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Refugiadas rohingyas fogem da violência para serem vendidas como esposas

Ambiya Khatu, refugiada rohingya, ao lado da mãe e da sobrinha em sua casa em Kuala Lumpur, na Malásia Imagem: Mauricio Lima/The New York Times

Chris Buckley e Ellen Barry

Em Gelugor (Malásia) e Cox's Bazar (Bangladesh)

04/08/2015 06h00

A jovem tinha passado dois meses presa em um acampamento na selva fervente no sul da Tailândia quando lhe fizeram uma proposta.

Ela havia fugido de Mianmar este ano, esperando chegar em segurança à Malásia, depois que vândalos antimuçulmanos queimaram sua aldeia. Mas sua família não pôde pagar os US$ 1.260 que os passadores exigiam para terminar a viagem.

Um estranho estava disposto a pagar por sua liberdade, disseram os contrabandistas, se ela aceitasse se casar com ele.

"Eu pude telefonar para meus pais e eles disseram que se eu quisesse seria melhor para toda a família", disse a mulher, Shahidah Yunus, 22 anos. "Eu compreendi o que devia fazer."

Ela se somou às centenas de jovens da etnia rohingya de Mianmar vendidas para se casar com homens rohingya na Malásia, o preço para escapar da violência e da pobreza em sua terra natal.

Enquanto algumas mulheres aceitam esses casamentos para evitar a prisão ou pior nas mãos dos traficantes, outras são enganadas ou coagidas. Algumas são apenas adolescentes.

Seu número é difícil de avaliar, mas autoridades e ativistas estimam que nos últimos anos centenas, ou mesmo milhares, de mulheres rohingyas por ano foram casadas dessa forma, e que seu número vem aumentando.

O Alto Comissariado da ONU para Refugiados relatou que um surto de migrantes marítimos de Bangladesh e Mianmar este ano causou um "aumento nos raptos e casamentos arranjados sem o consentimento das mulheres, cuja passagem é paga pelos futuros maridos".

"Centenas, ou milhares, de mulheres e meninas foram obrigadas, vendidas ou induzidas ao casamento por esses traficantes desde 2012", disse Matthew Smith, diretor-executivo da Fortify Rights, um grupo de defensoria em Bangkok que monitora refugiados rohingyas. "Para algumas famílias, é considerado um imperativo, como um mecanismo de sobrevivência."

"Os bandos de traficantes estão tratando isto como um negócio muito lucrativo", disse ele, acrescentando que para as mulheres "ser vendidas ou obrigadas a se casar é o resultado menos ruim, e isso é um problema".

Yunus, que hoje divide uma casa com seu marido de 38 anos e outros 17 migrantes rohingyas na ilha de Penang, na Malásia, disse que teve pouca escolha depois que um tio que havia prometido pagar por sua viagem não o fez.

"Eu decidi casar com meu marido porque os contrabandistas precisavam de dinheiro para me libertar", disse ela. "Tínhamos medo de ser estupradas. É melhor casar com um homem rohingya que possa cuidar de nós."

Sharifah Shakirah, uma refugiada rohingya em Kuala Lumpur, Malásia, que assessora refugiados sobre reassentamento, disse que muitas mulheres detidas por traficantes temem que se não encontrarem um marido logo "os traficantes possam vendê-las para o trabalho sexual" na Tailândia ou na Índia.

Enquanto esse tráfico não é inédito, parece ser mais usado como ameaça do que efetivamente.

Algumas mulheres não têm opção nessa questão, segundo Smith, que está preparando um relatório sobre casamentos e tráfico humano.

"Eles não se importam com nada", disse uma garota de 15 anos sobre seus traficantes, segundo anotações fornecidas por Smith. "Se alguém pagar, nós temos de ir."

As jovens muitas vezes fazem a viagem sob a pressão de seus pais, ansiosos por enviar suas filhas à segurança e reduzir as despesas domésticas, e são atraídas pelas promessas cor-de-rosa dos traficantes sobre o custo da viagem e a boa vida que as aguarda na Malásia, dizem os rohingyas e especialistas.

Na realidade, as mulheres solteiras que embarcam nos navios de traficantes sem meios para pagar tornam-se mercadoria, ficam detidas em acampamentos ou em navios até que alguém pague por sua libertação.

Quando os contrabandistas sabem que a família da mulher não pode pagar as despesas, "eles informam outras pessoas e dizem: 'Temos esta mulher'", disse Shakirah.

Os maridos muitas vezes são mais velhos e mais pobres do que prometido. Algumas mulheres acabam presas em relacionamentos infelizes ou abusivos.

Dois anos atrás, Ambiya Khatu, 21, casou-se com um homem na Malásia que pagou US$ 1.050 por sua libertação de contrabandistas na Tailândia. "Apesar de ele ser velho demais para mim, minha mãe concordou com o casamento", disse ela. "Não havia ninguém para nos resgatar, então eu concordei."

Em Mianmar (antiga Birmânia), ela havia esperado estudar enfermagem e trabalhar em um hospital. Hoje ela vive em um subúrbio de Kuala Lumpur, a capital da Malásia, cuidando de sua mãe, de sua irmã doente e do bebê desta em um quarto lotado, enquanto espera a volta do marido, que desapareceu há meses dizendo que ia procurar trabalho.

"Depois de ser resgatada, meu marido me perguntou se eu queria casar com ele", disse Khatu, com o rosto redondo mostrando emoções conflitantes. "Ele disse: 'Se você não quiser casar, pode simplesmente devolver o dinheiro que gastei com você'."

Isso era impossível.

"Eu não sei a língua, como ia trabalhar para lhe pagar?", disse ela. "E também não temos parentes aqui, e não tenho documentos legais, então não tinha opção além do casamento."

Sua mãe, Mabiya Khatu, balançou a cabeça e murmurou uma reprovação. Seu marido foi morto em 2012, quando vândalos invadiram sua aldeia, deixando a família na miséria. A alternativa foi vender as filhas para a escravidão sexual, disse ela.

"Se eu não desse minha filha a ele, os traficantes poderiam tê-la vendido para pessoas erradas", disse a mãe. "Eles tentaram vender minhas duas filhas, por isso as casei, e aqui está ela em mãos seguras, pelo menos pode comer."

A Khatu filha franziu a testa.

"Eu não gostava dele", disse, "mas tinha de gostar."

Algumas mulheres que se casam para pagar os custos dos traficantes dizem que é uma opção, mas Susan Kneebone, uma bolsista na Universidade de Melbourne, na Austrália, que estuda migração forçada e casamento no Sudeste Asiático, diz que esses casamentos significam tráfico quando são usadas violência, ameaças ou promessas enganosas.

"A ideia de tráfico é realmente algo em que há abuso de poder", disse ela. "Essas mulheres na verdade não têm muita liberdade em sua própria comunidade, eu suspeito, e isso é muito agravado pelo fato de estarem viajando para outro país."

Depois que a violência contra os muçulmanos irrompeu no oeste de Mianmar em 2012, a maioria dos refugiados era homens. Mas o número de mulheres e crianças que fogem de Mianmar aumentou nos últimos dois anos.

Um motivo é a escassez de homens rohingyas disponíveis em Mianmar. Isso também fez aumentar o custo dos dotes pagos pela família das noivas, disse Chris Lewa, uma defensora dos direitos dos rohingyas sediada em Bangkok. Por outro lado, disse ela, a alta porcentagem de homens rohingyas em relação às mulheres na Malásia tornou os homens mais dispostos a pagar pela viagem da noiva e a dispensar o dote.

Este ano e no ano passado, disse ela, "podemos dizer seguramente que pelo menos 5.00000 jovens embarcaram e teriam entrado em casamentos depois de chegar à Malásia".

Por enquanto, o contrabando fez uma pausa devido à repressão regional e ao clima duro das monções. Mas algumas rohingyas esperam que o negócio recomece para poderem fugir, mesmo que o preço da passagem seja um casamento.

Tahera Begum, 18, uma rohingya que tinha fugido para Mianmar alguns meses antes, estava com sua cunhada em um acampamento improvisado em Kutupalong, em Bangladesh, esperando para prosseguir viagem para se casar com um homem na Malásia que foi escolhido por seu irmão, também na Malásia.

Ela não tinha visto uma foto do homem, mas havia falado ao telefone com ele várias vezes.

"Quando falei com ele, ele disse que tinha um emprego, então tinha renda", disse ela. "Eu ficaria mais feliz se pudesse ficar aqui, mas meu irmão queria que eu me casasse na Malásia. Se eu receber o sinal de meu irmão ou de meu futuro marido, vou tentar de novo", disse ela. (Colaborou Jonah M. Kessel com reportagem de Kuala Lumpur)

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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