Moradores não conseguem deixar cidade dos EUA com água contaminada por chumbo
Charles White, um carpinteiro, estava sentado no sofá na sala de estar de seu pequeno bangalô, com os olhos fixos em seu menino de 5 meses, Vaughn, aninhado em uma cadeira de balanço para bebê aos seus pés.
White, que viveu em Flint por grande parte de sua vida, disse que estava no trabalho no dia anterior quando sua namorada, Tia, telefonou em pânico após voltar da pediatra. Os dois filhos deles apresentavam envenenamento por chumbo.
"Ela passou o dia todo chorando, tentando descobrir uma forma de sairmos daqui", ele disse calmamente. "Estou preparado para vender tudo o que tenho para partir e salvar meus filhos."
Mas White, como muitas pessoas daqui, disse que está preso nesta cidade envenenada.
Como a água para beber que sai de seus canos está contaminada, dezenas de milhares de pessoas aqui podem ter sido expostas a chumbo e outras substâncias químicas tóxicas. Um grande número delas deseja desesperadamente partir. Mas poucos veem uma forma de fazer as malas e se mudar para um lugar onde a água que sai dos canos seja limpa e segura.
Os proprietários de imóveis dizem ter pouca esperança de que conseguirão vendê-los. Inquilinos, como White, que pagam US$ 450 (cerca de R$ 1.760) por mês por uma casa de três quartos, temem os custos da mudança e as dificuldades de recomeçarem em um novo lugar.
"Uma mudança custa caro", disse Sandra Ballard, uma aposentada de 62 anos que vive no lado norte pobre de Flint. Ela disse que tem dificuldade para pagar seu aluguel de US$ 350 (cerca de R$ 1.370) por um apartamento de três quartos com teto remendado. "É preciso primeiro pagar o primeiro e último mês de aluguel. Acredite, quem dera eu pudesse sair daqui."
As pessoas em áreas pobres e de alta criminalidade em cidades como Detroit e Baltimore com frequência compartilham a sensação de estarem presas por causa das forças do mercado e recursos limitados. Mas as pessoas em Flint têm uma urgência especial em partir.
Devido à crise de saúde provocada pela água contaminada, elas passam seus dias lidando com as consequências.
Eles usam água engarrafada para beber, lavar as mãos e cozinhar. Elas dividem seu tempo levando seus filhos a pediatras para exames de sangue, buscando água engarrafada nos postos do corpo de bombeiros e instalando e mudando os filtros de água em suas casas. (Mesmo assim, autoridades municipais e estaduais alertaram que os níveis de contaminação ainda são tão elevados que em algumas casas os filtros são insuficientes.)
Mas muitas pessoas aqui não têm alternativa a não ser ficar.
"Não conseguiria alugar minha casa agora mesmo que quisesse", disse Joyce Cruz, 35 anos, uma proprietária e mãe de cinco. "Quem iria querer se mudar para Flint?"
Chris Theodoroff, o presidente de uma associação de corretores de imóveis em Michigan, disse que antes da crise da água, os imóveis em Flint já eram difíceis de vender, com imóveis parados no mercado e com valor inferior às hipotecas pagas por seus proprietários. O valor médio dos lares ocupados pelos proprietários em Flint era de apenas cerca de US$ 41.700 (cerca de R$ 163 mil).
"A cidade nunca se recuperou completamente da recessão econômica", ele disse. "O que isto fez foi acabar totalmente com qualquer impulso que ainda tinha."
Theodoroff chegou perto de vender uma casa por US$ 25 mil (cerca de R$ 98 mil) em Flint, mas o comprador recuou no último minuto, citando o temor com o abastecimento de água da cidade.
Flint já era uma cidade à beira do precipício antes mesmo de sua crise da água. De certo modo, ela se parece com uma Detroit em miniatura, marcada pelo desemprego, degradação e criminalidade violenta. Os bairros estão repletos de casas abandonadas, sem porta da frente e com janelas quebradas. "Não tem metal" está pichado em tinta spray em algumas casas vazias, uma mensagem visando dissuadir ladrões à procura de aço ou cobre para venda como sucata.
A maioria das fábricas de automóveis, que antes a tornaram uma cidade próspera de classe média, fechou. Em 1960, quase 200 mil pessoas viviam aqui; agora, a população é de menos da metade disso.
Então ocorreu a catástrofe atual: em 2014, um gestor de emergência nomeado pelo governador Rick Snyder supervisionou a troca do abastecimento de água do lago Huron para o poluído rio Flint, que atravessa o centro da cidade. A decisão deixou um grande número de moradores envenenados por chumbo.
"As pessoas vão manter distância de Flint", disse David Ellis, um trabalhador aposentado do setor automotivo que mora aqui desde 1968. Ele disse que já considerou voltar ao seu Estado natal, Louisiana, mas acredita que ficará por aqui. "Agora está tão ruim que só pode melhorar."
Dave Murray, um porta-voz do governador Snyder, disse que importantes membros do governo dele estão trabalhando para "melhorar a qualidade de vida para as futuras gerações" e que Flint receberá tanto dinheiro quanto recursos para auxiliar em sua recuperação. "Todos nós temos a meta comum de ajudar Flint", ele disse em um e-mail.
Cruz disse que antes da crise da água, ela costumava dizer a si mesma que Flint estava à beira de uma renascença, que os empregos e as pessoas voltariam. "Agora que isso aconteceu, não acho que melhorará", ela disse. "Flint vai se transformar em uma cidade fantasma."
Algumas pessoas já partiram. LeeAnne Walters, uma moradora de Flint que foi uma das principais manifestantes contra a água depois que sua família adoeceu, disse que está morando parte do tempo em Norfolk, Virgínia, onde seu marido está lotado pela Marinha. Ele voltou ao serviço ativo, ela disse, em parte para tirar seus filhos de Flint.
Eles mantêm a casa deles em Flint. "Não sei se alguém vai querer comprá-la", ela disse. "Quem vai querer comprar uma casa em uma cidade contaminada por chumbo?"
Mesmo quando estão em sua nova casa na Virgínia, ela disse, os efeitos da água de Flint persistem. "Meus filhos têm medo de água", ela disse. "Isso afeta você emocionalmente. O que aconteceu em Flint não fica para trás."
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