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Retrospectiva 2012: Especialistas discutem igualdade entre sexos

Do New York Times

11/12/2012 06h00

Um grupo de pensadores de várias nacionalidades responde à Grande Questão: o que significa igualdade entre os sexos? É possível chegar lá?

  • La Carmina

    Ronan Farrow, assessor de Hillary Clinton

Ronan Farrow, jornalista e diplomata, assessor de Hillary Clinton:

Eu fui criado com sete irmãs.

Aguentei a música das boy bands. Aprendi a descer o assento da privada.

Também testemunhei o poder da liderança feminina. As brigas durante o jantar da minha infância continuariam fervendo se não fossem os panos quentes das meninas.

Anos depois, assistindo a uma discussão numa sala de aula islâmica em Dhaka, Bangladesh, voltei a ver esse mesmo poder. A princípio, só os homens falavam - até que Nipa Masud, sentada no fundão e com um brilho perigoso no olhar, se levantou e despejou uma enxurrada de críticas. Aproveitando a oportunidade, todas as outras se manifestaram, encerrando o debate rapidamente. Resultado: as meninas não falaram primeiro, mas falaram mais alto.

Não é possível superar nossos desafios sem essas vozes. Nos países em que há mulheres no governo, as chances de haver um conflito armado são menores. O Goldman Sachs calculou que o nivelamento das taxas de emprego de homens e mulheres faria o PIB dos EUA crescer 9%; o da Europa, 13%, e o do Japão, 16%.

De certa forma, estamos mais próximos de garantir uma participação igualitária para as mulheres do que nunca. As diferenças entre os sexos em relação ao ensino primário e secundário estão diminuindo. Mais de 500 milhões de mulheres entraram para a mão de obra nos últimos 30 anos.

Entretanto, em todo lugar, elas ainda enfrentam obstáculos absurdos; em outubro, no Paquistão, militantes atiraram contra Malala Yousafzai, de 15 anos, por causa de seu ativismo em prol da educação feminina. E inúmeras histórias como essa não chegam ao noticiário internacional.

Cabe a todos nós proteger as mulheres, seus direitos e oportunidades. Numa pesquisa recente da McKinsey com empresárias de sucesso, a grande maioria disse que não aspira a cargos de chefia. As mulheres que chegaram ao topo têm que permanecer ali para poder lutar por um mundo onde as Nipas, Malalas e inúmeras outras garotas não só possam liderar como seja esperado que o façam.

  • New York Times

    A sacerdotisa episcopal Chloe Breyer

Chloe Breyer, sacerdotisa episcopal e diretora-executiva do Interfaith Center de Nova York:

Se você parasse as pessoas na rua para perguntar se as tradições das principais religiões do mundo ajudam ou atrapalham na conquista da igualdade entre os sexos, eu diria que a maioria concluiria que a religião é um obstáculo. Tanto no cristianismo como no judaísmo, o primeiro livro da Bíblia, o "Gênesis", descreve Eva como produto da costela de Adão. Algumas linhas depois, é Eva quem sucumbe à tentação da serpente, morde o fruto proibido e ainda o oferece ao parceiro.

Durante séculos, as autoridades dentro do patriarcado da igreja atribuíram a Eva a maior parte da culpa pelo pecado original e pregaram que as dores do parto serviam de compensação por seu erro.

Com tantas barreiras como essa dentro das tradições religiosas, que esperança podemos ter de haver igualdade entre os sexos a não ser que a humanidade se torne menos religiosa?

Entretanto, há outra alternativa: proponho que um mundo menos religioso não seja condição para que a equidade sexual seja conquistada mais rapidamente; de fato, o cristianismo possui recursos inexplorados nesse aspecto. Hoje, as mulheres ocupam mais de 60% dos bancos das igrejas ao redor do mundo. É uma questão de tempo até compartilharmos o poder com os homens de nossa fé.

Uma das primeiras passagens do mesmo "Gênesis" deixa bem explícita a igualdade entre o homem e a mulher: ‘‘Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou’’. (Gênesis 1:27). Essas palavras oferecem esperança e uma promessa de futuro.

  • Nora Tejada

    A doutoranda Leta Hong Fincher

Leta Hong Fincher, doutoranda norte-americana do Departamento de Sociologia da Universidade Tsinghua (China):

Há um século, as feministas chinesas que lutavam pela emancipação feminina ajudaram a incitar a revolução republicana que depôs a dinastia Qing. Depois da Revolução Comunista de 1949, Mao proclamou que as mulheres ‘‘possuíam metade do céu’’. Nos primeiros anos da República Popular, o Partido Comunista quis transformar as relações entre os sexos com iniciativas de expansão tais como reservar às mulheres empregos urbanos na economia planejada.

Porém todas essas conquistas estão se desgastando na China pós-socialista. A participação das mulheres na força de trabalho caiu drasticamente, a inequidade social está cada vez maior e os direitos legais da mulher à propriedade estão ameaçados.

Como seria então a igualdade entre os sexos na China?

Todos os pais receberiam suas filhas neste mundo com o mesmo amor que dispensam aos meninos; os pais que vivem no interior dariam um lote da terra da família à filha, assim como fazem com o filho; os vilarejos protegeriam os direitos femininos à terra; nas cidades grandes, os pais não mais comprariam um apartamento caro para o filho, deixando a filha à própria sorte; as garotas que quisessem entrar na faculdade não teriam que tirar nota mais alta que os meninos para poder provar sua competência; o governo não humilharia as profissionais solteiras com mais de 27 anos chamando-as de ‘‘sobras’’; as mulheres que registrassem queixa contra violência doméstica não seriam criticadas por ‘‘expor a feiura familiar’’; o ditado: ‘‘O lugar dos homens é em público, o das mulheres, em casa’’ se tornaria apenas uma lembrança longínqua; metade dos líderes do país seria constituída de mulheres.

É possível conquistar a igualdade entre os sexos? Sim.

Pode levar várias gerações, mas vale a pena comprar essa briga.

  • New York Times

    O colunista do "NYT" Nicholas Kristof

Nicholas D. Kristof, colunista do "New York Times":

Saberemos que há igualdade entre os sexos quando deixarmos de falar no assunto - e, sim, é perfeitamente possível colocar esse conceito em prática.

Um dos problemas que jornalistas e organizações humanitárias têm em comum é que, às vezes, ficamos tão concentrados nos desafios que não reconhecemos adequadamente os progressos que têm ocorrido - e as mudanças que vêm acontecendo nessas áreas são impressionantes.

Basta analisar a diferença de níveis de educação. Nos EUA, ela desapareceu, e as meninas vão melhor na escola que os meninos. Em termos mundiais, ela também desapareceu no ensino primário e, embora persista no nível médio, está diminuindo. Até um país pobre e muçulmano como Bangladesh hoje têm mais garotas prestes a concluir a escola que meninos.

Nos EUA, os casos de estupro e outros tipos de violência sexual parecem ter caído drasticamente (pelo menos é o que se deduz dos relatórios não muito eficientes), em parte porque a polícia agora leva o estupro a sério. A violência doméstica é encarada pela polícia norte-americana, assim como em outros países. Infelizmente, o tráfico sexual continua sendo um grande problema em todas as partes do mundo, mas pelo menos agora os criminosos às vezes vão para a cadeia.

É incrível que todas as organizações assistenciais e ONGs atuais pareçam vender a imagem de preocupação com as necessidades femininas. Até membros do Departamento de Estado e do Pentágono reconhecem que cuidar da educação das garotas é um tema útil para promover estabilidade e mudança.

Eu prefiro imaginar um mundo, daqui a 20 ou 30 anos, em que o tráfico sexual esteja totalmente erradicado, em que as meninas tenham as mesmas chances de ir para a escola que os meninos e em que a saúde reprodutiva da mulher não seja mais um tabu. Todos nós nos beneficiaremos de um mundo mais igualitário, no qual finalmente poderemos parar de discutir a igualdade entre os sexos.

  • HSBC

    Naina lal Kidwai, presidente do HSBC na Índia

Naina lal Kidwai, presidente do banco HSBC na Índia:

A realidade da igualdade entre os sexos é complexa e diversa, muito mais ainda na Índia. O que em teoria parece simples - homens e mulheres com os mesmos direitos e oportunidades em todos os aspectos da vida - na prática é difícil de implementar e medir.

É cada vez maior o número de empresas que reconhece que um equilíbrio entre os sexos é receita para um negócio saudável, ajuda na retenção de talentos e estimula as inovações.

Porém o que também deve ser reconhecido é a revolução que ocorre nas cidades pequenas e vilarejos, tão ou mais importante, já que o impacto é muito maior. Graças ao HSBC, tenho a chance de interagir com as mulheres no interior do país e vejo suas contribuições e o progresso que promovem de perto, mesmo que a passos lentos. Uma vez que elas começam a ganhar seu próprio sustento, se tornam independentes, não só econômica, mas psicologicamente; ganham o controle sobre as finanças da família e adquirem o poder das decisões.

Com o crescimento do número de escolas e centros de treinamento vocacionais, em todo lugar as mulheres têm oportunidade de adquirir conhecimento e desenvolver suas habilidades - e o resultado é que as que vêm de regiões menores da Índia estão se tornando engenheiras, médicas e até astronautas, fato que seria inconcebível há algumas décadas.

Eu continuo otimista em relação à participação, cada vez maior, de mulheres na vida pública, corporativa e política.

  • Divulgação

    Ellen MacArthur, iatista e filantropa

Ellen MacArthur, iatista e filantropa:

Sou marinheira e, no auge da minha carreira competitiva, fui a iatista mais rápida a circum-navegar o globo sozinha. Concentração, garra e dedicação são conceitos que não têm sexo.

Navegação em mar aberto é um dos raros esportes a oferecer oportunidades iguais para homens e mulheres, por isso nunca achei que essa fosse uma questão relevante.

É claro que isso não significa que, de maneira geral, a igualdade entre os sexos não seja um problema e que vivemos num mundo justo e equilibrado. No meu caso é um tema que não tem importância e, de fato, concentrando-me nesse pequeno detalhe, eu poderia perder a perspectiva mais ampla. Comparativamente, e falando das coisas que tomam espaço na minha vida agora que criei a Fundação Ellen MacArthur, olhando para uma peça do quebra-cabeça econômico não se vê o cenário todo. Assumir uma postura restritiva em relação a temas complexos é como ativar um interruptor num painel gigantesco sem considerar o impacto que isso teria nos outros.

A Fundação Ellen MacArthur pretende acelerar a transição para uma economia circular, afastando-se do modelo ‘‘pegar-fazer-jogar fora’’ que herdamos da Revolução Industrial. Estamos falando de uma mudança em nível de sistema, não de correções ao modelo existente. Graças à economia circular, os materiais continuam fluindo e podem ser usado e reusados, enquanto os dejetos são eliminados naturalmente.

Quando se trata de reinventar o progresso, todos precisamos do máximo possível de determinação, criatividade, entusiasmo e talento - e nada disso tem gênero.

  • Adam Lawrence

    A escritora e jornalista britânica Caitlin Moran

Caitlin Moran, jornalista britânica e autora de ‘‘How to Be a Woman’’ e ‘‘Moranthology’’:

Equidade sexual simplesmente significa que ‘‘as mulheres são iguais aos homens’’, por mais malucos, insanos, estúpidos, relaxados e fracassados que eles sejam.

Com isso não tenho a intenção de diminuí-los. Ao contrário, como mulher, essa é a parte que eu quero. Porque é a melhor.

Assim, quando pensarmos na mulher totalmente emancipada do século 21, poderemos imaginar uma empresária bem-sucedida, sarada, impecavelmente vestida, que educa seus filhos gêmeos em duas línguas - e é isso que estressa as mulheres a ponto de viverem à beira de um ataque e aterroriza os homens inseguros. Essa imagem de mulheres sobre-humanas, perfeitas, sensuais, que levam a melhor em tudo. É o que os fracassados jogam na discussão da igualdade dos sexos.

Para o meu dinheiro feminista, não vejo a equidade sexual como ‘‘as mulheres se acabando para serem mais incríveis que qualquer outro ser humano em qualquer outro momento da história’’, principalmente porque isso soa: a) altamente improvável de acontecer com frequência e b) como uma gigantesca dor de cabeça administrativa.

Em vez disso, para mim, a verdadeira igualdade seria roubar um pouco daqueles conceitos tão masculinos, como ‘‘Estou 7 kg acima do peso, mas não estou nem aí’’, ‘‘fico mais sexy conforme fico mais velho’’, ‘‘dando pitacos e ideias malucas nas reuniões’’, ‘‘com certeza preciso de um tempo para mim e para o golfe’’.

Embora uma parte extraordinariamente importante da igualdade seja facilitar e reconhecer as conquistas das pessoas - qualquer que seja o sexo, orientação sexual, etnia, religião ou capacidade de se vestir bem -, uma parte ainda maior envolve todo mundo podendo se sentir à vontade em ser um bando de bobocas medianos.

É óbvio que esse não é o caso das mulheres, que tratam a si mesma como gigantescas listas de tarefas. Que fardo intolerável!

E é por isso que equidade sexual significa que ‘‘as mulheres são iguais aos homens’’, por mais malucos, insanos, estúpidos, relaxados e fracassados que eles sejam.

  • Andre Lambertson

    A escritora Naomi Wolf

Naomi Wolf, autora de “The Beauty Myth” e “Vagina: A New Biography”:

Quando ouço expressões como ‘‘equidade sexual’’ ou ‘‘feminismo’’, sempre fico perplexa; não entendo por que esses conceitos têm de ser tão polêmicos, pois, para mim, essas ideias são muito comuns, fazem parte da nossa bagagem cultural.

Na verdade, o que elas deveriam significar - suponho que, se “equidade sexual” seja o objetivo, “feminismo” deve ser o processo para chegar lá - é a extensão lógica da ideia básica da democracia.

O meu feminismo data do Iluminismo - ou de Mary Wollstonecraft, que escreveu, no final do século 18, ‘‘A Vindication of the Rights of Woman’’. Seu ensaio se igualava aos dos outros pensadores do movimento, que apelavam para a razão, para os direitos do Homem e para a noção de igualdade e dignidade entre todas as pessoas. Essa visão é tão poderosa e tão correta que se espalhou ao redor do mundo.

Porém o que esse conjunto de crenças não é tem tanta importância quanto o que é: não preestabelece escolhas de estilo de vida; não dita decisões sexuais; não se autodefine em termos de batalhas culturais. O verdadeiro feminismo estimula todos a serem livres, terem oportunidades iguais e acesso a direitos legais iguais. Só não estabelece o que as pessoas livres devem fazer com seu tempo livre.

Infelizmente, o feminismo ocidental vive se atolando em batalhas culturais, em declarações de listas de princípios políticos. Por 20 anos, eu tenho insistido que pode haver, sim, uma proposta feminista de direita, outra libertária, e uma terceira, de esquerda, porque o feminismo não depende de resultado político. A democracia é um conjunto de vozes que se erguem de vários indivíduos livres.

Acho que precisamos revisitar o nosso patrimônio iluminista na luta pela igualdade sexual no Ocidente. Feministas na África, Ásia e Oriente Médio superaram as ativistas ocidentais como pioneiras na equidade entre os sexos, em parte porque não veem a luta das mulheres por justiça como uma briga contra os homens, contra a vida em família ou mesmo contra a fé; elas se baseiam no legado da democracia e de direitos humanos de Mary Wollstonecraft, do qual é muito difícil fazer pouco caso ou ignorar.

(Este texto faz parte da série "Fator de Mudança: Pauta Global 2013", com fotos e desenhos sobre eventos e tendências de 2012 que continuarão repercutindo em 2013.)