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PMDB chega ao poder no Brasil após gestões falhas e finanças abaladas no Rio

Trecho da ciclovia Tim Maia, em São Conrado, que desabou em abril - Fernando Frazão/Agência Brasil
Trecho da ciclovia Tim Maia, em São Conrado, que desabou em abril Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Simon Romero*

No Rio de Janeiro

24/05/2016 06h00

Estudantes estão ocupando escolas no Rio de Janeiro em protesto contra os cortes de verbas paralisantes, enquanto o político que ajudou a trazer a Olimpíada à cidade enfrenta denúncias de que embolsou milhões em propinas.

Explosões de granadas durante as batalhas entre bandos de traficantes ecoam pelo Leblon, o bastião da elite da cidade, à beira-mar. Até a filha do governador foi recentemente assaltada sob a mira de um revólver na porta de sua casa.

Quando o novo líder brasileiro, Michel Temer, assumiu as rédeas do país este mês --um marco na briga cáustica para depor a presidente Dilma Rousseff, que enfrenta um julgamento de impeachment--, prometeu um novo dia de "salvação nacional".

O que Temer não mencionou é que seu partido político e seus aliados detiveram um imenso poder no Estado do Rio de Janeiro, rico em petróleo, na maior parte da última década --e o lugar também precisa de muita salvação.

Em outras palavras, lamentam os críticos, o mesmo partido que criou uma confusão no Rio hoje dirige o país.

"O Rio está evoluindo para uma mini-Venezuela, enquanto seus líderes encontram maneiras de dilapidar a maior fartura de petróleo do Brasil", disse o economista brasileiro Marcelo Portugal.

As finanças estaduais estão em frangalhos. Alguns atletas estão tão decepcionados com a baía infestada de esgoto que querem mudar o local das competições de vela da Olimpíada. No mês passado, um trecho de uma nova ciclovia de R$ 44 milhões que acompanhava graciosamente a costa --uma das obras de melhoria feitas na cidade para os Jogos-- desmoronou ao ser atingido por uma onda, fazendo que dois homens despencassem para a morte.

"Isso é tudo o que não queríamos que acontecesse neste momento", disse o prefeito do Rio, Eduardo Paes, um membro destacado do partido de Temer. "Não é fácil hospedar a Olimpíada no atual ambiente brasileiro."

Os líderes locais haviam prometido que a Olimpíada seria uma vitrine dos triunfos do Brasil. Em vez disso, enquanto Temer se esforça para colocar a economia em bases mais fortes, o Rio surge como uma história de advertência sobre o que um governo liderado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) poderá representar para o restante do país.

Alguns dos principais membros do partido --incluindo o líder do Senado, Renan Calheiros, e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que foi obrigado a deixar o cargo este mês sob acusações de corrupção-- foram acusados de aceitar enormes propinas.

Mas seu partido também está sob o fogo por acusações de má administração e corrupção ligadas à Olimpíada.

Executivos de empreiteiras afirmaram que Sergio Cabral, o ex-governador do PMDB que ajudou a trazer a Olimpíada para o Rio e ainda exerce considerável influência, exigiu milhões em propinas. Eles dizem que os pagamentos foram equivalentes a 5% do custo da reforma do famoso estádio de futebol Maracanã e de outras obras públicas.

Cabral também foi criticado por usar os helicópteros do Estado para transportar seus filhos, com suas babás e o cachorro da família, em viagens de fim de semana a uma casa de praia.

"Os políticos do Rio são absolutamente repulsivos", disse Leonardo Siqueira, 37, um distribuidor de cosméticos. Ele citou o colapso da ciclovia, os escândalos de suborno envolvendo obras públicas e ruas que se inundam de esgoto durante as chuvas.

"O Rio está nessa crise por causa do PMDB", disse Siqueira. "São políticos que governam primeira e principalmente para si mesmos, e não para os cidadãos."

Em um comunicado, Cabral disse que nunca recebeu propinas e que seus assessores de segurança aconselharam o uso dos helicópteros para evitar potenciais ataques de bandos criminosos.

Com Cabral, o Rio realizou uma polêmica campanha de "pacificação" para policiar a cidade de forma agressiva e modificar sua notória reputação criminal.

Mas isso também está sendo abalado por uma onda de crimes marcada por assaltos em toda a cidade, um maior índice de homicídios e um terrível aumento nas mortes de crianças por balas perdidas. Em um episódio trágico, um menino de 1 ano foi fatalmente atingido em um bairro da periferia este mês enquanto estava dentro do carro dos pais.

Depois há a crise financeira do Rio, que ocorre apesar da receita dos campos de petróleo em águas profundas em sua costa. A riqueza submarina ajudou a turbinar a economia regional alguns anos atrás, graças à legislação que dá aos governos estadual e municipais acesso a um tesouro em royalties.

Hoje a indústria brasileira está em turbilhão, enquanto a Petrobras, a companhia de petróleo nacional que ocupa uma enorme sede brutalista na cidade, vacila com os escândalos de corrupção e o baixo preço da energia.

A Petrobras demitiu dezenas de milhares de empregados nos últimos dois anos, propagando o temor por outras indústrias. A parcela dos royalties do petróleo do Rio está despencando para cerca de US$ 1 bilhão por ano (R$ 3,56 bilhões), contra US$ 3,5 bilhões (R$ 12,46 bilhões) em 2014.

Os líderes do Rio dizem que a crise fiscal os obrigou a atrasar pagamentos de aposentadorias para funcionários do Estado. O orçamento da Educação foi cortado profundamente, levando professores a fazer greve e os estudantes colegiais a ocupar mais de 12 escolas em protesto contra as condições deploráveis.

Alguns fatores na crise do Estado estão fora do controle local, como os preços globais do petróleo e a fraqueza da economia nacional. Mas alas do governo preservaram seus privilégios enquanto os serviços sofrem.

Os juízes conseguiram recentemente uma decisão que exige que o Estado lhes pague antes de honrar outras obrigações. Na outra ponta do espectro social, líderes estão recuando. Um programa criado há cinco anos para fornecer subsídios em dinheiro de cerca de R$ 60 para 200 mil dos mais pobres moradores do Estado ficou sem dinheiro este mês.

"Sinto-me decepcionado como membro do gabinete e revoltado como cidadão", disse à imprensa Paulo Melo, a autoridade estadual encarregada dos programas contra a pobreza. Ele condenou a "indiferença generalizada" do governo do Estado.

A liderança do PMDB, um partido principalmente de centro, mas ideologicamente maleável, que forneceu uma fachada de oposição democrática durante a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985, havia prometido reverter o declínio que caracterizou o Rio depois que a capital do país se mudou para Brasília, em 1960.

Em 2007, Cabral assumiu o leme do governo estadual, que supervisiona funções importantes como a polícia. O Estado do Rio de Janeiro tem uma população total de 16,5 milhões, quase o tamanho da do Chile.

Cabral, 53, alimentou uma aliança com o Partido dos Trabalhadores, de Dilma, permitindo que o Rio abrigasse a Olimpíada e garantisse verbas federais para projetos como a expansão do metrô.

Em 2009, o PMDB também assumiu o controle da cidade do Rio, que tem cerca de 6,3 milhões de habitantes. O prefeito Paes, 46, embarcou em uma frenética reurbanização para destacar a cidade no cenário mundial, reformando partes do antigo centro e instalando o sistema de veículos leves sobre trilhos (VLT).

A favor do PMDB, a maioria das instalações para a Olimpíada foi concluída, reduzindo os temores sobre os preparativos da cidade para os Jogos, em agosto. Em nível nacional, Temer nomeou economistas respeitados de fora do partido para cargos importantes. E líderes do PMDB dizem que eles forneceram uma "força moderadora" à tumultuosa democracia brasileira.

"O PMDB é um pilar da governabilidade", disse Renan Calheiros, o presidente do Senado.

Os líderes peemedebistas que se autodescrevem como pró-empresas no Rio hoje adotam políticas comumente encontradas em países de esquerda. Para levantar dinheiro, os líderes do Estado aprovaram impostos de quase 20% sobre a produção de petróleo offshore no litoral do Rio.

Em um momento de preços baixos do petróleo, dizem os adversários, a medida poderá destruir a indústria de petróleo local. "O imposto inviabiliza a maioria dos projetos no Rio", disse Antonio Guimarães, diretor da Associação Brasileira de Produtores de Petróleo.

Apesar das duras avaliações, alguns citam a história de resiliência da cidade. O escritor Ruy Castro, 68, disse à revista "Veja" que o Rio tem uma "capacidade inigualável de frustrar os que torcem contra a cidade".

Então acrescentou uma dose de ceticismo: "Somos bons em fazer festas", disse Castro. "Não em legados."

 *Colaboraram na reportagem Paula Moura, de São Paulo, e Mariana Simões, do Rio de Janeiro