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Malásia recebe enxurrada de imigrantes, que trocam um pesadelo por outro

Imigrantes vindos de Mianmar em um abrigo temporário na cidade de Bayeun, na Indonésia. Mais de 3.000 imigrantes de Bangladesh e Mianmar chegaram à Indonésia e à Malásia nas últimas duas semanas para escapar da pobreza e da perseguição religiosa - Sergey Ponomarev/The New York Times
Imigrantes vindos de Mianmar em um abrigo temporário na cidade de Bayeun, na Indonésia. Mais de 3.000 imigrantes de Bangladesh e Mianmar chegaram à Indonésia e à Malásia nas últimas duas semanas para escapar da pobreza e da perseguição religiosa Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

Chris Buckley e Austin Ramzy

26/05/2015 06h01

Para Hasinah Ezahar, a jornada de três semanas pelo mar com três de seus filhos, do oeste de Mianmar até a Malásia, foi uma agonia sem fim de ansiedade, doença, fome e ameaças dos contrabandistas, que foram pagos para levá-los ao exterior.

Agora, ela e milhares de outros imigrantes que fugiram recentemente de sua terra natal e chegaram até a Malásia ou Indonésia enfrentam outra agonia, aguardando em um limbo administrativo que pode durar anos até que possam viver em algum lugar de modo permanente e trabalhar de forma legal, se é que isso acontecerá.

"Mesmo se recebermos da ONU o status de refugiados, ainda não sabemos quanto teremos que esperar até sermos reassentados", disse Hasinah, 28, embalando sua filha de 2 anos. "Até lá, nossas vidas se resumem a esperar."

Mais de 3.000 imigrantes de Bangladesh e Mianmar chegaram à Indonésia e à Malásia nas duas últimas semanas, buscando fugir da pobreza e, no caso de pessoas da etnia rohingya, como Hasinah, da perseguição religiosa. Outros milhares podem ainda estar no mar.

Na semana passada, a Malásia e a Indonésia disseram que abrigariam os imigrantes até serem devolvidos aos seus países de origem ou transferidos para outros países, um processo que querem que seja concluído em no máximo um ano. Se o passado servir de exemplo, essa meta é impossível; poucos países estão dispostos a aceitá-los, já há um acúmulo tremendo de requerentes de reassentamento e as agências que cuidam disso estão sobrecarregadas.

Pelo menos 200 mil imigrantes rohingyas já estão em Bangladesh e apenas 32.600 receberam proteção como refugiados fugindo de perseguição. Um número bem menor, talvez apenas poucas centenas, conseguiu sair dos campos de refugiados na última década e autorização para iniciar uma nova vida em outros países.

Na Malásia, os imigrantes determinados a ser refugiados e, portanto, com direito a reassentamento, um processo que por si só pode levar anos, se juntariam a mais de 45 mil rohingyas que já são considerados refugiados e aguardam para ser levados para outro país. Eles não recebem ajuda do governo enquanto esperam nem podem arrumar trabalho legalmente para se sustentarem.

Cerca de mil refugiados rohingyas foram transferidos para os Estados Unidos no ano passado.

"É um segredinho sujo, mas essa população enviada aos Estados Unidos é em grande parte pessoas na Malásia que aguardavam por reassentamento há 10 a 15 anos", disse Amy Smith, uma diretora-executiva da Fortify Rights, um grupo de direitos humanos que foca sua atenção no Sudeste Asiático.

Enquanto os refugiados esperam, eles não podem enviar seus filhos para escolas e estão presos em um limbo social e legal que as caridades locais e o trabalho informal aliviam apenas em parte.

"É muito frustrante para nós", disse Anwar Ahmad, um rohingya que vive na Malásia há 18 anos e ganha a vida no mercado de trabalho informal. "Somos gratos por podermos ficar aqui e gratos pela ajuda que recebemos, mas, sem um status oficial mais forte, eu não tenho um futuro aqui na Malásia."

Até mesmo o primeiro passo nesse processo, obter o reconhecimento como refugiado por meio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), tornou-se proibitivamente lento, disseram imigrantes rohingyas, defensores de direitos humanos e advogados.

"Eu acho que a ACNUR está um tanto sobrecarregada com os números, especialmente com tantos aguardando aqui há muitos, muitos anos, sem conseguirem ser reassentados", disse Kamarulzaman Askandar", um professor da Universidade da Malásia em Sabá, que estuda a condição dos rohingyas na Malásia. "Os números continuam aumentando e aumentando. Muitos dos recém-chegados, em especial, não são registrados mesmo passados meses de sua chegada."

A primeira-ministra da Malásia, Sheikh Hasina, chamou no domingo (24) os imigrantes de pessoas "doentes mentais" que mancham a imagem do país e que seriam punidas juntamente com seus traficantes, noticiou a agência de notícias oficial de Bangladesh, "Sangbad Sangstha".

Os rohingya, uma população muçulmana sem Estado que há muito sofre discriminação e é privada de direitos humanos básicos em Mianmar, provavelmente atendem ao critério para o status de refugiados segundo a lei internacional, por terem um "medo fundamentado" de perseguição por motivos raciais, religiosos ou de nacionalidade em seu país de origem.

Eles teriam direito a serem reassentados em outros países, e os Estados Unidos disseram na semana passada que assumiriam um papel de liderança em qualquer esforço multinacional de reassentamento liderado pela agência de refugiados da ONU.

Mas esse esforço ainda não se materializou.

Segundo um acordo acertado na semana passada pelos Ministérios das Relações Exteriores de Tailândia, Malásia e Indonésia, nenhum desses países receberá refugiados de modo permanente.

O primeiro-ministro da Austrália, Tony Abbott, disse na quinta-feira seu país não receberia nenhum refugiado deste novo êxodo.

A Gâmbia disse na semana passa que receberia todos os rohingyas que chegam pelo mar, mas especialistas questionaram se o país do oeste da África, cujos próprios cidadãos se juntaram à perigosa imigração pelo Mediterrâneo até a Europa, tem condições para isso.

A Europa já enfrenta uma crise de imigração, com mais de 1.700 imigrantes da África e do Oriente Médio morrendo na tentativa de entrar na Europa pelo mar nos primeiros quatro meses deste ano e com a chegada de mais de 26 mil.

"Será muito difícil", disse Phil Robertson, vice-diretor para Ásia da Human Rights Watch. "Seria preciso que alguns governos aceitassem receber alguns rohingyas, mas não estamos vendo isso."