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Cardeal americano pede a novo papa "tolerância zero" com abuso sexual

Daniel J. Wakin

Na Cidade do Vaticano

05/03/2013 06h00

O próximo papa deve se comprometer com "tolerância zero" em relação ao abuso sexual de menores por membros do clero, disse um alto cardeal americano na segunda-feira (4), o primeiro dia das deliberações da Igreja Católica antes da eleição papal.


A declaração do cardeal Francis George, o arcebispo de Chicago, foi uma rara menção do escândalo no contexto da discussão da "papabilidade" --as qualidade e atributos desejados pelos cardeais no homem que sucederá o papa emérito, Bento 16, que renunciou ao cargo na última quinta-feira (28).

"Ele obviamente tem que aceitar o código universal da igreja atual, que é tolerância zero com qualquer pessoa que tenha abusado de uma criança", disse George em resposta a uma pergunta durante uma coletiva de imprensa. "Há uma convicção profunda, certamente por parte de todos que foram pastores, de que isso precisa ser tratado de modo contínuo."

O cardeal afirmou que os esforços por parte dos homens da igreja nos Estados Unidos levaram a uma redução acentuada no número de casos de abuso relatados.
 

"Mas ainda há vítimas", prosseguiu. "A ferida ainda é profunda em seus corações e, enquanto eles a tiverem, nós também a teremos. O papa precisa ter isso em mente."

Os cardeais se reuniram na segunda-feira no auditório Paulo 6º, no primeiro dia da reunião geral da congregação. Segundo as regras do Vaticano que regem o período entre papas, eles discutirão os assuntos da igreja, estabelecerão uma data para o conclave, quando elegerão um novo papa, e trocarão ideias sobre o tipo de papa que desejam. Também é um momento crucial para os homens conhecerem uns aos outros e avaliar os possíveis candidatos.

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A data para o início do conclave ainda não foi marcada, já que todos os cardeais que participarão ainda não chegaram, disse o porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi. A data do conclave deverá ser determinada nos próximos dias, segundo ele.

Mesmo assim, os cardeais que estão aqui têm dado entrevistas na última semana, sinalizando os temas nos quais estão interessados. Todos enfatizam que desejam um papa piedoso, que possa transmitir de modo eficaz a mensagem católica. Mas nuances aparecem: alguns dizem que desejam um papa capaz de reformar a burocracia do Vaticano, que foi atingida por acusações de corrupção no ano passado. Outros sugerem que o papa deve vir do Terceiro Mundo, onde o catolicismo é mais vibrante do que na Europa. Outros querem um papa com mão forte de governo.

Uma resposta à mais recente onda de escândalos de abuso sexual, que surgiu com plena força há uma década nos Estados Unidos e na Europa --e em outros lugares mais recentemente--, não foi um tema de muita discussão. Mas não causa surpresa que um prelado americano trate o assunto com tanto vigor. Os bispos americanos há muito pressionam por uma política de "tolerância zero" --a rápida remoção do ministério de qualquer padre acusado de abuso de modo crível--, e muitos bispos de outros países seguiram o exemplo. O Vaticano também adotou várias medidas que, afirma, endurecerão as sanções contra os padres abusadores.

Um defensor das vítimas de abuso sexual por membros do clero, David Clohessy, da Rede de Sobreviventes de Abusos por Padres, chamou de encorajadora a declaração de George. "Deve ser um assunto, e estamos felizes pelo cardeal George ter dito que será", disse, "mas o foco tem que ser primeiro na proteção às crianças, depois na cura das vítimas".

As autoridades do Vaticano se recusaram a comentar sobre a confissão, no domingo, do cardeal Keith O'Brien, o mais alto representante da Igreja Católica Romana no Reino Unido, de que praticou conduta sexual imprópria. Três padres e um ex-padre o acusaram de fazer avanços impróprios décadas atrás.

"Nós não vamos passar o restante da semana falando sobre o cardeal O'Brien", disse Lombardi em resposta às perguntas dos jornalistas britânicos na coletiva de imprensa.

O'Brien anunciou sua renúncia após as acusações virem à tona e disse que não participaria do conclave.

Lombardi disse que 142 dos 207 membros do Colégio dos Cardeais estavam presentes. Desses, apenas 103 dos 115 cardeais que têm menos de 80 anos  --e, portanto, podem votar no novo papa segundo as regras do Vaticano-- chegaram até o momento, ele disse. A imprensa italiana especula que o conclave possa ter início em 10 ou 11 de março.

"Gostaríamos de concluir tudo antes do início da Semana Santa, termos um papa e voltarmos para nossas dioceses", disse George. "Mas dedicaremos o tempo que for necessário para cumprir bem o trabalho."

A Semana Santa tem início no Domingo de Ramos, em 24 de março, e culmina na Páscoa, em 31 de março. Após a eleição, o novo papa será empossado com uma cerimônia em grande escala.

Em um raro vislumbre do processo, o Vaticano mostrou aos repórteres imagens dos cardeais entrando no salão de assembleia e ocupando seus assentos, folheando o livro do ritual do conclave com sua capa dura verde, o "Ordo rituum conclavis".

Os cardeais tomaram os assentos designados, prestaram um juramento de sigilo e concordaram em enviar uma mensagem a Bento 16, que se retirou para a casa de verão papal no Castelo Gandolfo, fora de Roma.

Meia dúzia de eminências falou durante a breve sessão, mas principalmente sobre assuntos logísticos. Antes disso, eles fizeram uma pausa de meia hora em um bufete montado para servir café. "Foi um momento importante para contatos pessoais, para conversas em um nível mais particular", disse Lombardi.