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Morte de Chávez põe em dúvida o futuro de sua revolução socialista

William Neuman

Em Caracas (Venezuela)

05/03/2013 23h03

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, morreu na tarde de terça-feira (5) após uma longa batalha contra o câncer, anunciou o governo, deixando para trás um país amargamente dividido e tomado por uma crise política, que se agravou nas últimas semanas, enquanto ele permanecia em silêncio e longe dos olhares em hospitais em Havana e Caracas.

Com voz embargada e olhos marejados, o vice-presidente Nicolas Maduro disse que ele e outras autoridades foram ao hospital militar onde Chávez estava sendo tratado, distante do público, quando receberam "a informação mais dura e mais trágica" que poderiam transmitir ao povo.

A partida de Chávez de um país que ele dominou por 14 anos coloca em dúvida o futuro de sua revolução socialista. Ela altera a balança política na Venezuela, a quarta maior fornecedora de petróleo para os Estados Unidos, e na América Latina, onde Chávez liderava um grupo de países que pretendia reduzir a influência americana na região.

Chávez mudou a Venezuela de formas fundamentais, empoderando e energizando milhões de cidadãos pobres que se sentiam marginalizados e excluídos.

Mas o governo de Chávez também ampliou as divisões na sociedade. Sua morte certamente provocará mais mudanças e uma vasta incerteza, à medida que a nação tenta encontrar seu rumo sem sua figura central.

Com a morte do presidente, a Constituição diz que o país deve realizar uma nova eleição em 30 dias, e que o vice-presidente deve assumir nesse ínterim. A eleição provavelmente colocará Maduro, que foi designado por Chávez como sendo seu sucessor político, contra Henrique Capriles Radonski, um jovem governador que concorreu contra Chávez na eleição presidencial em outubro.

Mas nos últimos meses se desenrola um debate acalorado em torno de interpretações contraditórias da Constituição, devido à doença de Chávez, e é impossível prever como será a transição pós-Chávez.

Ao longo de quase uma década e meia, Chávez construiu um movimento político e um governo centrado em sua personalidade de tamanho fora do comum.

Ele tomava a maioria das decisões e dominava todos os aspectos da vida política. Ele inspirava uma devoção forte, às vezes religiosa, entre seus seguidores e uma animosidade igualmente fervorosa entre seus oponentes. Como muitos de seus seguidores dizem: "Com Chávez, tudo, sem Chávez, nada."

Mas isso deixa sua revolução em situação precária sem seu líder carismático.

"Nos regimes que são baseados em pessoas, no momento em que a pessoa em que tudo se apoia é removida, toda a fundação se torna muito fraca, porque não há nada mais em que se apoiar", disse Javier Corrales, um professor de ciência política do Amherst College.

A morte de Chávez poderia fornecer uma oportunidade para a oposição política, que nunca conseguiu derrotá-lo em uma disputa pessoal.

Capriles perdeu por 11 pontos percentuais para Chávez em outubro. Mas ele derrotou duas vezes candidatos de Chávez na disputa pelo governo de seu Estado, Miranda, que inclui parte de Caracas.

E Maduro está longe de ter a conexão visceral de Chávez com as massas de pobres da Venezuela. Mesmo assim, a maioria dos analistas acredita que Maduro terá uma vantagem, e que ele receberá grande apoio se a votação ocorrer logo após a morte do presidente.

Mas mesmo em caso de vitória de Maduro, ele poderá ter dificuldade em manter unido o movimento de Chávez e promover suas metas socialistas, e ao mesmo tempo rechaçar a resistência de uma oposição que provavelmente ganhará força.

O novo mandato de seis anos de Chávez teve início em 10 de janeiro, com o presidente permanecendo incomunicável em Havana. Em sua ausência, o governo realizou um comício imenso no centro de Caracas, onde milhares dos seus seguidores ergueram as mãos para prestar um juramento de "lealdade absoluta" ao comandante e sua revolução. As autoridades prometeram que Chávez teria sua posse posteriormente, quando se recuperasse.

Mas a esperada recuperação nunca ocorreu. Agora, em vez de uma posse, resta aos seguidores de Chávez planejar o funeral.

Câncer

Chávez foi diagnosticado com câncer em junho de 2011, mas, ao longo de seu tratamento, manteve muitos detalhes de sua doença em segredo, se recusando a dizer qual era o tipo de câncer ou onde ele ocorreu em seu corpo.

Ele foi submetido a três operações de junho de 2011 a fevereiro de 2012, assim como a radioterapia e quimioterapia, mas o câncer continuava retornando. As cirurgias e grande parte do tratamento foram realizados em Cuba.

Então, em 8 de dezembro, apenas dois meses após conseguir a reeleição, Chávez surpreendeu a nação ao anunciar em um discurso pela TV que precisaria de outra cirurgia.

A operação, a sua quarta, ocorreu em Havana em 11 de dezembro. Após sua realização, assessores com rosto preocupado descreviam o procedimento como complexo e diziam que o quadro era delicado. Eles posteriormente notificaram a nação sobre complicações, primeiro uma hemorragia, depois uma severa infecção pulmonar e dificuldade para respirar.

Após as operações anteriores, Chávez frequentemente aparecia na TV enquanto se recuperava em Havana. Postava mensagens no Twitter ou era ouvido em telefonemas dados a programas de TV em uma emissora estatal. Mas, após sua cirurgia em dezembro, Chávez não foi mais visto em público e sua voz se calou.

Os assessores de Chávez posteriormente anunciaram que um tubo tinha sido inserido em sua traqueia para ajudá-lo a respirar, o que o impedia de falar. Foi o paradoxo final para um homem que parecia nunca ficar sem palavras, frequentemente improvisando por horas na TV, discursando, cantando, palestrando ou recitando poesia.

À medida que as semanas se arrastavam, cresciam as tensões na Venezuela, e a situação se tornava cada vez mais bizarra. As autoridades no governo Chávez lutavam para projetar uma imagem de normalidade e rechaçavam as perguntas inevitáveis sobre um vácuo no poder. Ao mesmo tempo, o país lutava com uma economia desequilibrada, abalada pela alta dos preços e pela escalada da escassez de itens básicos.

A oposição, enfraquecida após as derrotas na eleição presidencial em outubro e nas eleições para os governos estaduais em dezembro, nas quais seus candidatos perderam em 20 dos 23 Estados, buscou manter o governo sob pressão.

Então as autoridades anunciaram repentinamente em 18 de fevereiro que Chávez tinha retornado a Caracas. Ele chegou sem ser visto em um voo na madrugada e foi levado a um hospital militar, onde os assessores disseram que ele daria continuidade ao tratamento.