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Candidatura feminista de Hillary mostra o quanto os EUA mudaram

John Moore/Getty Images/AFP
Imagem: John Moore/Getty Images/AFP

Nicholas Kristof

27/01/2016 06h00

Na maior parte de sua carreira, Hillary Clinton sofreu por ser feminista. 

O fato de ela manter o sobrenome de solteira, prejudicou a candidatura de seu marido ao governo de Arkansas em 1980 (depois disso, ela tornou-se Clinton). Ela foi ridicularizada em 1992 por dizer que não seria uma mulherzinha ao lado de seu homem e por afirmar: “Suponho que eu poderia ter ficado em casa assando biscoitos ??e tomando chá, mas o que eu decidi fazer foi desenvolver a minha profissão.” 

(A revolta com o “chilique” dela –uma forma padrão de colocar para baixo uma mulher forte- foi tal que Hillary tentou aplacar os críticos participando de um evento de cozinha promovido pela revista Family Circle. Deve ter sido duro. Mas espere: a receita de Hillary de biscoitos de aveia com pedaços de chocolate venceu a receita de Barbara Bush, preservando a honra de todas as mães que seguem suas carreiras.) 

Mesmo quando Hillary Clinton concorreu à presidência em 2008 houve eventos de machismo, como quando dois homens de um programa de rádio pediram “passa a minha camisa!”. 

Portanto, o fato de Hillary, depois de décadas contornando a questão, estar concorrendo como feminista serve de medida de quanto o país mudou. Em 2008, ela mal mencionava seu gênero; agora é um refrão. “A questão é saber se eu posso incentivar e mobilizar as mulheres a votarem na primeira mulher presidente”, disse ela, segundo a revista “Time”. Ela ainda disse que estaria aberta a escolher uma mulher como sua companheira de chapa (dá-lhe Amy Klobuchar!). 

Em 1937, quando uma pesquisa Gallup perguntou pela primeira vez aos norte-americanos se estavam dispostos a votar em uma mulher para presidente, apenas um terço disse que sim. No ano passado, 92% responderam que estariam dispostos a isso. 

Outra pesquisa do Gallup revelou que, o que as pessoas mais gostavam na candidatura de Hillary era o seu gênero. Pelo menos para os democratas, seus cromossomos são sua qualidade mais vendável.

Por outro lado, talvez também seja um sinal de progresso que as jovens não estejam particularmente inclinadas a apoiar Hillary, pois são menos propensas a ver o seu espaço definido por tetos de vidro. 

As mulheres já estão reformulando o debate público de forma saudável. Para mim, um sinal foi quando o presidente Barack Obama sugeriu, recentemente, que não faz sentido cobrar impostos na compra de tampões. 

Cerca de 40 Estados taxam os tampões e outros produtos para a menstruação como se não fossem necessidades básicas. Há dois anos que as mulheres vêm conduzindo uma campanha para mudar isso, e uma entrevistadora (naturalmente, do sexo feminino) perguntou a Obama sobre a questão. 

“Confesso que eu não estava ciente disso até você chamar a minha atenção”, reconheceu Obama. “Preciso dizer que não tenho a menor ideia de por que os Estados tributariam esses artigos como itens de luxo. Eu suspeito que esses impostos foram aprovados quando homens estavam legislando.” 

Quando uma mulher está questionando o presidente sobre a sua política em relação a tampões, isso é um sinal de que as mulheres estão cada vez mais participando da conversa. Espero que as mulheres pressionem por uma discussão mais robusta sobre violência doméstica, tráfico de seres humanos, saúde reprodutiva, igualdade de remuneração e os direitos das mulheres em todo o mundo, questões que nunca receberam a atenção devida quando nós homens monopolizamos o palco. 

As líderes do sexo feminino muitas vezes são menos focadas nos direitos das mulheres do que se pensa, mas isso não é verdade no caso de Hillary. Quando ela viajava pelo mundo como secretária de Estado, ela destacava estas questões, visitando sobreviventes de tráfico de sexo na Índia ou conhecendo um ativista contra o casamento infantil no Iêmen. Hillary argumentou incansavelmente que, quando as mulheres são mais capacitadas, isso mina grupos extremistas. 

Nós também podemos estar vendo uma reação contra a reação às mulheres fortes. Quando Donald Trump pareceu sugerir que Megyn Kelly, da Fox News, estava fazendo perguntas difíceis por estar menstruada, ou que Carly Fiorina era inadequada para o cargo de presidente por causa de seu visual (“Olhe essa cara! Será que alguém votaria nisso?”), o público riu mais dele mais do que com ele. 

O nojo que Trump tem das funções corporais femininas -ele também se referiu às mulheres urinando ou bombeando leite como “repugnante”- também faz lembrar os anos 70. Hoje em dia, o que há de nojento não são mais as funções corporais, e sim o desconforto de Trump com elas. 

Enquanto os republicanos saídos do “Mad Men” fazem comentários machistas -Trump usando um termo vulgar para se referir à derrota de Hillary para Obama em 2008 ou Ted Cruz dizendo que Hillary precisava de um tapinha- a campanha de Hillary mal esconde seu prazer ao soar as trombetas. 

“Nós não estamos reagindo a Trump”, tuitou triunfante uma assessora, Jennifer Palmieri, “mas todos que entendem a humilhação gerada para as mulheres por esse tipo de linguagem deveriam”. 

As atitudes mudaram em relação à predação sexual. Envergonhar as mulheres que levantam queixas –ou seja, a abordagem do pessoal da campanha de Bill Clinton em 1992- é algo muito menos tolerado atualmente. 

Então, hoje, Hillary Clinton é repreendida por criticar e estigmatizar as mulheres que acusaram seu marido, o que estranhamente significa que ela pode pagar mais por seu mau comportamento do que ele pagou. Essa ironia resume a mentalidade vigente que, independentemente do progresso, as mulheres muitas vezes ainda são obrigadas a cumprir um padrão mais elevado do que os homens.