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De um monte de terra, esperança de um novo antibiótico poderoso

Cepa da bactéria do grupo gram-positivo <i>Staphylococcus aureus</i>, que pode ser combatida pelo novo antibiótico teixobactina - Efe/CDC
Cepa da bactéria do grupo gram-positivo <i>Staphylococcus aureus</i>, que pode ser combatida pelo novo antibiótico teixobactina Imagem: Efe/CDC

Denise Grady

08/01/2015 01h15

Um método incomum para produção de antibióticos pode ajudar a resolver um problema global urgente: o aumento de infecções resistentes a tratamento com drogas usadas normalmente e a falta de novos antibióticos para substituir aqueles que não funcionam mais.

O método, que extrai drogas de bactérias que vivem no solo, produziu um novo antibiótico poderoso, relataram pesquisadores na revista "Nature" na quarta-feira. A nova droga, teixobactina, foi testada em camundongos e curou facilmente várias infecções, sem efeitos colaterais.

Ainda melhor, disseram os pesquisadores, é que a droga funciona de uma forma que torna muito improvável que as bactérias se tornem resistentes a ela. E o método desenvolvido para produzi-la tem o potencial de destravar um grande número de componentes naturais para combater infecções e câncer –moléculas que antes estavam além do alcance dos cientistas, porque os micróbios que as produzem não podiam ser cultivados em laboratório.

A teixobactina ainda não foi testada em seres humanos, de modo que sua eficácia e segurança ainda são desconhecidas. Estudos em pessoas ainda levarão cerca de dois anos para começar, segundo Kim Lewis, principal autor do artigo e diretor do Centro de Descoberta Antimicrobiana da Universidade do Nordeste, em Boston. Esses estudos ainda levarão vários anos, de forma que, mesmo se a droga passar por todos os testes exigidos, ela ainda não estará disponível por cinco ou seis anos, disse ele durante uma coletiva de imprensa por telefone na terça-feira. Se for aprovada, disse, ela provavelmente terá que ser injetada.

Grande potencial

Especialistas não envolvidos na pesquisa disseram que a técnica para isolar a droga apresenta grande potencial. Eles também disseram que a teixobactina parece promissora, mas expressaram cautela, porque ainda não foi testada em seres humanos.

O dr. William Schaffner, um especialista em doenças infecciosas da Universidade Vanderbilt, chamou a pesquisa de "engenhosa" e disse: "Nós precisamos desesperadamente de boas notícias em antibióticos".

Em relação à teixobactina, ele disse: "Ainda está no nível do tubo de ensaio e camundongos. E camundongos não são homens ou mulheres, de modo que ir além é um grande passo, e muitos componentes fracassam". Ele acrescentou: "A toxidade é frequentemente o calcanhar de Aquiles das drogas".

O dr. David A. Relman, um professor de medicina em Stanford, disse por e-mail: "Isso ilustra a incrível riqueza e diversidade dos compostos ainda não reconhecidos, potentes, biologicamente ativos, feitos pelo mundo microbiano –alguns dos quais podendo ter verdadeiro valor clínico".

Bactérias resistentes a drogas infectam pelo menos 2 milhões de pessoas por ano nos Estados Unidos e matam 23 mil, segundo os Centros para Controle e Prevenção de Doenças. A Organização Mundial da Saúde alertou no ano passado que essas infecções estão ocorrendo em todo o mundo e que cepas de muitas doenças resistentes a drogas estavam surgindo mais rapidamente do que novos antibióticos podem ser feitos para combatê-las. Agravando o problema está o fato de muitas empresas farmacêuticas estarem abandonando o desenvolvimento de novos antibióticos em prol do desenvolvimento de outros tipos de drogas mais lucrativas.

A nova pesquisa se baseia na premissa de que tudo na Terra –plantas, solo, pessoas, animais– está repleto de micróbios que competem para sobreviver. Tentando manter uns aos outros sob controle, os micróbios secretam armas biológicas: antibióticos.

"A forma como as bactérias se multiplicam, se não houvesse mecanismos naturais para limitar seu crescimento, elas teriam coberto o planeta e nos comido eras atrás", disse Schaffner.

Cientistas e companhias farmacêuticas há décadas exploram o arsenal natural dos micróbios, frequentemente explorando amostras de solo, e descobriram antibióticos salvadores de vidas como a penicilina, estreptomicina e tetraciclina, assim como algumas drogas poderosas de quimioterapia para câncer. Mas os organismos causadores de doenças se tornaram resistentes a muitas drogas existentes e há um grande obstáculo para encontrar substitutas, disse Lewis: cerca de 99% das espécies microbianas no meio ambiente são bactérias que não crescem sob as condições habituais de laboratório.

Lewis e seus colegas encontraram uma forma de cultivá-las. O processo envolve a diluição de uma amostra de solo –a que produziu a teixobactina veio de um "campo gramado no Maine"– e a colocando em um equipamento especializado. Então, o segredo para o sucesso é colocar o equipamento em uma caixa cheia do mesmo solo de onde veio a amostra.

"Basicamente, nós estamos enganando a bactéria", disse Lewis.

De volta à sua terra natal, ela se divide e cresce em colônias. Assim que se formam as colônias, disse Lewis, as bactérias são "domesticadas" e os pesquisadores podem removê-las e começar a cultivá-las em placas de Petri no laboratório.

A pesquisa foi paga pelos Institutos Nacionais de Saúde e pelo governo alemão (alguns dos coautores trabalham na Universidade de Bonn). A Universidade do Nordeste detém a patente do método de produção da droga e licenciou a patente para uma empresa privada, a NovoBiotic Pharmaceuticals, em Cambridge, Massachusetts, que é dona dos direitos de quaisquer compostos produzidos. Lewis é um consultor remunerado da empresa.

A teixobactina é a candidata mais promissora isolada a partir de 10 mil cepas de bactérias analisadas pelos pesquisadores. Nos tubos de ensaio, ela matou vários tipos de estafilococos e estreptococos, assim como antraz e tuberculose. Testada em camundongos, ela eliminou infecções por estafilococos e estreptococos, incluindo uma cepa resistente a drogas. Ela funcionou contra bactérias em grupo conhecido como "gram-positivo", mas não contra micróbios "gram-negativos", que incluem alguns que são grandes causas de pneumonia, gonorreia e infecções na bexiga e corrente sanguínea resistentes a drogas. Lewis disse que os pesquisadores estão tentando modificar a droga para fazê-la funcionar contra infecções gram-negativas.

Vinte e cinco outras candidatas a drogas também foram identificadas, mas a maioria apresenta reveses como toxidade ou insolubilidade, disse Lewis, adicionando que uma, apesar de tóxica, pode funcionar contra câncer e passará por testes adicionais.

Mecanismo de ação

A teixobactina ataca as bactérias ao bloquear as moléculas de gordura necessárias para construção das paredes das células, que é diferente da forma como a maioria dos antibióticos funciona. É improvável que essas moléculas mudem e tornem os micróbios resistentes, disseram os pesquisadores. Mas se ocorrer resistência, previu Lewis, será preciso muito tempo para que ela se desenvolva.

Relman disse que o argumento contra a resistência é razoável. Mas alertou que "mecanismos insuspeitos de resistência" às vezes se desenvolvem, e que a única forma de dizer seria monitorar cuidadosamente o que acontece à medida que a droga passar a ser usada mais e mais.

Lewis disse que espera que a pesquisa aponte o caminho para uma nova abordagem de busca por novos antibióticos. Até agora, ele disse, os cientistas presumiam que resistência se desenvolveria inevitavelmente, e que a única solução exigiria o desenvolvimento de novos antibióticos, na esperança de não ficar para trás.

"Isso nos dá uma estratégia alternativa", ele disse. "Desenvolver compostos para os quais não se desenvolverá resistência."