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'Por que sequestradores de avião ainda podem desligar o transponder?'

Gregg Easterbrook

19/03/2014 07h21

Quando assassinos em massa assumiram os cockpits de quatro aviões norte-americanos em 11 de setembro de 2001, uma das primeiras coisas que eles fizeram foi desligar os transponders [equipamento de localização da aeronave] para que os aviões não fossem detectados corretamente pelos radares civis.

Alguns meses depois dos atentados, o Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos publicou o livro “How Did This Happen?” (“Como isso pode acontecer?”, em tradução livre), que aborda os erros que levaram aos acontecimentos daquele dia terrível. Eu escrevi o capítulo sobre segurança da aviação, que destacou as vulnerabilidades na maneira como os transponders das companhias aéreas operam.

Se os transponders não tivessem sido silenciados em 11 de setembro de 2001, os controladores de tráfego aéreo teriam rapidamente percebido que dois aviões cujo destino inicial era Los Angeles tinham mudado de rota drasticamente e se encaminhavam direto para Manhattan. Em vez disso, os controladores perderam um tempo precioso tentando descobrir onde as aeronaves estavam.

Na época, eu teria apostado toda a minha poupança no fato de que os transponders, que transmitem a localização e a identidade das aeronaves, seriam reformulados para evitar que sequestradores conseguissem desligá-los. Mas nada foi feito. Quase 13 anos depois, o voo 370 da Malaysia Airlines desencadeou uma longa busca mundial, após, ao que parece, outro transponder ter sido desligado durante o voo.

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A questão hoje é exatamente a mesma de 11 de setembro de 2001. Os pilotos gostam que sua localização seja conhecida – para poderem obter assistência em solo e porque o transponder alerta outras aeronaves próximas sobre seu curso e altitude. Apenas um sequestrador que estivesse no comando de uma aeronave gostaria que o transponder fosse desligado.

O voo 370 não é um caso isolado: a maioria dos aviões que circulam pelo mundo têm transponders que podem ser desligados. Nas aeronaves 777-200, o modelo de avião utilizado no voo 370, há um interruptor rotativo simples, que fica próximo da mão esquerda do piloto. Tudo o que alguém tem que fazer para desligar o transponder é girar o botão.

É claro que os transponders não são a única maneira para detectar a localização de um avião: sempre há os radares. Nos filmes, as telas dos radares mostram detalhes incríveis sobre tudo. Na vida real, porém, o radar pode se confundir facilmente e não detecta pequenos aviões, além de poder ter problemas para determinar as altitudes.

Os transponders resolvem esse problema ao detectarem e divulgarem a altitude da aeronave, sua velocidade, a direção para onde está indo e seu código de identificação, informações que são repassadas para os controladores de tráfego aéreo e para os aviões que estão nas proximidades por meio de um sinal eletrônico sincronizado com o radar. E os códigos de identificação revelam aos controladores qual sinal é emitido por que voo, algo que o radar não tem como detectar.

Alguns radares militares são capazes de fornecer detalhes ao estilo de Hollywood, mas os radares militares não costumam vigiar voos civis, e quando o fazem precisam do código do transponder para saber que tipo de aeronave está sendo monitorada. Um dos motivos pelos quais levou quase uma semana para que a agência de inteligência norte-americana concluísse que o voo 370 tinha saído de seu curso foi o fato de os analistas terem que se debruçar sobre pilhas de dados brutos na tentativa de descobrir que rotas foram seguidas por aquele avião específico.

Mas a pergunta é: por que cargas d’água existe um interruptor para desligar o transponder? Até recentemente, os transponders tinham que ser desligados quando um avião estava no solo para evitar o envio de sinais que confundiam o radar do aeroporto. Os projetos de alguns aviões particulares – mas ainda não os projetos dos aviões comerciais de grande porte – lidam com isso usando transponders automatizados, que são ativados quando os aviões levantam voo e, em seguida, são desligados quando eles desaceleram para a velocidade de taxiamento em solo.

Ultimamente, os grandes aeroportos instalaram radares de varredura de solo que não se confundem com os transponders quando as aeronaves estão taxiando em solo. Aeronaves de grande porte como o 777 normalmente operam nesses aeroportos, e quando o fazem, elas nunca têm nenhuma razão para deligar o transponder.

Desligar o transponder é um vestígio do passado e de uma prática antiga, anterior ao lançamento de aparelhos eletrônicos confiáveis que funcionam com chips. Os modelos mais antigos de transponders às vezes emitiam leituras de altitude falsas. “Então, o controle de tráfego aéreo chamava os pilotos e dizia para eles ‘moverem’ o transponder”, o que significa desligá-lo e, em seguida, ligá-lo novamente seguindo uma sequência de reinicialização, observa Patrick Smith, piloto veterano e autor do livro “Cockpit Confidencial” ("Cockpit confidencial", em tradução livre), lançado em 2012 e que fala sobre viagens aéreas.

Avião da Malaysia Airlines desaparece durante voo; entenda

Caso essa medida não ajude a corrigir a falha, todos os aviões possuem um segundo transponder de backup. O voo 370 tinha um transponder de backup – mas como a maioria desses aparelhos, alguém na cabine precisa ligar esse transponder substituto para que ele funcione. E ninguém fez isso no voo 370.

A solução é a adoção de um sistema de localização por radiodifusão que a tripulação de voo não seja capaz de desligar. Ao longo dos próximos anos, grande parte do mundo pretende adotar um padrão de rastreamento de aviação chamado de ADS-B, que deve dificultar a tarefa de ocultar a posição dos aviões por meio do desligamento dos transponders. E os transponders automatizados deverão fazer parte dessa transição.

É claro que a automação de sistemas complexos pode ter consequências inesperadas. Mas a maior parte do tempo de voo dos aviões comerciais modernos já ocorrem no piloto automático – todos os dias, milhões de vidas em todo o mundo ficam nas mãos de pilotos automáticos durante períodos prolongados. Se é possível confiar na automação para pilotar um avião inteiro, por que não confiar nela para manter os transponders ligados na configuração correta?

O sistema de piloto automático pode ser desligado, pois caso esse mecanismo apresente algum defeito podem ocorrer acidentes. Um transponder com defeito pode transmitir dados falsos, o que é preocupante. Mas um transponder desligado pode significar a ruína.

Cinco dos 10 últimos grandes desastres aéreos – incluindo os quatro voos de 11 de setembro e o voo 370 – tiveram início com o desligamento do transponder. Algumas alterações no design desses aparelhos poderiam impossibilitar esse tipo de ocorrência.

Gregg Easterbrook, é editor-colaborador da The Atlantic e escreveu o capítulo sobre a segurança da aviação para o livro “How Did This Happen? Terrorism and the New War” (“Como isso pode acontecer? O terrorismo e a nova guerra”, em tradução livre).