Topo

Bibliotecas dos EUA emprestam desde varas de pesca até ukuleles

Jessica Zacker, da equipe da Biblioteca Pública de Sacramento, arruma violões que fazem parte do projeto "Biblioteca das Coisas" em Sacramento, na Califórnia, EUA - Jim Wilson / New York Times
Jessica Zacker, da equipe da Biblioteca Pública de Sacramento, arruma violões que fazem parte do projeto "Biblioteca das Coisas" em Sacramento, na Califórnia, EUA Imagem: Jim Wilson / New York Times

Patricia Leigh Brown

20/09/2015 06h00

As bibliotecas não são mais só para os livros, ou mesmo e-books. Nos Estados Unidos elas servem também para emprestar formas de bolo (como em North Haven, Connecticut), sapatos para neve (no caso de Biddeford, Maine), telescópios e microscópios (em Ann Arbor, Michigan), bonecas American Girl (nas bibliotecas de Lewiston, Maine), varas de pescar (em Grand Rapids, Minnesota), frisbees e bolas de beisebol (em Mesa, Arizona) e aparelhos de hot spot wi-fi portáteis (em Nova York e Chicago).

Na cidade de Sacramento, na Califórnia, as bibliotecas são lugares onde as pessoas podem emprestar máquinas de costura, ukuleles, câmeras GoPro e jogos de tabuleiro, com um novo serviço que se chama 'Biblioteca de Coisas'.

"A mudança para o conteúdo eletrônico nos deu a oportunidade de reavaliar os nossos espaços físicos e ampliar nosso papel como um centro para a comunidade", disse Larry Neal, presidente da Associação de Bibliotecas Públicas, uma divisão da Associação Norte-Americana de Bibliotecas, que representa 9 mil bibliotecas públicas.

"A rede é excelente", ele acrescentou, "mas pode ser impessoal".

As bibliotecas, sem dúvida o lugar original da economia compartilhada, há muito emprestavam pôsteres de arte, música e filmes, e mais recentemente acrescentaram ferramentas. Mas serviços como a 'Biblioteca de Coisas' representam uma grande mudança cultural na qual as bibliotecas se veem cada vez mais como centros práticos e criativos, lugares onde as pessoas podem aprender novos ofícios e experimentar tecnologias como as impressoras 3D.

A biblioteca pública de Sacramento é uma das poucas dezenas de bibliotecas no país a abraçar o 'movimento do fazer', no qual as pessoas usam as tecnologias como a robótica e a impressão 3D para fazer artesanato e outros objetos.

A biblioteca de Sacramento montou até um espaço de design em uma filial num bairro de renda mista, com ambientes para máquinas de plotagem e de corte a laser, além da impressora em 3D.

"É um lugar experimental para fazer coisas legais de graça", disse Jessica Zaker, 34, que administra a filial central da biblioteca.

A crise econômica obrigou muitas bibliotecas públicas, especialmente em áreas urbanas, a fechar filiais, reduzir horas e cortar funcionários, enquanto a demanda pelos seus serviços por parte dos desempregados cresceu. Para compensar a diferença, muitas bibliotecas buscaram apoio em fundações, doadores privados, grupos de amigos e empresas.

Ao mesmo tempo, "a crise pressionou as bibliotecas a olharem para sua região para mostrar seu valor", disse David R. Lankes, professor da Escola de Estudos de Informação da Universidade de Syracuse.

"Eles perceberam que a melhor maneira de servir a comunidade é se parecer com ela", disse Lankes. "Para algumas, isso significa ter impressoras 3D. Para outras, isso significa ter varas de pescar.”

No ano passado, a Free Library da Filadélfia juntou a prefeitura, Estado e fundos privados para abrir uma 'cozinha-sala de aula', que se destina a ensinar matemática e alfabetizar através de receitas e tratar a obesidade infantil. A cozinha é uma sala de aula com 36 lugares e uma televisão de tela plana para mostrar os chefs preparando pratos saudáveis.

A biblioteca de North Haven, no sul de Connecticut, incentiva a fazer bolos e afins, oferecendo 304 tipos de formas e 83 conjuntos de cortadores de biscoito.

"As bibliotecas estão procurando formas de se tornarem lugares mais ativos", disse Kate McCaffrey da Biblioteca Pública Northern Onondaga, em Nova York, que empresta canteiros na horta e oferece aulas de horticultura. "As pessoas estão procurando lugares para aprender, fazer e estar com outras pessoas. McCaffrey considera a horta, que tem 58 canteiros, como "um laboratório que por acaso fica ao ar livre".

A Biblioteca Distrital Ann Arbor vem acrescentando novos itens à sua volumosa coleção de equipamentos científicos. Ela oferece telescópios, microscópios digitais portáteis e câmeras para observação de pássaros, entre outras coisas – itens que muitos frequentadores não têm dinheiro para comprar. Dave Menzo, um músico de 28 anos, criou um disco inteiro emprestando equipamentos de música eletrônica, entre eles um sintetizador controlado pela luz chamado de Thingamagoop.

As experiências online têm suas limitações, segundo Josie Parker, diretora da biblioteca de Ann Arbor. "Você não pode, por exemplo, baixar um telescópio para levar a um piquenique com a família no campo e ver as estrelas surgirem no céu", disse ela.

À medida que as bibliotecas acrescentam itens não tradicionais para empréstimo, elas enfrentam problemas incomuns. Em Grand Rapids, no norte de Minnesota, onde varas de pescar podem ser emprestadas e usadas no próprio cais de pesca da biblioteca sobre o rio Mississippi, um voluntário do Rotary Club que gosta de desembaraçar nós oferece assistência emergencial durante os meses de verão.

Em Rochester, Nova York, trabalhadores da Brinquedoteca Lincoln, uma pioneira entre as cerca de 300 brinquedotecas que existem em todo o país, mantêm o controle de milhares de peças de jogos de tabuleiro, uma tarefa particularmente desafiadora na época dos acampamentos de verão.

"É preciso fiscalizar", disse Sarah Fitts-Romig, bibliotecária em Rochester que tem à mão um conjunto de peças de reposição para os jogos, inclusive uma grande coleção de peças de "Monopoly" (similar ao "Banco Imobiliário" brasileiro). "No minuto em que você começar a bobear, o caos se instala."

Em Sacramento, cada item da 'Biblioteca de Coisas' tem um código de barras, uma vez que o Sistema Decimal de Dewey não foi destinado para máquinas de costura ou ukuleles. Usuários foram convidados a votar sobre quais itens deveriam ser incluídos na coleção, para "dar às pessoas a sensação de se apropriar da biblioteca", disse Rebeca K. Sass, diretora-executiva.

Tradução: Eloise De Vylder