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Quem precisa de revistas de moda quando existe o Instagram?

Luisa Vera/The New York Times
Imagem: Luisa Vera/The New York Times

Jeremy Langmead*

14/12/2015 06h00

Outro dia, antes de levantar da cama –ou mesmo de abrir a boca, eu já tinha visitado 14 cidades, fiquei sabendo o que 64 amigos tinham feito na noite anterior, vi o que vários astros e estrelas tinham usado em uma festa em Los Angeles e comprei um casaco de lã da Bottega Veneta, que me foi entregue naquela tarde. Só aí meu dia teve início.

E é no iPhone que tudo começa. A tecnologia e as redes sociais nos transformaram em nômades digitais, com a possibilidade de vagar pelo mundo e conversar em praticamente qualquer país –graças à linguagem universal dos emoticons– sem ter que sair do quarto, ou da cama, na verdade.

Elas também abriram inúmeras novas fontes de inspiração, de estilo e informação –que parecem sempre mais acessíveis, imediatas e íntimas que as publicações nas bancas. Taylor Swift coloca no Instagram uma foto da roupa que usou em uma premiação e, de repente, 49 milhões de seguidores podem pensar em comprar aquele Ashish brilhante também. Tommy Ton, o fotógrafo e blogueiro canadense, superinfluente, carrega a imagem, em estilo de rua, de um cara descolado usando um boné de beisebol e os homens começam a tirar os seus do guarda-roupa. Tutoriais de maquiagem podem ser colecionados de graça, oferecidos por vloggers adolescentes tão fiéis à sua mídia quanto ao rímel que usam. Quem precisa de um editor da Vogue hoje em dia?

Agora todo mundo entende de estilo. Até os homens –embora alguns finjam o contrário– conhecem tudo sobre códigos de vestimenta, tendências e regras. Na era pré-internet, eles não podiam nem fazer perguntas sobre como se vestir; ao contrário das mulheres, não podiam nem sonhar em pedir conselho para um colega ou amigo, mas agora só precisam dar uma espiada discreta no Google e ninguém nunca vai ficar sabendo que tentaram aprender a dar nó em gravata borboleta.

Nossos hábitos de compra também vêm mudando depressa. Agora é cada vez mais comum adquirir produtos no smartphone. Já se sabe que um terço das transações do comércio eletrônico, relativas ao setor de moda e artigos de luxo dos EUA, foi feito, no primeiro trimestre de 2015, em dispositivos móveis. Essa porcentagem é ainda mais alta no Japão e na Coreia do Sul, onde mais da metade da movimentação do e-commerce foi feita por celular durante o mesmo período.

As grifes agora têm que satisfazer um cliente que está em movimento constante. Ele espera desenvolver uma relação com a loja ou a marca na plataforma que quiser, quando quiser. O resultado é que podemos comprar não só clicando um botão, mas também com uma curtida ou deslizar de dedos. É cada vez maior o número de redes sociais que oferecem opção de compra. O Pinterest, onde as pessoas se reúnem para compartilhar ideias de estilo e design que encontram na rede, passou da navegação e da inspiração para a aquisição –e desde meados deste ano permite aos usuários comprar os produtos que encontram no site. O Shazam, aplicativo criado inicialmente para identificar música, agora permite que você compre jeans. A partir dos anúncios no Instagram, as lojas oferecem links para as páginas de seus produtos. E o Twitter e o YouTube estão acrescentando botões de compra.

Parte da indústria da moda se ajustou a esse mundo homogêneo, de ritmo ágil: a Burberry, por exemplo, permite que alguns clientes seletos, com convite, assistam a seus desfiles em tempo real e comprem algumas das peças em um clique. Em setembro, a norte-americana Kohl’s combinou os visuais de seu site com os do desfile da estilista e estrela do reality show Lauren Conrad que, por sua vez, foi transmitido pelo aplicativo Periscope. Quem viu o desfile no smartphone pôde compartilhar suas opiniões e imagens com a mesma rapidez que aqueles que se sentaram na primeira fila. Enquanto isso, a Givenchy ofereceu ao público a chance de adquirir, por meio de uma URL exclusiva, ingressos para seu desfile, que foi dirigido por Marina Abramovic e aconteceu em Nova York, em setembro.

A própria ideia de exclusividade do assento na primeira fila parece démodé. De uma forma ou de outra, todo nós estamos sentados ao lado de Anna Wintour hoje em dia. Exibir uma coleção na passarela seis meses antes de chegar às lojas já não parece mais um arranjo oportuno; forçar os editores de moda a passar dois meses viajando para ver esses desfiles parece desnecessariamente entediante; fazer as pessoas saírem de casa ou do trabalho para irem a uma loja cada vez que quiserem comprar algo parece tão fora de moda e pitoresco quanto uma fábula de Beatrix Potter.

O setor da moda agora tem que encarar a tecnologia como o convidado VIP da festa, e não mais o penetra. É por isso que a grife tradicional francesa Hermès acabou de fechar uma parceria com a Apple para um smartwatch; por que a Intel foi uma presença marcante na Semana da Moda de Nova York, com seus sensores embutidos em peças multifuncionais; por que as grifes passaram a usar os dados que coletam nas interações com clientes em potencial, nas plataformas das redes sociais, para ajudar a definir o que vai aparecer nas araras algumas semanas depois.

É claro que ainda há os do contra, que desdenham da possibilidade de o mundo da moda ser movido à tecnologia. Será que todos esses blogueiros e vlogueiros têm experiência e olho treinado para saber do que estão falando? O que acontece quando os editores deixam de agir como curadores e de ajudar o público a eliminar a desinformação errante? O filtro do Instagram torna o mundo cor-de-rosa demais e a impressão é a de que agora tudo tem que se ajustar para ficar bem no smartphone. As lojas virtuais, por exemplo, sabem que as cores brilhantes ficam melhores na tela; várias grifes criam passarelas cujo visual é mais interessante para o Instagram do que para aqueles que estão no salão.

E essas tendências vão muito além da moda. Meses atrás, adotei dois gatinhos de rua através de uma ONG de Londres. O pessoal ficou superfeliz de eu ter dado um lar a eles, é claro, mas também aliviado por ter escolhido os pretinhos, que são os mais difíceis de serem levados. Por quê? Por não saírem bem nas fotos do Instagram.

Gostando ou não, o fato é que as informações estão correndo mais rápido, o mundo está ficando menor e a nossa capacidade de inovação está crescendo. O mundo lá fora virou “super-über”, permitindo que mais grifes interajam com mais gente em mais lugares com mais rapidez. Agora nós falamos com, não ao cliente. Vivemos em um mundo em que a tecnologia permite que um herói olímpico chamado Bruce se transforme na pin-up Caitlyn na frente de quase 3 milhões de seguidores do Twitter e chame a atenção para uma comunidade quase sempre incompreendida –e onde o primo de segundo grau do Príncipe Charles se casa com uma executiva de moda norte-americana que conheceu no Instagram.

O destino sempre esteve em nossas mãos, mas essa máxima nunca foi tão verdadeira quanto agora. Mantenha o seu carregado.

*Jeremy Langmead é o diretor de marca e conteúdo do Mr Porter, site global de comércio eletrônico voltado para o estilo masculino.