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EUA analisam negociar com o Irã para controlar a crise no Iraque

Michael R. Gordon e David E. Sanger

De Washington (EUA)

18/06/2014 06h03

Um diplomata sênior dos EUA se reuniu com seu colega iraniano em Viena, na Áustria, na segunda-feira passada com a intenção de analisar a possibilidade de os Estados Unidos e o Irã trabalharem juntos para criar um governo mais estável no Iraque e reduzir a ameaça representada pelos militantes sunitas ao país.

A primeira reunião ocorreu depois que o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, sinalizou que o governo Obama estava aberto a cooperar com o Irã em relação ao Iraque, aventando a possibilidade de buscar a ajuda de um país que os norte-americanos muitas vezes descreveram como um estado patrocinador do terrorismo e que deveria ser impedido de obter armas nucleares.

Mapa do Iraque com as cidades sob poder ou ameaça de insurgentes do EIIL - Arte/UOL - Arte/UOL
Cidades iraquianas sob poder ou ameaça de insurgentes
Imagem: Arte/UOL

A estratégia do governo Obama é pressionar o primeiro-ministro do Iraque, Nouri al-Maliki, e seu governo dominado por xiitas a formar um governo multissectário com os sunitas e os curdos, num esforço para eliminar as divergências que estão sendo exploradas pelos insurgentes. Mas esse objetivo pode ser frustrado caso o Irã decida apoiar os líderes xiitas linha-dura ou se o país decidir enviar caças de sua Força Quds ao Iraque, agravando as tensões já inflamadas.

Na noite de segunda-feira passada, a Casa Branca disse que o presidente Barack Obama tinha convocado uma reunião com seus principais assessores da área de segurança nacional com o intuito de analisar as opções para combater o grupo militante sunita conhecido como o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que derrotou o exército iraquiano na semana passada. Obama deixou claro que os EUA só oferecerão ajuda militar caso os iraquianos realizem um esforço para superar suas divisões.

Mais cedo, Kerry havia dito em entrevista ao Yahoo News que os Estados Unidos estão “abertos a discussões caso o Irã tenha algo construtivo com que contribuir”.

“Eu acredito que temos de avançar passo a passo e ver o que, de fato, pode se transformar em realidade. Mas eu não descartaria nada que possa se mostrar construtivo”, disse ele.

Em Viena, William J. Burns, diplomata sênior dos EUA e vice-secretário de Estado, levantou brevemente a questão do Iraque paralelamente às negociações previamente agendadas sobre o programa nuclear iraniano. As autoridades norte-americanas não disseram quando ocorrerá a próxima reunião.

Um funcionário do Departamento de Estado norte-americano disse que o objetivo dos “compromissos” firmados com o Irã e com outros países vizinhos do Iraque é discutir a ameaça representada pelos militantes sunitas e “a necessidade de apoiar o aumento da inclusão no Iraque, além de evitar as pressões pela adoção de uma pauta sectária”.

Segundo observou posteriormente o funcionário do Departamento de Estado citado acima, apesar de Kerry ter deixado a porta aberta para a cooperação militar com o Irã em sua entrevista ao Yahoo News, essas reuniões não serão utilizadas para discutir “a coordenação militar ou determinações estratégicas relacionadas ao futuro do Iraque, passando por cima da vontade do povo iraquiano."

Em um sinal claro sobre os perigos crescentes que rondam o Iraque, Obama notificou o congresso norte-americano na segunda-feira passada que enviaria até 275 militares ao país para aumentar a segurança local e fornecer suporte à embaixada dos EUA em Bagdá, que já é bastante fortificada. Os Estados Unidos já anunciaram planos para evacuar um número significativo de funcionários de sua embaixada no Iraque.

Algumas autoridades iranianas sugeriram que Al-Maliki trabalhe com os sunitas para sufocar a insurgência. Mas o general Qassim Suleimani, chefe paramilitar da Força Quds da Guarda Revolucionária do Irã, recentemente viajou a Bagdá para se reunir com os líderes iraquianos, e há o receio de que ele estaria mobilizando xiitas iraquianos treinados no Irã para defender o governo de Al-Maliki.

As autoridades norte-americanas, apesar de estarem preparadas para trabalhar com Al-Maliki, também estão preparadas para o caso de ele ser substituído por outro político xiita que possa mostrar uma tendência mais inclusiva. Mas é fato consumado nos meios políticos iraquianos que qualquer candidato plausível para o cargo de primeiro-ministro também deverá ser aceito pelo Irã.

Para complicar esse cenário, existem as conversações paralelas entre o Irã e as potências mundiais sobre o programa nuclear do país.

Com a proximidade do prazo final firmado inicialmente para o estabelecimento de um acordo sobre esse programa, em 20 de julho, o Irã vem pressionando pela aceitação de um pacto que envolva um breve período de limitação a sua capacidade de enriquecer urânio, que seria seguido por uma expansão significativa no número de centrífugas que o país poderia construir para enriquecer urânio. Os Estados Unidos e seus aliados europeus dizem que esses limites devem ser permanentes e que qualquer acordo deverá estabelecer alertas consideráveis caso o Irã tente se apressar para fabricar uma bomba.

Um especialista que assessorou esporadicamente a equipe de negociação dos EUA disse que já existia “o reconhecimento de que os iranianos tentariam trocar sua ajuda no Iraque pelo máximo de vantagens que conseguissem”. Por isso, eles têm barganhado com os principais negociadores sobre que instalações de sua infraestrutura nuclear poderão ser mantidas caso um acordo nuclear final venha a ser firmado.

Os assessores de Obama, no entanto, vêm afirmando há muito tempo que impedir o Irã de fabricar armas nucleares é a sua prioridade número 1 no Oriente Médio. Isso se deve, em parte, ao fato de que uma arma nuclear nas mãos dos iranianos, segundo argumentou o presidente, poderia desencadear uma corrida armamentista na região. Por essa razão, as autoridades norte-americanas insistem que a questão nuclear e a questão do Iraque devem ser tratadas separadamente.

Por isso, um inimigo comum não garante uma estratégia comum – e, para dois países que têm se posicionado como adversários profundamente desconfiados um do outro durante mais de três décadas, encontrar interesses comuns na área de segurança não será uma tarefa fácil, disseram as autoridades. Isso ficou claro no tom cauteloso de algumas dessas autoridades.

A tentativa de sensibilizar o Irã foi uma reviravolta surpreendente para o governo Obama, que não tem mantido conversações com o Irã sobre crises regionais. A cooperação entre os Estados Unidos e o Irã para conter a crise iraquiana representaria a primeira vez que os dois países – adversários afastados há mais de três décadas – se comprometem conjuntamente com um propósito comum na área de segurança desde que ambos compartilharam inteligência militar para combater o Talibã no Afeganistão após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.


Tradutora: Cláudia Gonçalves