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Análise: Teste para Trump é conquistar delegados, e não apenas eleitores

Donald Trump comemora vitória da primária de NY - John Moore/Getty Images/AFP
Donald Trump comemora vitória da primária de NY Imagem: John Moore/Getty Images/AFP

Jonathan Martin

21/04/2016 06h00

Com seu desempenho amplamente dominante em Nova York, Donald Trump provou que continua sendo o candidato preferido dos eleitores das primárias republicanas. A questão agora é se conquistar a maioria dos votos será suficiente para torná-lo o indicado republicano.

A disputa volátil pela indicação na prática se transformou em duas disputas simultâneas: uma pelos votos e uma pelos delegados. E são completamente diferentes.

Ao vencer em Nova York por grande margem (ele venceu em todos os 62 condados do Estado, com exceção de seu distrito, Manhattan), Trump demonstrou a amplitude de seu apoio e sua resistência após a derrota em Wisconsin há duas semanas. Restando apenas 15 Estados no calendário das primárias, resta pouca dúvida a respeito de seu apelo popular.

Mas a forte oposição à sua candidatura dentro do partido e suas próprias deficiências organizacionais o atrapalham nas esferas estadual e local, onde um processo bizantino está em andamento para eleger os delegados para a convenção republicana em Cleveland, em julho.

O senador Ted Cruz está dominando essa disputa interna esotérica até agora. E se Trump não conseguir garantir a indicação após todos os 50 Estados, o Distrito de Colúmbia e os cinco territórios realizarem suas primárias, esses delegados poderiam tomar a decisão por conta própria após a primeira votação em Cleveland.

Tudo isso gera uma política incongruente de tela dividida: apesar de Trump atrair multidões adulatórias aos milhares em seus comícios em arenas e hangares de avião, ele tem sofrido um revés atrás do outro nos hotéis de beira de estrada e auditórios de colégio onde os ativistas do Partido Republicano decidem quem serão os delegados.

A maior dúvida que paira sobre Trump (e seu teste mais duro) desde que anunciou sua candidatura é se ele conseguirá vencer em ambas as frentes, ganhando força nas urnas e conquistando mais delegados caso precise deles em uma disputa  na convenção. Resumindo, ele e sua equipe precisam recuperar o tempo perdido no outro lado da disputa.

Trump afirmou em seus comentários tipicamente fanfarrões na noite de terça-feira que as preferências pessoais dos delegados não significarão nada na convenção. Ele prometeu conquistar os votos necessários para assegurar 1.237 delegados, o suficiente para obter a indicação na primeira votação na convenção.

"Nós não estamos mais nessa disputa", ele disse a centenas de simpatizantes que celebravam em seu arranha-céu no centro de Manhattan, na noite de terça-feira. "O senador Cruz está praticamente eliminado matematicamente."

Mas apesar de toda sua bravata, as recentes ações de Trump traem o reconhecimento de que chegou a um momento crucial em sua busca pela Casa Branca. Ao colocar veteranos da política em altos postos em sua campanha, apresentar uma verba de oito dígitos para o restante das primárias e ao menos tentar impor um grau de disciplina a si mesmo, ele parece consciente de que se não melhorar seu desempenho nas últimas seis semanas de votação, ele corre o risco de ver a indicação ser tirada de suas mãos.

"Ele empregou uma tática de guerrilha maravilhosamente eficaz, e depois de Wisconsin ele percebeu que isso não bastaria para lhe assegurar a indicação", disse Newt Gingrich, o ex-presidente da Câmara, que elogiou Trump, mas sem lhe dar seu apoio. "Assim, ele agora precisa fazer a transição."

Trump deu passos nos dias que antecederam a primária de Nova York para mostrar que é capaz de conter seu estilo bombástico: ele não participou por duas semanas consecutivas de programas de notícias dominicais, um sacrifício para um candidato que adora aparições na televisão. Ele usou anotações preparadas para expor sua definição dos "valores de Nova York", a frase que Cruz vinha usando contra ele de forma pejorativa. Ele até mesmo expressou certo arrependimento, sugerindo que estava errado em atacar a mulher de Cruz pelo Twitter. E resistiu ao impulso de usar o lança-chamas nessa rede social nos últimos dias.

Ao trazer estrategistas com experiência presidencial, como Paul Manafort e Rick Wiley, Trump também exibiu disposição em reforçar sua equipe, o que pode torná-lo mais competitivo em uma disputa delegado por delegado ou em um duelo na convenção.

Mas manter a disciplina é mais difícil do que contratar novos assessores. Até mesmo alguns aliados de Trump expressam de modo privado dúvida de que ele conseguirá controlar seus rompantes. E alguns republicanos acreditam que seus ajustes ocorreram tarde demais, que ele está destinado a perder na convenção devido à longa lista de erros e ofensas políticas realizadas ao longo da campanha.

"Essa transição precisava ter ocorrido mais cedo", disse Michael Steel, um estrategista republicano e ex-assessor da campanha de Jeb Bush. "As pessoas não vão esquecer os meses de comentários ultrajantes e incendiários."

Mas Trump tem uma arma poderosa ao seu lado: a opinião pública. Mais de três entre cinco republicanos entrevistados na semana passada pelo canal "NBC" e pelo jornal "The Wall Street Journal" disseram que se nenhum candidato presidencial obtiver a maioria dos delegados antes da convenção, a indicação deve ir para o candidato que obteve mais votos.

Assim, Trump intensificou suas críticas ao que chama de processo de indicação "manipulado", queixando-se de que mesmo obtendo milhões de votos a mais do que Cruz, ainda há a possibilidade da indicação lhe ser negada.

"Ninguém deveria obter delegados e reivindicar vitória sem obter esses delegados por meio de eleitores que votaram", ele disse em sua festa da vitória na terça-feira, fazendo um novo apelo ao retorno ao "modo tradicional: ele se chama você vota e você ganha".

Seus ataques ao processo do partido irritaram os líderes republicanos, que veem seu esforço para contestar a legitimidade das regras que não conseguiu aprender como um risco às suas perspectivas de obter a indicação.

"Ele precisa ter cuidado", disse Rob Gleason, o presidente do diretório estadual do Partido Republicano da Pensilvânia, que votará na próxima terça-feira. "Não é possível ser eleito presidente dos Estados Unidos como republicano a menos que conte com o apoio do Partido Republicano, ponto final."

Por ora, os olhos de Trump estão voltados aos eleitores das primárias republicanas e aos delegados da convenção que controlam seu destino, duas campanhas embrulhadas em uma.

"Trata-se de uma peça para múltiplos públicos", disse Laura Ingraham, uma apresentadora de talk show conservadora que aprecia a ascensão de Trump. "A mensagem para os eleitores é: 'O sistema é corrupto e precisa ser mudado, e sou alguém que está realmente fora dele'. Para os delegados, ele está dizendo 'fiquem atentos, porque as pessoas estão realmente de olho em vocês'."