadual de imigração.
Inspirada por organizadores como Parraz e conduzida pela composição demográfica altamente mutante, a alteração do quadro eleitoral está chegando aos poucos ao Arizona em 2012 – uma mudança que pode, por fim, impactar a corrida para governador em 2014.
Como disse recentemente Carlos Garcia, defensor dos direitos humanos de Phoenix, o presente do Arizona para o país pode simplesmente ser o seu legado de resistência contra o extremismo. “Transformar a situação e migrar do ódio para os direitos humanos”, como Garcia explica, envia uma mensagem poderosa que irá muito além das urnas.
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