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Moderna cidade indiana enfrenta acúmulo de lixo; população sofre com falta de coleta

Gardiner Harris*

Em Mandur (Índia)

04/11/2012 06h00

Fora do último aterro oficial de Bangalore, os caminhões de lixo regularmente fazem fila durante horas, com suas cargas apodrecendo ao sol da tarde. Uma montanha de lixo, o aterro tem envenenado as águas locais e deixando moradores próximos doentes. Outro local de descarte estava numa situação ainda pior antes de ser fechado recentemente após protestos violentos.

Bangalore, a capital da moderna economia da Índia e lar de muitos funcionários da alta tecnologia, está se afogando em seu próprio lixo.

Na semana passada, moradores locais bloquearam as estradas que levam para o aterro Mandur na periferia da cidade, enquanto muitos transportadores de lixo de Bangalore entraram em greve, dizendo que não recebiam há meses. Alguns bairros estão sem coleta de lixo há quase três semanas, e grandes montes de lixo estão espalhados pela Cidade Jardim, como é conhecida na Índia.

O lixo é praga da Índia. Ele engasga os rios, abre valas nos prados, contamina as ruas e alimenta um ecossistema vasto e perigoso de ratos, mosquitos, cães de rua, macacos e porcos. Talvez até mais do que os blecautes e o tráfego insano, o lixo onipresente mostra a incompetência do governo indiano e do lado escuro do rápido crescimento econômico do país.  

O aumento da riqueza gerou mais lixo, e os administradores do desenvolvimento desordenado do país têm sido incapazes de lidar com o montante, até mesmo nas cidades que os indianos mais valorizam e veem como seus modelos para o futuro.

"Bangalore costumava ser a cidade mais limpa da Índia", disse Kumar Amiya Sahu, presidente da Associação Nacional de Resíduos Sólidos da Índia. "Agora, é a mais suja."

A crise do lixo de Bangalore é uma consequência direta de seu impressionante sucesso. Empresas de tecnologia começaram a se estabelecer em Bangalore em 1980. Enquanto cresciam, muitas criaram campi imaculados entalhados no caos urbano, fornecendo sua própria eletricidade, água, transporte e um raro sentido de tranquilidade.

Mas o segredo sujo desses campi e dos enclaves fechados onde seus executivos constroem mansões é que eles não têm onde colocar seu lixo. Muitos contrataram caminhoneiros para levar a sujeira para fora da cidade, com o cuidado de não perguntar para onde. Os caminhoneiros encontravam lotes vazios ou agricultores dispostos e simplesmente despejavam suas cargas.

A cidade logo seguiu o exemplo das empresas. Seu programa de coleta de lixo de porta em porta, iniciado em 2000, era visto como um modelo num país onde sistemas municipais abrangentes de coleta de lixo ainda são raros. Mas poucos – inclusive funcionários municipais – sabiam para onde o lixo era levado ou, depois que os aterros foram inaugurados, como ele era descartado.

"Nós nunca seguimos as práticas científicas para os aterros", disse Rajneesh Goel, chefe dos funcionários municipais de Bangalore numa entrevista.

Como a população Banglore explodiu com o sucesso de sua indústria de tecnologia, as tensões no sistema de resíduos cresceram quase até seu ponto de ruptura. Agora, com o aterro de Mandur prestes a fechar permanentemente e a cidade ficando sem pedreiras abandonadas para desviar sorrateiramente a carga de um dia, ele pode simplesmente entrar em colapso.

"Toda a contaminação das águas subterrâneas chegará até nós; mais de 300 dos nossos lagos já se foram", disse Goel em uma reunião pública recente, onde pediu ajuda. “O problema está saindo do controle, e eventualmente vai nos engolir. Temos de fazer alguma coisa.”

A escolha que Goel enfrenta é difícil: encontrar um novo lugar para despejar 4.000 toneladas de lixo por dia, ou fazer com que esse lixo desapareça de alguma forma. Uma vez que a parca supervisão dos aterros pela prefeitura tornou os novos aterros praticamente impossíveis de cuidar, ele agora está tentando criar – quase que do zero – um dos programas de reciclagem mais ambiciosos do mundo.

Goel admitiu que o sucesso está longe de dar certo.

"Eu estou tentando passar uma imagem muito bonita, mas não se deixem levar", disse ele depois de delinear seus planos. "É uma história de 50 anos de idade, e há certas restrições no sistema."

No passado, empresas do setor privado cresceram a todo o vapor, em parte, deixando de fora o resto da Índia e evitando interações com um governo disfuncional e corrupto. Mas altos executivos agora dizem que não podem mais virar as costas para o caos que os rodeia.  

"Construir estas ilhas, ou expandi-las,  não acredito que vai funcionar", diz S. Gopalakrishnan, co-presidente executivo da Infosys, gigante da tecnologia na Índia. Ele apontou pela janela, para o campus imaculado de sua empresa, que tem uma pirâmide de vidro, praças de alimentação, quadras de basquete e jardins. "Em algum ponto, a resistência do mundo exterior vai surpreendê-las."

Na verdade, a disfunção da Índia está agora cobrando seu preço na lendária produtividade da Infosys, disse Gopalakrishnan. Os deslocamentos de seus funcionários são mais longos, as suas brigas com as escolas estão mais intratáveis.

"Se você tem apenas 100 funcionários, o impacto não é tão grande", disse ele. “Mas, com 150 mil funcionários, cada vez mais o ambiente nos afeta como indivíduos, e, sim, atrasa as coisas. Em algum momento, você não pode fechar sua mente para o que está acontecendo ao seu redor.”

Poucos esperam que o governo municipal de Bangalore resolva o problema por conta própria. Em vez disso, uma rede de grupos sem fins lucrativos surgiu para criar esquemas de reciclagem; estas organizações não governamentais têm abraçado os milhares de catadores que diariamente vasculham o lixo da cidade para recuperar coisas de valor, como papel, vidro e alguns plásticos.

"Já temos um sistema informal de 15 mil catadores de resíduos, e tem as ONGs que pode empoderar  os catadadores", disse Kalpana Kar, que atuou no conselho de administração do lixo da prefeitura durante mais de uma década. "Vamos tornar todos eles parte do sistema formal."

Para que o sistema funcione, no entanto, as famílias de Bangalore devem separar seu lixo entre orgânico úmido, reciclável seco, como plásticos,  papel e lixo hospitalar. Kar agora passa a maior parte do tempo tentando convencer os habitantes da cidade a fazerem exatamente isso.

Em um dia recente, ela estava a caminho de outra reunião quando parou do lado de fora de sua casa e apontou para um funcionário saindo uma casa luxuosa próxima.

O empregado carregou dois baldes de lixo para o outro lado da rua e os jogou num lote vazio. Cães de rua e um porco selvagem logo foram a alimentar, deixando para trás o plástico e outros tipos de lixo.

"O que você está fazendo?", Kar gritou com o empregado.

Ele deu de ombros e apontou para a casa de seu empregador. Kar tinha tentado muitas vezes dissuadir o empregado de jogar o lixo da casa no lote cada vez mais nojento, disse ela, mas o empregador tinha ignorado suas preocupações.

"As pessoas na Índia pensam que se a sua própria casa estiver limpa, o problema vai embora", disse ela.

Mesmo assim ela é otimista e acredita que Bangalore será capaz de reciclar praticamente todo o seu resíduo, o que seria uma realização notável para uma cidade de oito milhões de habitantes.

"A cidade está de joelhos", disse ela encolhendo os ombros. "Não temos escolha."

Mesmo fora de Bangalore, um número crescente de fazendas de suínos está pegando os alimentos que sobram dos hotéis e restaurantes da cidade, que produzem bastante lixo. Numa dessas fazendas, porcos enormes gritaram de entusiasmo quando um caminhão chegou cheio de barris de restos de comida.

Funcionários jogaram as cascas de pepino, melancia, salsicha crua, lentilhas aguadas e muito mais num cercado de concreto onde uma mulher descalça esperava. Usando uma mão para segurar seu sári, ela usava a outra para retirar os sacos plásticos e copos de sorvete. Logo ela estava coberta de resíduos. Eventualmente, outro trabalhador colocou o alimento nos chiqueiros e os porcos grunhiram felizes de gula.

Para Vankatram, um criador de porcos com apenas um nome, o preço para obter esses alimentos descartados é transportar o lixo seco dos hotéis, sacos gigantes de plástico misturado com papel. Esses resíduos podem ser reciclados, mas Vankatram em vez disso os queimou. A queima de lixo é comum na Índia e contribui com a poluição sufocante.

"Espero que nos próximos 10 anos  a Índia se torne mais limpa", disse Sahu da associação nacional do lixo. "Mas agora, é muito ruim."

* Niharika Mandhana contribuiu com a reportagem em Mandur e Bangalore, na Índia.