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Após comentário preconceituoso, cientista busca redenção leiloando Prêmio Nobel

Cientista James Watson posa ao lado do modelo original de DNA, que ele descreveu com a ajuda do colega Francis em 1953 - Odd Andersen/AFP
Cientista James Watson posa ao lado do modelo original de DNA, que ele descreveu com a ajuda do colega Francis em 1953 Imagem: Odd Andersen/AFP

Anemona Hartocollis

Em Nova York (EUA)

05/12/2014 06h00

Sete anos após um dos avôs do DNA, James D. Watson, ter perdido parte de sua reputação devido a comentários sobre raça, ele espera conseguir alguma redenção ao colocar sua medalha do Prêmio Nobel em leilão e doar grande parte do valor do produto para instituições educacionais.

Watson, juntamente com Francis Crick e Maurice Wilkins, recebeu o prêmio em 1962 pela descoberta, nove anos antes, da estrutura de dupla hélice do DNA, que revelava como as características genéticas eram transmitidas pela hereditariedade. Isso se tornou a base do campo agora em expansão da genômica, que está revolucionando o tratamento de doenças.

Mas ele também é conhecido como um provocador, uma reputação promovida por seus relatos francos da competição entre os cientistas em seu livro de memórias de 1968, "A Dupla Hélice", e cimentada em 2007, quando ele questionou o QI dos negros. Apesar de ter pedido desculpas, dizendo que não havia base científica para seus comentários, os protestos contra eles o fizeram se aposentar de sua posição como diretor do Cold Spring Harbor Laboratory, em Long Island.

"Thomas Jefferson também disse algumas coisas controversas em sua vida", disse Francis Wahlgren, o diretor internacional de livros e manuscritos da Christie's, que está leiloando a medalha. "No que se refere à Christie's, isto envolve a descoberta monumental da dupla hélice e o reconhecimento em 1962 é uma parte essencial disso. A posteridade se lembrará dele por isso, independente de ter dito coisas controversas ou não."

A Christie's estima que a medalha será vendida por US$ 2,5 milhões (aproximadamente R$ 6,4 milhões) a US$ 3,5 milhões (R$ 9,06). Wahlgren disse que a medalha, feita de ouro 23 quilates, vale em torno de US$ 20 mil (R$ 51,7 mil) a US$ 30 mil (R$ 77,6 mil) apenas pelo ouro --uma insignificância em proporção ao seu peso como propriedade intelectual.

As anotações de Watson para seu discurso de aceitação do Nobel também estão sendo leiloadas pela Christie's (valor estimado: US$ 300 mil a US$ 400 mil --R$ 776,8 mil a R$ 1,03 milhão), assim como o manuscrito da palestra que deu um dia após ter recebido a medalha (US$ 200 mil a US$ 300 mil --R$ 517,8 mil a R$ 776,8 mil).

A medalha pertencente a Crick, o principal parceiro de Watson na descoberta, foi vendida postumamente no ano passado por US$ 2,27 milhões (R$ 5,8 milhões) para Jack Wang, o presidente-executivo de uma empresa de biotecnologia chinesa.

A Christie's disse acreditar que a medalha de Watson seja a primeira venda de uma medalha do Nobel por um ganhador ainda vivo.

Em resposta a perguntas feitas por e-mail, Watson, 86, expressou arrependimento por seus comentários de 2007, dizendo: "Eu não posso desfazer isso. Quem me dera tivesse sido mais cuidadoso ao falar sobre coisas sobre as quais não sou entendido".

Na entrevista de 2007, na "The Sunday Times of London Magazine", ele disse a uma ex-protegida, Charlotte Hunt-Grubbe, que se sentia pessimista em relação à África, porque "todas as nossas políticas sociais se baseiam no fato de que a inteligência deles é igual a nossa, enquanto todos os testes dizem que não é".

Ele também disse que "pessoas que lidam com funcionários negros" descobriram que nem todas as pessoas são iguais. Na semana passada, ele disse ao "Financial Times" que a entrevista o transformou em uma pessoa a ser ignorada.

Ele acrescentou que estava vendendo sua medalha porque precisava do dinheiro, após ter sido excluído dos conselhos diretores das empresas. E um tanto zombeteiramente, reconheceu o desejo de comprar uma pintura de David Hockney.

Watson disse que grande parte do dinheiro seria destinada às instituições que o formaram, como a Universidade de Chicago, na qual entrou aos 15 anos; a Universidade de Indiana, onde recebeu seu Ph.D.; Cambridge, onde trabalhou com Crick; e o Cold Spring Harbor Laboratory.

"A venda visa apoiar e empoderar a descoberta científica", ele disse.

Quanto ao Hockney, ele o tinha em mente como um presente ao laboratório, que, ele notou, também precisa de um ginásio.

Apesar de que sempre estimará o Nobel, ele disse, sua medalha de ouro está escondida em um cofre há 52 anos. Uma réplica, também dada pelo comitê do Nobel, "ocupa um lugar de honra na minha casa".

Watson disse que pode manter um pequeno valor do produto da venda para si mesmo e sua família, após cumprir suas metas filantrópicas.

Ele está longe de destituído. Ele ainda é presidente emérito do Cold Spring Harbor, onde participa de conferências e também é ativo na arrecadação de fundos e desenvolvimento, disse uma porta-voz. Ele recebeu um salário base de US$ 375 mil (R$ 971) em 2012 e recebeu um total de US$ 568.860 em remuneração e benefícios naquele ano, segundo a mais recente declaração de impostos do laboratório.

Em seu livro de memórias de 1968, Watson confessou que um rival envolvido na pesquisa do DNA certa vez o chamou maliciosamente de "Jim Honesto", e que ele foi indiscreto em muitas ocasiões.

Ele chamou o DNA de "a Pedra de Roseta para decifrar o verdadeiro segredo da vida" e a chave para a forma como os genes determinam tudo, das cores dos cabelos e olhos até "nossa inteligência comparativa, talvez até mesmo nosso potencial de divertir os outros".

Em seu artigo de 2007, Hunt-Grubbe também lembrou de Watson ter dito que uma mulher que quisesse netos deveria poder abortar uma criança homossexual, caso essa característica pudesse ser detectada pré-natalmente.

Muitos leitores de "A Dupla Hélice" o acusaram de não ter reconhecido adequadamente o trabalho de uma cientista, Rosalind Franklin, na descoberta de 1953 da estrutura do DNA. Não está claro se Franklin, que morreu em 1958 de câncer no ovário aos 37 anos, estaria incluída no prêmio caso estivesse viva --o Nobel não é concedido postumamente, nem é dividido por mais de três.

Bruce Stillman, presidente do Cold Spring Harbor Laboratory, disse que espera que as realizações tremendas de Watson --que prosseguiram até muito após sua descoberta da dupla hélice quando tinha apenas 24 anos-- não sejam ofuscadas por essas controvérsias.

Watson ajudou a criar o Projeto Genoma Humano junto com os Institutos Nacionais de Saúde e insistiu em destinar parte dos fundos para considerar as questões éticas da ciência genética.

Em 1965, ele escreveu um livro influente sobre a biologia molecular do gene. "A Dupla Hélice" foi tanto um best-seller quanto parte da exposição da Biblioteca do Congresso em 2012, "Livros que Moldaram a América", que incluiu títulos como "Moby Dick" de Melville, "O Apanhador no Campo de Centeio" de Salinger, e a primeira autobiografia de Frederick Douglass.

Watson sugeriu que o produto do leilão lhe permitiria, se não se penitenciar, ao menos compensar o tempo perdido.

"É maravilhoso estar em uma posição de poder fazer grandes coisas, de fazer as coisas acontecerem", ele disse. "Ter isso, e depois não, é desalentador. Eu acho que poderia ter sido muito mais útil nesse período."