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As melhores coisas da vida são de graça? Personalidades respondem

16/12/2015 06h00

Um grupo internacional de personalidades responde à grande questão: as melhores coisas da vida são de graça? 

Todo mundo diz que as melhores coisas da vida são de graça –mas, se é assim, por que quase nunca estamos satisfeitos em suprir as necessidades básicas, nem nos contentamos com a luz do sol, o amor e as estrelas no céu? Analisando o paradoxo, dizem que é de Coco Chanel a seguinte frase: “As melhores coisas da vida são de graça; as que vêm em segundo lugar são muito, muito caras.”
 
Você concorda? Em sua experiência, quais são as melhores? E as que vêm em segundo lugar? O que elas acrescentaram à sua vida?  
 

Yao Chen

(Yao Chen é atriz chinesa e ativista)
 
 
As melhores coisas da vida são mesmo de graça. São indispensáveis e estão sempre conosco, como o ar, o sol e a água. Prestamos pouca atenção a elas porque as damos como certas. Só quando se está prestes a perder alguma –se a visão fica embaçada, a saúde começa falhar ou os recursos naturais dos quais dependemos se veem escassos ou poluídos– é que se percebe o quanto era valiosa. 
 
A que vem em segundo lugar, mas tem um valor incalculável, é a minha carreira, que não pode ser avaliada em dólares. Foi simplesmente o destino.
 
Muitos jovens que estão começando agora dizem que estão dispostos a qualquer coisa pelo sucesso, mas acho que não teria condições de realizar meus sonhos se tivesse que conquistar minha arte a custo da minha saúde, por exemplo, ou se tivesse que sacrificar qualquer outra das “melhores coisas”. Geralmente a sorte é um fator importante, de modo que se não alcançar um objetivo, isso não vai refletir em você. 
 
É maravilhoso poder realizar um sonho. Sou muito agradecida por isso. 
 

Richard Hell

(Richard Hell é um compositor, cantor e escritor norte-americano. Seu novo livro é “Massive Pissed Love: Nonfiction 2001-2014”)
 
 
Minha primeira reação a essa pergunta é dizer que nada é de graça. Até o sol causa câncer. A água está ficando cada vez mais rara. Todo mundo diz que o casamento é empenho. Eu me considero um cara de sorte porque minhas necessidades são mínimas. É muito bom se sentir amado e amar e isso não custa nada. Outra coisa de que gosto muito é arte, tipo livros, filmes, pinturas –em museus– e música, mas isso também não é caro.
 
Tenho preconceito contra coisas caras. Geralmente estão relacionadas ao status ou à esnobação –acho que é disso que a Coco Chanel está falando, mesmo que tenha negado. Há muitos exemplos de que a maioria das coisas legais não custa muito, basta confiar na sensibilidade. (Não quero ser muito rígido com Coco –ela foi uma mulher de negócios competente que cobrava caro pelos frutos de seu trabalho; tinha todo o interesse em promover o dispendioso.)  
 
Outra coisa que aprendi é que se você consegue o que quer, ou vai querer mais daquilo ou vai se interessar por outra coisa. O melhor então é ter uma vocação –tipo gostar de fazer algo e não só ter algo–, porque aí o querer mais é querer poder fazer algo melhor, o que sempre vale a pena.
 

Yanis Varoufakis

(Yanis Varoufakis é político, economista acadêmico e ex-ministro das Finanças grego) 
 
 
A melhor coisa da vida, a felicidade, só pode ser resultado de algo genuinamente bom (por exemplo, uma boa ação, uma boa noite de sono, amor) e não se compra em lugar nenhum. As que vêm em segundo lugar, para as quais nos voltamos por impaciência ou desespero, são caras porque nenhum preço paga o valor das melhores.
 
Tentar substituir a felicidade autêntica por um objeto ou serviço adquirido é o mesmo que achar que o estupor proporcionado pelo soporífero equivale a uma noite bem dormida. No século 19, algumas revistas científicas norte-americanas publicaram essa definição: "A felicidade é como uma borboleta que, quando perseguida, sempre parece estar fora do nosso alcance; mas se você se sentar em silêncio, quieto, ela o iluminará." Ou seja, acabar com essa busca material não custa absolutamente nada!
 
Se a busca pela felicidade está condenada a ser um fracasso, então qual deveria ser o nosso guia? O otimista em mim acredita que há algo inerente no ser humano que, como o mecanismo que faz o girassol seguir a trajetória do sol no céu, ajuda a desencadear a criatividade. Simplesmente pelo fato de se manifestar. Quando a felicidade é o resultado não intencional, é como a borboleta que pousa suavemente em nosso ombro.
 
Infelizmente a labuta da vida diária nos distrai e nos transforma em consumidores que gostam do que compram, compram aquilo de que acham que gostam e acabam entediados e frustrados –permanentemente incapazes de especificar a raiz da insatisfação, vivendo a prova viva da filosofia de Mark Twain sobre "a multiplicação ilimitada das necessidades desnecessárias".
 
Por outro lado, Dorothy Parker afirmou que nós devemos “cuidar dos luxos porque as necessidades cuidarão de si mesmas”. É claro, as necessidades cuidam de si mesmas apenas para aqueles que pertencem ao seleto segmento da sociedade onde os privilégios se reproduzem.
 
Uma sociedade civilizada dá a todos condições e liberdade para usar o vigor e a criatividade para correrem atrás de seus sonhos –mas para que isso aconteça, é preciso estar livre do medo, da fome e da exploração e ter, segundo Virginia Woolf, “um quarto só para si”.
 

Karl Lagerfeld

(Karl Lagerfeld é diretor criativo da Chanel, Fendi e da grife que leva seu nome)
 
 
Chanel estava certa: as coisas que vêm em segundo lugar são muito caras –porque as pessoas geralmente pagam mais pelo que não precisam do que pelo que necessitam.
 
O luxo geralmente é julgado com base na moral, mas se você pensar em termos econômicos, há grandes benefícios. Ajuda a fazer o dinheiro circular, tira os dólares dos bolsos dos ricos e se torna uma fonte de arte.
 
Eu acho ótimo que um hotel consiga atrair clientes dispostos a pagar US$ 80 mil por uma diária porque ajuda muita gente a ganhar a vida: os operários que construíram a suíte, os arquitetos que projetaram o hotel, os artesãos que fizeram os móveis, os funcionários que trabalham ali. Um trabalho desses também é motivo de orgulho –uma suíte é uma obra de arte posta em uso todo dia, cheia de móveis belos e feitos sob medida.
 

Mikhail Prokhorov

(Mikhail Prokhorov além de bilionário, é ex-candidato à presidência da Rússia e dono do time de basquete Brooklyn Nets)
 
 
Nunca fui materialista. Durante muito tempo continuei morando no apartamento pequenino em que passei a infância, mesmo depois que já tinha condições de me mudar. Se você fosse visitar minha casa em Moscou agora, veria que ela se parece basicamente um hotel legal com um morador meio desinteressante –não há obras de arte caríssimas, nem um único ovinho Fabergé à vista! Sou só eu, geralmente usando o agasalho do Brooklyn Nets. (que custa US$ 95!) 
 
Para mim, as "coisas que vêm em segundo lugar", ou aquelas que são caras, só valem a pena se tiverem um propósito, uma utilidade. Velejar me deixa enjoado, então tenho um iate que só aproveito porque me permite andar de jet-ski. E melhorar meu desempenho no esporte é uma coisa à qual me dedico com seriedade. 
 
A melhor coisa do iate é de graça: a satisfação de estar à altura de um novo desafio e dominar um movimento novo (o que é ainda mais difícil para quem tem 2 metros de altura!). É uma coisa que ninguém pode fazer por mim. 
 
Não estou nem aí para o iate, mas valorizo o crescimento pessoal e estou feliz de ter investido nele –sem contar com o excelente vinho que bebo de vez em quando.
 

Youssou N’Dour

(YoussouN’Dour é um cantor, compositor e político senegalês) 
 
 
Tenho muita sorte de ter sido agraciado com uma voz de que as pessoas gostam. Poder ter sucesso e conquistar os fãs quando tanta gente não tem condições de seguir a carreira dos sonhos é uma bênção divina. Um talento assim tem que ser desenvolvido, mas não pode ser trocado, nem comprado: quer mais prova de que as melhores coisas da vida são mesmo de graça?
 
Para mim não há o que pague ver a expressão de felicidade e empolgação no rosto de um membro do público num dos meus shows. Não sei o nome dele(a), mas compartilhamos algo precioso! Ou o sorriso do meu filho de três anos quando me vê –ele sempre corre na minha direção e pula para me dar um abraço carinhoso. Ou quando um estranho me cumprimenta na rua, o que deixa a nós dois felizes para o resto do dia. 
 
Se amor é doação, esse olhar animado, esse sorriso sincero, esse cumprimento provam que realmente as melhores coisas da vida são de graça. Se alguém duvidar, basta prender a respiração pelo tempo que aguentar e depois inspirar e expirar o oxigênio que a Mãe Natureza nos dá. As melhores coisas da vida estão disponíveis para aqueles que têm tempo de observá-las e apreciá-las. 
 

Andreja Pejic

(Andreja Pejic é uma modelo australiana e primeira transexual a se tornar o rosto de uma grande marca de cosméticos)
 
 
Coco Chanel tinha razão porque as melhores coisas da vida são de graça, porque a interação humana é a base da felicidade –aquele sentimento de que você, unido a outros humanos, está participando de algo que beneficia o mundo e a humanidade, de uma forma ou de outra.
 
Na nossa sociedade, as relações sociais são minimizadas pelas relações econômicas com bens e serviços. Isso faz com que as pessoas se alienem do que produzem e se afastem umas das outras. A importância ideológica colocada na mercadoria sugere que quanto mais comprarmos, mas felizes seremos, mas qualquer um que já tenha vivido a alegria limitada e efêmera de adquirir alguma coisa que queria muito sabe que não é assim. De fato, quanto mais coisas possuímos, menos dura essa satisfação instantânea.
 
Só quando conquistamos as melhores coisas da vida é que podemos nos concentrar nas que vêm em segundo lugar –os produtos, o conhecimento e as experiências que nos trazem conforto, beleza, criatividade e iluminação. Infelizmente essas são muito caras e usufruídas apenas por uma minoria que geralmente espera que as coisas secundárias compensem a falta das mais importantes.