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Estudantes mexicanos desaparecidos tiveram noite de terror, segundo investigadores

Alfredo Estrella/AFP/Getty Images
Imagem: Alfredo Estrella/AFP/Getty Images

Kirk Semple

Na Cidade do México (México)

26/04/2016 06h00

Policiais municipais cercaram o ônibus, lançaram gás lacrimogêneo, furaram os pneus e forçaram os estudantes universitários que estavam a bordo a saírem. "Vamos matar todos vocês", alertaram os policiais, segundo o motorista do ônibus. Um policial abordou o motorista e apontou uma pistola para sua cabeça. "Você também", disse o policial.

Com um oficial da inteligência militar olhando, disseram testemunhas, os estudantes foram colocados em veículos da polícia e levados. Eles não foram mais vistos.

Eles estavam entre os 43 estudantes que desapareceram na cidade de Iguala certa noite em setembro de 2014, em meio a circunstâncias violentas e caóticas expostas por um painel internacional de investigadores que examinou o assunto por mais de um ano. O motivo para a abdução dos estudantes permanece um mistério.

Apesar do silêncio a respeito do assunto por parte do governo mexicano nos últimos meses, os dois relatórios do painel sobre o caso, o mais recente divulgado no começo da semana, fornecem o relato mais completo dos eventos que cercaram o desaparecimento dos estudantes, que também deixaram seis outras pessoas mortas, incluindo três estudantes, e vários feridos.

Os relatórios descrevem uma noite de confusão e terror para os estudantes e moradores da cidade, e a ação coordenada por parte dos agentes da lei mexicanos e outros homens armados atuando em Iguala e arredores, no Estado de Guerrero, um dos mais pobres e violentos do México.

Cerca de 123 pessoas, incluindo 73 policiais municipais, foram detidas sob acusação de crime organizado em relação aos eventos daquela noite, e as autoridades mexicanas ligaram a força policial de Iguana a uma poderosa gangue do narcotráfico. Ainda assim, um ano e meio depois, um motivo claro para o caso continua elusivo.

Os 43 estudantes cursavam a Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos, uma faculdade de pedagogia em Ayotzinapa com histórico de ativismo.

Eles estavam entre os cerca de 100 alunos que saíram na noite de 26 de setembro de 2014 com o plano de roubar alguns ônibus. Essa era uma tradição que os alunos da escola mantinham há muitos anos. Eles costumavam pegar os ônibus, usá-los para transportar seus pares para um evento e então devolvê-los depois. As empresas de ônibus e as autoridades em grande parte a toleravam.

O plano naquela noite era conseguir vários ônibus para levar os estudantes para uma marcha na Cidade do México, que ocorreria vários dias depois, para lembrar um massacre de estudantes ocorrido em 1968.

Viajando em dois ônibus dos quais se apossaram anteriormente, eles estacionaram em uma estrada principal nos arredores de Iguala, visando interceptar outros ônibus.

"Todos nós estávamos felizes, nos divertindo, relaxados, contentes com os motoristas, brincando", testemunhou posteriormente um estudante, segundo o primeiro relatório do painel. Ele contou com depoimentos de sobreviventes, autoridades de segurança do governo e outras testemunhas, assim como relatos de um centro de comando interagências do governo.

Mas as forças de segurança já estavam cientes dos planos dos estudantes. A Polícia Federal intensificou as patrulhas perto de ônibus e o centro de comando que liga as forças policiais locais, estaduais e federais, assim como as Forças Armadas, já estava vigiando os estudantes.

Às 20h15, os estudantes realizaram seu primeiro ataque, embarcando em um ônibus que parou em frente a um restaurante. O motorista já conhecia a rotina; as empresas de ônibus costumam instruir os motoristas a, em caso de um sequestro por estudantes, permanecerem nos ônibus para assegurar seu retorno seguro.

O motorista disse que precisava fazer uma parada rápida na estação de ônibus centra de Iguala. Na estação, o motorista surpreendeu os estudantes e os trancou no ônibus.

Por volta das 21h15, os estudantes em dois outros ônibus chegaram à estação e libertaram seus colegas. O grupo tomou mais três ônibus, deixando um que não tinha motorista. Os cinco ônibus então partiram para Ayotzinapa, três seguindo para o anel rodoviário ao norte de Iguala e dois seguindo para o anel rodoviário ao sul.

Então o tiroteio teve início.

Várias viaturas de polícia perseguindo os três ônibus que seguiam na direção norte começaram a fazer disparos de advertência. Mas a ameaça de violência não deteve os estudantes.

Um grupo deles desembarcou do ônibus e começou a atirar pedras contra a viatura da polícia que bloqueava o caminho até esta ir embora. Em outro momento, um estudante se aproximou furtivamente por trás de um policial e tentou desarmá-lo. Quando outros policiais vieram em auxílio ao colega, o estudante fugiu e um disparo pela polícia ricocheteou e o atingiu, o ferindo levemente.

Quando o comboio retomou seu percurso pelo norte da cidade, os ônibus foram atingidos por disparos policiais. Os estudantes se jogaram no piso, mas ordenaram que os motoristas prosseguissem.

Mas perto do anel rodoviário, a polícia bloqueou a via com um veículo. Vários estudantes desembarcaram e tentaram remover a viatura, mas os policiais posicionados abriram fogo contra o grupo, forçando os estudantes a buscarem abrigo atrás dos ônibus. Os investigadores posteriormente contaram 30 buracos de bala dentro de um dos ônibus.

Enquanto balas passavam zunindo e vidros eram despedaçados, um dos estudantes, Aldo Gutiérrez, foi baleado na cabeça. O primeiro chamado por uma viatura de resgate foi recebido às 21h48. Os estudantes que tentaram correr em socorro a Gutierrez foram baleados pelos policiais.

Outro estudante levou um tiro na mão, com a bala arrancando vários dedos. Ele buscou abrigo atrás de um caminhão, onde foi encontrado por policiais, que o chutaram e socaram. Um terceiro estudante foi atingido no braço por uma bala. As equipes de resgate conseguiram pegar três estudantes feridos e levá-los para um hospital, juntamente com um quarto estudante com ataque de asma.

"Todos estavam confusos, aterrorizados e impotentes", escreveu o painel, cinco advogados e especialistas em direitos humanos de várias partes da América Latina.

A certa altura, a polícia fez um grupo de estudantes que estava escondido em um terceiro ônibus desembarcar e deitar no chão. Por volta das 20h50, eles foram colocados em seis ou sete viaturas e levados. Eles estavam entre os 43 estudantes que desapareceram.

Enquanto isso, os dois ônibus que tomaram a rota pelo sul também se depararam com problemas. Por volta das 21h40, enquanto o comboio de três ônibus era interceptado perto do anel rodoviário norte, a polícia parou um dos dois ônibus.

Os estudantes a bordo fizeram telefonemas frenéticos para amigos e parentes. "A polícia está nos atacando", disse um estudante para sua família, segundo o depoimento de parentes. "Meu amigo foi baleado."

Os passageiros foram retirados do ônibus e levados: o restante dos 43 estudantes desaparecidos.

Em outra parte da cidade, a polícia parou o outro ônibus que seguia pelo sul. Os estudantes a bordo, que souberam por telefone dos outros ataques, desembarcaram e fugiram para a mata próxima.

Em outras rotas que levam de Iguala a Ayotzinapa, pelo menos dois bloqueios de estrada foram montados por homens armados não identificados, e um por policiais da cidade de Huitzuco. Dois civis foram feridos por disparos em um dos bloqueios.

O painel concluiu que "a ação conjunta mostra um modus operandi coordenado para impedir a partida dos ônibus".

Enquanto isso, na saída para o anel rodoviário norte, os estudantes que sobreviveram à fuzilaria pela polícia contra o comboio de três ônibus começaram a sair de seus esconderijos e a se reagrupar no local por volta das 23h. A polícia já tinha partido e os estudantes começaram a registrar as evidências do ataque enquanto tentavam se comunicar com seus colegas nos outros ônibus.

Jornalistas, assim como alguns professores, começaram a aparecer e, à meia-noite, uma coletiva de imprensa improvisada começava a tomar forma no meio da rua.

Por volta da meia-noite e meia, um utilitário esportivo branco e um carro preto passaram por ali, com seus ocupantes tirando fotos da reunião. Alguns usavam coletes à prova de balas e capuzes. Algumas testemunhas também disseram ter visto uma viatura de polícia nas proximidades.

Quinze minutos depois, os veículos retornaram e três homens saltaram e abriram fogo à queima-roupa contra a coletiva de imprensa. Dois homens jovens foram mortos e outras pessoas, incluindo estudantes e professores, foram feridas.

Ao amanhecer, a situação acalmou e os estudantes sobreviventes que estavam escondidos por toda a cidade foram avisados por telefone que era seguro sair. Ao longo da manhã, eles se reuniram no gabinete do procurador-geral, onde falaram com as autoridades.

Naquela manhã, as autoridades também encontraram o corpo de outro estudante, Julio César Mondragón, que esteve na coletiva de imprensa. Ele fugiu quando os disparos começaram e se separou do grupo. A pele e músculos de seu rosto foram arrancados e seu crânio estava fraturado em vários lugares, assim como havia ruptura dos órgãos internos. Seu estado, escreveram os investigadores, "mostra o nível das atrocidades cometidas naquela noite".