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Produtores de maconha 'roubam' água de nascentes e lagos em plena seca nos EUA

Melena Ryzik

Em Nice, Califórnia (EUA)

08/08/2014 06h00

A primeira pista foi um veículo recreativo abandonado. Neste povoado que fica duas horas ao norte de San Francisco e a apenas um quilômetro do maior lago natural de água doce no Estado, o trailer estava estacionado em uma colina, escondido da rua principal. Atrás dele havia uma cerca frágil, alta o suficiente para esconder o prêmio: 50 pés de maconha em caixas de madeira montadas às pressas.

“Isso é comum”, disse Michael Lockett, autoridade responsável por construções do condado Lake, mostrando o terreno, agora abandonado, onde um tubo saía de um córrego para um tanque de água grande.

Essa é apenas uma das centenas de plantações ilegais de maconha do condado, disseram as autoridades, algumas das quais desviam água para regar milhares de plantas.

A cena se repete em todo o norte da Califórnia. Em meio à seca incapacitante do Estado, muitas comunidades não estão lutando contra o mero cultivo de Cannabis --que é legal no Estado, embora sujeito a diversas restrições-- e sim contra o uso abusivo da água por parte dos produtores. A maconha é uma planta sedenta e cultivá-la em um momento em que os moradores da Califórnia estão sujeitos a restrições de água tornou-se uma questão problemática.

Quando foi declarada situação de emergência devido à seca em todo o Estado em janeiro, “a primeira coisa que focamos foi o roubo de água e o cultivo de maconha”, disse Carre Brown, supervisor do condado de Mendocino, um importante centro produtor de Cannabis a oeste de Lake.

Em meados de julho, o xerife Thomas D. Allman já tinha pego produtores que estavam puxando água de nascentes porque os poços haviam secado no início da temporada. “Eu disse à minha equipe de maconha: ‘Eu quero que vocês sobrevoem os rios e os afluentes, vamos priorizar o desvio de água’”, disse Allman.

Em julho, o condado Lake promulgou uma lei que exigia que os produtores fossem responsáveis por seu abastecimento de água; como em Mendocino, o condado também tem suas pistas para identificar os infratores.

“O foco é parar muito do que estamos vendo: os desvios ilegais, o represamento dos córregos, o uso de nascentes de propriedade de outras pessoas”, disse Kevin Ingram, o principal planejador de Lake.

No mês passado, agentes federais e estaduais invadiram a reserva indígena Yurok em uma medida solicitada por anciãos tribais para deter plantações ilegais de maconha cujo uso de água ameaçava o abastecimento da reserva.

Usando imagens do Google Earth, a Secretaria Estadual de Pesca e Vida Selvagem estimou que o cultivo de maconha ao ar livre em Mendocino e em Humboldt dobrou entre 2009 e 2012, com um efeito desastroso, segundo a agência.

Cada planta de maconha consome de 20 a 40 litros de água, de acordo com o ponto do seu ciclo de crescimento. Em comparação, um pé de alface, outra das principais culturas da Califórnia, precisa de cerca de 13 litros de água.

Nem todos os cultivadores de maconha são indiferentes sobre o uso da água. Swami Chaitanya, 71, vem plantando e fumando maconha há décadas. “Cultivei minhas primeiras plantas na sombra do Bank of America, em San Francisco, em Telegraph Hill, no início dos anos 70”, disse Chaitanya. (Ele adotou o nome de Swami Chaitanya após estudar na Índia e prefere usá-lo.)

Hoje, abrigado em uma fazenda retirada em Mendocino, Chaitanya e alguns ajudantes cultivam uma pequena plantação de maconha medicinal para um dispensário em Oakland. Seus canteiros são regados diariamente a partir de tanques alimentados por uma nascente na propriedade.

Para minimizar o impacto ambiental, ele recicla as águas residuais. Este ano, ele também reduziu o número de plantas, disse ele.

“A maioria das pessoas que conheço está dizendo: ‘Estamos plantando menos por causa da seca’”, disse Chaitanya. “Nós temos uma responsabilidade.”

Os produtores de maconha com preocupações ambientais dizem que os operadores ilegais estão lhes dando uma má reputação. Seth Little, 28, que cultiva maconha medicinal orgânica perto da cidade de Clearlake, disse que os vizinhos às vezes demonstram seus ressentimentos.

“Eles acham que estamos estragando tudo”, disse ele, “roubando água de todos e despejando produtos químicos nos aquíferos”.

Little, que cultiva maconha há quase cinco anos com um sistema de irrigação especial projetado para minimizar o uso de água, disse que muitos produtores eram indiferentes ao problema da água. “Uma grande porcentagem deles realmente não tem consciência ambiental, eles não seguem o indicado”, disse.

Mas o plantio artesanal de Little e Chaitanya pode entrar em conflito com as exigências do mercado e, por vezes, da lei. Segundo Chaitanya, como há restrições sobre o número de plantas de maconha que até mesmo os produtores legítimos podem manter, eles são incentivados a tornar essas plantas tão robustas quanto possível --e isso significa usar mais água.

Chaitanya sugeriu que o problema foi agravado pela confusão dos regulamentos.

Allman, de Mendocino, discordou. “Parece uma lógica obtida depois de fumar um baseado”, observou. Mas, acrescentou, os infratores ambientais não são os produtores de maconha típicos.

“Os hippies velhos não são o nosso problema, eles entendem a questão”, disse Allman. “Eles são orgânicos, eles reduzem o consumo de água”. Tampouco o problema são os “jovens hippies”, continuou.

“Eu estou falando de pessoas que mudam para cá em abril e cultivam maconha o mais rápido que conseguem até outubro”, disse Allman. “O garoto de 20 anos que quer fazer seus milhões de dólares e usa fertilizantes como esteroides. Ele não se preocupa com a quantidade de água que usa ou o que ele coloca no solo.”