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Terremoto obriga Equador a aplicar reformas fiscais postergadas

Funcionários observam lojas destruídas pelo terremoto, em bairro comercial de Portoviejo, no Equador - Meridith Kohut/The New York Times
Funcionários observam lojas destruídas pelo terremoto, em bairro comercial de Portoviejo, no Equador Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Nicholas Casey

Em Portoviejo (Equador)

27/04/2016 06h01

Mesmo antes do terremoto, as perspectivas eram duras para este pequeno país andino.

Os preços do petróleo, que um dia alimentaram os gastos pródigos do governo voltados para os pobres, despencaram. A economia estava em contração. A única salvação era a China, cujos empréstimos incluíam altas taxas de juros e condições que o governo local não divulgava.

Hoje, depois do maior terremoto no Equador desde 1979, os líderes de esquerda do país estão recorrendo ao tipo de medidas que combatiam antes de chegar ao poder.

Na quarta-feira passada (20), o presidente Rafael Correa deu a notícia na televisão: haveria um aumento de 2 pontos percentuais no imposto sobre as vendas, uma taxa única sobre os salários do governo para os que ganham mais de US$ 1 mil por mês (R$ 3.535,00) e a possível venda de ativos públicos. Ele também anunciou um novo imposto sobre a riqueza para os milionários.

Nos últimos dias, Correa falou em pedir empréstimos à comunidade internacional, que provavelmente virão com condições difíceis. E seus adversários discutem a possibilidade de procurar o Fundo Monetário Internacional, há muito rejeitado aqui por suas exigências de cortar os gastos do governo.

"O deficit, a falta de poupança e agora o terremoto deixaram claro que a velha maneira de fazer as coisas simplesmente não pode continuar no Equador", disse José Hidalgo, um economista que dirige a Corporação para Estudos de Desenvolvimento, um instituto de pesquisas em Quito, a capital.

O Equador tornou-se o último país da região onde a queda dos preços das matérias-primas, somada a outras circunstâncias, pressiona os líderes a renegar as promessas populistas da última década.

Na Venezuela, país produtor de petróleo, o presidente Nicolás Maduro ordenou neste ano que os postos de gasolina comecem a cobrar um preço nominal pela primeira vez. Mauricio Macri, o novo presidente argentino, voltado para a economia de mercado, ordenou que seu país sofra uma auditoria do FMI pela primeira vez em uma década, o que pode indicar um futuro de austeridade.

No Equador, o terremoto de magnitude 7,8 que ocorreu há dez dias ajudou a deslanchar um debate que, segundo muitos, era esperado há anos. Na última década, o governo fez investimentos significativos em infraestrutura e educação, enquanto liquidava os fundos de emergência reservados para desastres como terremotos, dizem analistas. Os gastos com salários do governo também incharam conforme o governo cresceu.

22.abr.2016 - O presidente do Equador, Rafael Correa, visita o vilarejo de Jama, um dos mais devastados pelo terremoto - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
O presidente do Equador, Rafael Correa, visita o vilarejo de Jama
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Correa disse que a conta da reconstrução será superior a US$ 3 bilhões, soma que, segundo ele, o governo não tem.

"O governo está usando o terremoto como desculpa para adotar medidas que deveria ter adotado há muito tempo", disse Francisco Rodríguez, principal economista para os Andes do Bank of America Merrill Lynch.

A notícia não caiu bem em Portoviejo, a maior cidade atingida pelo abalo, onde o número de mortos passou de cem. Mais de 600 pessoas morreram em todo o país.

Roberto Rodríguez, um ex-deputado que vive na cidade, disse que aumentar os impostos depois de um desastre natural só tornaria o esforço de reconstrução mais caro para os moradores.

"O preço de tudo simplesmente vai subir --concreto, asfalto, todo material de construção que se possa imaginar", disse ele. "Precisa haver incentivos para construir em um momento como este."

Evelyn Poggi, dona de um depósito de construção em Portoviejo, disse que os impostos já eram muito altos para sua empresa antes do terremoto. E as contrações econômicas do Equador, sentidas ainda mais profundamente nas cidades de província como Portoviejo, deram uma surra em sua empresa.

"Passamos de vender US$ 1.500 por dia em média para US$ 800, de repente", disse ela. "Depois para US$ 300. As instituições públicas pararam de pagar suas contas. Se não há dinheiro, não vendemos nada."

20.abr.2016 - Funcionários tentam salvar parte dos objetos de loja de ferragens, em Portoviejo, no Equador - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
Funcionários tentam salvar parte dos objetos de loja de ferragens, em Portoviejo
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Embora se espere que os novos impostos cubram os custos do terremoto, economistas dizem que maiores problemas econômicos ainda aguardam o Equador.

Seu principal desafio --que também é enfrentado pelos governos de esquerda dependentes do petróleo na Venezuela e no Brasil-- é o preço do petróleo, que despencou no último ano. Mais da metade das receitas de exportações do Equador ainda vêm dessa matéria-prima.

O Equador, entretanto, deixou de economizar a renda dos altos preços da energia para dias difíceis como estes.

O economista Hidalgo disse que entre 2010 e 2013 o preço do petróleo superou as projeções orçamentárias do governo. Se ele tivesse poupado o excedente daqueles anos, hoje teria US$ 7,5 bilhões de folga, segundo seus cálculos.

O que aumenta os problemas do país é o fato de usar o dólar, mudança que ocorreu em 2000, quando uma crise financeira fez despencar a moeda nacional, o sucre. Agora o dólar se valorizou em relação a outras moedas da região e as exportações do Equador sofreram, pois se tornaram mais caras.

Como o Equador não consegue controlar sua moeda, enfrenta a recessão e a contração dos salários, processo que o economista Rodríguez disse estar a caminho.

Como Correa deixará o cargo no próximo ano, os adversários disseram ver uma possibilidade de colocar sua marca no balanço financeiro do país.

Abdalá Bucaram Jr., um candidato a presidente do partido Equador Força, disse que o país precisa seguir o modelo da Argentina, que depois de anos de conflito com o FMI começa o processo de aceitar ajuda.

Enquanto os gastos públicos de Correa foram populares na década anterior, disse Bucaram, as consequências estão se tornando amplamente visíveis.

"A pobreza não foi eliminada no Equador", afirmou ele. "Só recebeu uma camada de cimento."